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DOIS SUBMARINOS JUGOSLAVOS…NO MONTENEGRO

Por • 4 Ago , 2019 • Categoria: 07. TECNOLOGIA, EM DESTAQUE Print Print

Em Porto Montenegro, uma luxuosa marina que foi construída no antigo Instituto de Reparação Técnica Naval Sava Kovačević em Tivat, na Baía de Kotor, Montenegro, fomos encontrar dois antigos submarinos da Jugoslavenska Ratna Mornarica, a Marinha de Guerra da República Socialista Federativa da Jugoslávia, o Heroj e o Una. Valem bem uma visita!

A principal atracção do pequeno museu de Porto Montenegro, em Tivat, a Naval Heritage Collection, são dois submarinos da Marinha de Guerra da Jugoslávia, o Heroj e o Una.

O Heroj e o Una são hoje a principal atracção da Naval Heritage Collection, um pequeno museu naval que abriu portas em 2011 numa enorme área costeira de Tivat que foi transformada num empreendimento de luxo com várias marinas de grande capacidade, baptizada Porto Montenegro. Desde logo apreciamos ter sido possível manter naquele local a memória de uma história militar e naval de séculos mas com especial expressão quando o Império Austro-húngaro, ali construiu um Arsenal em 1889 para a sua frota (*). Passou depois por duas guerras mundiais e as ocupações italianas e alemãs, e foi a importante base naval de Tivat da Marinha Jugoslava entre 1945 e 1991, neste que é o porto natural mais profundo do Mediterrâneo.

Um edifício – antiga serração da origem do Arsenal dos tempos do Império – alberga a colecção museológica de várias épocas, desde a ocupação veneziana e otomana, até à República do Montenegro (independente em 2006), cuja principal base naval fica hoje bem mais a sul em Bar. No pátio exterior estão os dois submarinos e mais alguns pequenos equipamentos de interesse militar.

O edifício da Naval Heritage Collection alberga uma história de séculos e de várias Marinhas em Tivat.

Em 2007 foi conduzido um “Relatório de situação e propostas de medidas” relativas à então já muito degradada área ocupada pelo Instituto de Reparação Técnica Naval Sava Kovačević (**) em Tivat , elaborado por Rifat Kulenović e Gordana Karović,  para o Instituto Regional para a Protecção da Herança Cultural em Kotor, do qual saíram propostas, uma das quais acabou por se concretizar com este museu.

Em Tivat no ano de 2007 antes da construção de Porto Montenegro, dois submarinos da classe Una, o 913 Zeta que está hoje na Eslovénia , um outro (possivelmente o Una) e o P831 Sava (não confundir com o Heroj) que foi vendido para a sucata em 2010. Foto Rifat Kulenović e Gordana Karović

O parque exterior do museu, com os dois submarinos recuperados e que ali foram expostos em 2013.

Os submarinos que podem se visitados por dentro e para isso foram naturalmente construídos acessos adequados, também têm utilização como “cenário” para eventos. Foto Jelena Rakocevic.

Recorda-se que a Região Histórico-Cultural e Natural de Kotor, a Boka Kotorska Bay, vulgo Baía de Kotor, está classificada pela UNESCO, com diferentes graus, sendo toda esta área costeira também inserida nesse conjunto desde 2012.

Nos tempos da Guerra Fria a baía de Kotor dispunha de abrigos para submarinos nas suas encostas. O mesmo acontecia em outros pontos da costa na hoje Croácia, e até há vários passeios turísticos que os incluem.

Porto Montenegro

Este “mini-Parque das Nações” de Lisboa para dar uma imagem que todos conhecemos, nasceu da venda a um milionário canadiano – Peter Munk (1927-2018) – de toda a área do antigo Instituto de Reparação Técnica Naval Sava Kovačević que se encontrava em grande parte abandonado e desactualizado. Depois de um processo algo demorado que ainda começou antes da independência, o projecto avançou, por fases, a primeira das quais abriu em 2010 e o empreendimento que continua a crescer. Em 2016 toda esta área passou para a propriedade de um fundo controlado pelo governo do Dubai.  

Curiosamente mais a norte, perto de Herceg Novi mas na mesma baia de Kotor, a antiga base militar de Kumbor também foi vendida, e ali está a nascer Portonovi, complexo semelhante, agora pela mão de investimentos do Azerbeijão.

Mas vamos aos submarinos!  

P821 Heroj

Construído em Split no Brodogradilište Specijalnih Objekata (estaleiro para equipamentos especiais), este submarino diesel-eléctrico que deu nome a uma classe com mais duas unidades, o Junak e o Uskok, foi lançado à água em 1967, retirado de serviço em 1991 e formalmente abatido por volta de 2005. É o único sobrevivente da classe, os outros dois foram vendidos para a sucata.

Segundo Dražen Jovanović, coordenador do Naval Heritage Collection e ele próprio um antigo submarinista, em entrevista a Nikolina Demark publicada no site http://total-croatia-sailing.com em Agosto de 2017 “…a construção do submarino iniciou-se em 1965 mas a marinha jugoslava manteve-o secreto até 1967, quando foi lançado à água. Tem 50,4 metro de comprimento, 4,7m de largura e um deslocamento de 704 toneladas. Depois dos testes de mar foi integrado na frota em 1968 e operou durante 23 anos…”. Ainda segundo Jovanovic “…o Heroj era então visto como um pináculo da construção naval e da tecnologia na ex-Jugoslávia, um dos raros países equipados para projectar e construir submarinos na época…”

 

Curiosamente trata-se de um submarino da mesma época que a nossa Classe Albacora (Daphné francesa), os quais tinham dimensões semelhantes, embora performances superiores. As tripulações eram no entanto muito diferentes, 28 para o Heroj e 54 para os Albacora.

 Em 1991 este submarino saiu para o mar uma última vez a partir de Tivat, e tinha acumulado 726 dias de operações e o equivalente a duas voltas ao mundo a navegar. Nunca entrou em combate mas desenvolveu acções de recolha de informações nas costas da Albânia, Itália e outros pontos do Adriático. O seu restauro ficou pronto em 2013 sendo então exposto ao público. O submarino pode ser visto por dentro, está exactamente como quando saiu de serviço. Infelizmente, por uma infeliz questão de horários, não tivemos essa oportunidade quando estivemos no local mas deixamos aqui imagens de um blog de uma guia local, Sanja Mitrovic, que ilustra bem o seu estado de conservação. Rarity in the World –Submarine “Hero” in Tivat: http://www.sanjamitrovic.me/2018/05/04/rarity-in-the-world-submarine-hero-in-tivat/

Com o início da guerra civil na Croácia foram deslocados pela Marinha Jugoslava da importante Base Naval de Lora (Split) para o Montenegro, onde permaneceram sem qualquer actividade.

P912 Una

Estes submarinos foram pensados nos anos 80 pelo Brodarski Institute de Zagreb, que ainda existe e trabalha no campo das tecnologias navais, construídos nos mesmos estaleiros de Split que o Heroj, e destinavam-se a transportar forças especiais e a colocar campos de minas. Não estavam armados, as suas pequenas dimensões destinava-os a operar nas costas do Adriático, e podiam navegar até muito perto da costa, bastava-lhes cerca de 10 m de profundidade.

O Una é um dos 6 submarinos desta classe: Tisa, Una, Zeta, Soča, Kupa e Vardar, nomes de rios da Jugoslávia.

Foram também colocados no Montenegro pela Marinha Jugoslava quando a guerra começou na Croácia, excepto o Soča, que acabou por ser capturado pelos croatas que mais tarde o colocaram ao serviço com o nome de Velebit, tendo-lhe mesmo introduzido algumas alterações.  E aliás curioso notar que hoje os estaleiros navais de Split onde eles foram construídos (assim como os Heroj e os Sava), continua a funcionar construindo vários tipos de navios civis e pequenos patrulhas militares e…submarinos. A firma faz mesmo referência a este facto na sua publicidade e apresenta o Velebit como exemplo.

A publicidade que os estaleiros croatas Brodosplit hoje divulgam, recorda a sua experiência na construção de submarinos e naturalmente destacam o pequeno Velebit.

Infelizmente o Velebit tanto quanto se conseguiu averiguar ainda está em Split neste estado, aguardando transferência para Zagreb. Foto Jerry E do ShipSpotting.com

O destino destes submarinos é variado mas há vários conservados. Após a independência (em 2006) o Montenegro decidiu em 2009 ficar apenas com o Una e oferecer submarinos destes à Sérvia, Eslovénia e Croácia. Este último país recusou, uma vez que tinha um contencioso como Montenegro referente a material militar da antiga Jugoslávia que reclamava como seu, assunto que desconheço se já está resolvido!

O Tisa foi oferecido à Sérvia e está em Belgrado desde Junho de 2018, onde deverá ser exposto no Museu da Ciência e Tecnologia; o Una está neste museu no Montenegro que apresentamos; o Zeta está visitável na Eslovénia, no Parque de História Militar em Pivka desde Setembro de 2011, depois de uma viagem atribulada, por terra, pela Sérvia e Hungria. Na realidade o Montenegro ofereceu à Eslovénia o Zeta, mas a Croácia também o reclamava como sendo seu, e o envio do submarino de poderia ter sido rebocado por mar, foi feito em segredo, desmontado e transportado em camiões, porque havia o receio que os croatas o tentassem capturar; o Kupa foi para a sucata; o ex- Soča, depois Velebit, terá terminado a sua vida operacional em 2001 e retirado da água em 2005. Estava em 2018 (última referência encontrada) ainda semi-abandonado em Split, mesmo que tenha sido oferecido ao Tehničkom muzeju u Zagrebu (Museu Técnico de Zagreb), mas a falta de meios impossibilita a sua concretização; sobre o Vardar nada consegui averiguar.

O Vardar, último submarino da Classe, sendo lançado à água em 1989 nos estaleiros de Split então designados Brodogradilište Specijalnich Objekata ( estaleiro para equipamentos especiais ) Foto: Megan Military Historian PL.

Ainda em Tivat já retirados de serviço, o Tisa o Una quando aguardavam o seu destino. Ambos foram salvos! Foto Megan Military Historian PL.

Estes pequenos submarinos acabaram por ter uma vida operacional de apenas cerca de 10 anos.

Em Porto Montegro foi assim possível manter esta herança naval e militar viva para perpetuar a história do antigo Arsenal e das marinhas de vários países que antecederam o actual Montenegro independente. É um país onde não se nota qualquer ressentimento com o passado recente, antes pelo contrário, reclamam como sua  parte da herança histórica e militar da antiga Jugoslávia.

Por mera coincidência quando estivemos em Porto Montenegro estava atracado o Navio-Escola Jadran (Adriático) que é contemporâneo do nosso NRP Sagres, também construído na Alemanha nos anos 30 do século XX, e que no seu “CV” distribuído aos visitantes, descreve as várias viagens de instrução que fez, referindo que “…a mais interessante foi a deslocação a Lisboa por ocasião da EXPO 98 em 1998…”!    

O Jadran (Adriático) desde 2006 Navio-Escola da Marinha do Montenegro, orgulha-se da sua viagem a Lisboa em 1998!

(*) Um processo com algum paralelismo com o nosso Parque das Nações, onde também havia muita história militar e da qual hoje ali nada resta.

(**)Sava Kovačević/Сава Ковачевић (1905-1943) foi um guerrilheiro jugoslavo que se destacou no combate aos alemães da 2.º Guerra Mundial e um dos heróis dos “partisans” comunistas. Nasceu no Montenegro em Nudo/ Nikšić numa família de camponeses e chegou a ser um dos mais importantes chefes militares do Exército de Libertação Popular da Jugoslávia. Morreu em combate contra os alemães em Junho de 1943 no rio Sutjeska, hoje na Bósnia e Herzegovina. Era um personagem popular e corajoso, a sua morte em combate torno-o um mito. Um monumento está-lhe dedicado em Grahovo no Montenegro e muitas ruas, bairros e até uma localidade receberam o seu nome (Savino Selo – vila de Sava, na Voivodina, Sérvia) além dos antigos estaleiros de Tivat.

(Nota: estes dados  sobre as características dos submarinos foram retirados da Wikipedia e cruzados com outras fontes não-oficiais)

HEROJ, principais características

Comprimento: 50,40m

Deslocamento em imersão 705 toneladas

Dois geradores a diesel Mercedes MB 820N e um motor eléctrico Končar

Velocidade máxima de  15.3 knots em imersão

Autonomia para 4.1oo milhas náuticas (7.6000Km)

A cota máxima de imersão era de 210m

Guarnição de 28 militares

Armamento:

4 tubos de 533mm para lançar 6 torpedos SET-65E ou 12 minas navais

 

UNA, principais características

Comprimento: 18,82m

Deslocamento: 87,6 toneladas quando em imersão

Estava equipado com uma camara de entrada/saída em imersão

Dois motores eléctricos de 18 Kw e 24 hp alimentados por dois grupos de baterias que não podiam ser recarregadas durante a navegação, o que os tornava dependentes de apoios em terra ou outros navios.

Velocidade máxima de 8 nós em imersão;

Tinha autonomia para navegar 250 a 270 milhas náuticas (460 / 500Km)

A cota máxima de imersão era de 120m

Podia transportar 6 elementos das forças especiais equipados e armados.

Operava com uma tripulação de 6 ou 4 elementos.

Leia também no Operacional sobre Submarinos:

AINDA SOBRE O “BARRACUDA” EM CACILHAS

OS SUBMARINOS DA MARINHA PORTUGUESA – 4.ª EDIÇÃO

A HISTÓRIA DO U-534

“BARRACUDA” TERMINOU SERVIÇO ACTIVO

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