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O MODELO PORTUGUÊS DE POLÍCIA

Por • 26 Mai , 2013 • Categoria: 01. NOTÍCIAS, EM DESTAQUE Print Print

A discussão sobre o modelo português de polícia é muitas vezes enviesado e parte, propositadamente ou não, de pressupostos que não são verdadeiros. Este é o ponto de partida de João Fernandes Figueira, Inspector-Chefe da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes da Polícia Judiciária, neste artigo, originalmente publicado na revista “Modus Operandi”, e que agora transcrevemos com a devida vénia.

São na realidades várias as policias portuguesas.

São na realidade várias as polícias portuguesas.

O MODELO PORTUGUÊS DE POLÍCIA, GENERALIDADES E DIVAGAÇÕES

1.Parece não ser discutível existirem, pelo menos em tese, 3 tipos distintos de modelos de polícia: o modelo integral, o modelo dual e o modelo pluralista.

A definição de cada um parece também óbvia: existência num dado país de uma só polícia (única, integral ou global), ou duas polícias (sendo uma militar e outra civil, com missões parcialmente comuns e com missões diferenciadas mas complementares), ou, enfim, várias polícias (não implicitamente tantas como as cerca de 50 existentes no Reino Unido, mas com missões especializadas e complementares entre si, actuando necessariamente de forma concertada, de acordo com regras precisas de cooperação e procedimentos bem definidos de coordenação inter-institucional).

Também parece ser (mais ou menos) claro que cada um destes modelos tem as suas vantagens e desvantagens e que a preferência por um ou outro é, basicamente, de carácter subjectivo e a sua discussão eterniza-se sempre e arrisca a tornar-se estéril e completamente inconsequente. Evitemo-la, pois.

2.Na análise do modelo actualmente aplicado a Portugal, os vários estudiosos e os inúmeros comentadores portugueses sobre o tema (geralmente defensores do modelo integral ou do modelo dual) referem, habitualmente, ser o modelo dual o agora existente entre nós. Pessoalmente e aqui só entre nós, confesso ter muita dificuldade em compreender esta tese, mas isto dever-se-á, muito provavelmente, a incapacidade, incultura, desatenção, burreza e, ou qualquer outra deficiência ou insuficiência da minha parte.

De facto, a menos que, por qualquer razão (mais ou menos) escondida, se ignore propositadamente os outros serviços de aplicação da lei existentes em Portugal e se considere, apenas, os dois maiores e, eventualmente, mais vistosos e bonitos, é que o sistema se reduz ao modelo dual.

Contudo, a realidade é que, ainda que se possa pretender serem desnecessários, inconsequentes ou incompetentes, existem, de facto, vários organismos policiais com missões especificamente atribuídas, que cumprem tarefas concretas e onde trabalham vários milhares de pessoas. Desde logo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a Polícia Marítima, a Polícia Judiciária, a própria Polícia Judiciária Militar, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (porque não?)…

E isto mantém-se se, numa rápida abordagem histórica, recuarmos ao passado dos serviços de polícia em Portugal. Se não, vejamos: desde logo a Guarda Fiscal, que existiu em Portugal durante cerca de 200 anos (de 1802, então como Guarda das Barreiras, a 1995); também durante cerca de 200 anos existiram sucessivamente diversas polícias secretas, preventivas, políticas, de informações e, ou de segurança interna (de 1808 a 1974). Por seu lado, a investigação criminal autonomizou-se em fins do séc. XIX (1898) e tornou-se um serviço completamente independente em princípios do séc. XX (1917). A Autoridade marítima tem tido (desde 1818), ao longo do séc. XIX e XX vários serviços específicos de polícia marítima. Por períodos mais curtos houve, entre nós, inúmeros serviços muito especializados como a Polícia Fiscal (de 1887 a 1892), a Polícia Internacional Portuguesa (de 1928 a 1945), a Polícia de Viação e Trânsito (de 1937 a 1970), o Centro de Investigação e Controlo da Droga (de 1977 a 1982), o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (a partir de 1986), a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (a partir de 2006). Já agora, as inúmeras forças de polícia existentes no antigo Império português, todas independentes entre si (a título de exemplo cite-se o Corpo de Polícia do Estado da Índia, as Polícias de Segurança Pública de Angola, da Guiné e de Moçambique, as Polícias Judiciárias de Angola e de Moçambique, as Guardas Fiscais, as Guardas Rurais, as Administrações Provinciais com os seus cipaios…). E, regressando à Metrópole, ainda as importantes autoridades de polícia local que eram os regedores e os seus cabos-de-ordem (de 1842 a 1977).

Assim, modelo dual em Portugal, quando? E como?

3.Muito genericamente, parece-me ser indiscutível que o actual modelo português de polícia se caracteriza por três aspectos essenciais:

a) É o NOSSO modelo. De facto, resulta da síntese de vários sistemas, de origens diferenciadas e da lenta evolução social e política ocorrida em Portugal. Não há outro exactamente como ele. Será o ideal? Mas haverá um modelo de polícia ideal?

b) Está consolidado na sua versão actual há, pelo menos, um século. E assim tem sido aceite pela população portuguesa e reconhecido pelas congéneres estrangeiras. Cumpre as missões que lhe estão atribuídas? Tem cumprido. Na perfeição? A acção humana não atingirá, nunca, a perfeição. Poderá ser melhorado? Claro que sim. Porque não? Penso até que nem seria muito difícil.

c) Assenta num muito sensível sistema de equilíbrios entre forças e serviços, de poderes cuidadosamente balanceados que, curiosamente, lhe dá flexibilidade e potencia a sua capacidade de resposta. Alterá-lo criaria, necessária e obviamente, uma conflitualidade permanente, dentro e fora dos serviços remanescentes, potenciaria uma desmotivação generalizada e poderia implicar uma significativa redução da produtividade e o aumento dos custos de operação.

Assim, o que importa parece ser a resposta à questão: compensaria alterar este modelo? Traria redução de custos? Onde? E porquê? Traria vantagens de carácter funcional? Onde? E porquê? Os portugueses, enfim, ficariam melhor servidos? Alguém pode agora e em Portugal, responder sincera e cabalmente, a estas questões?

E assim, porquê avançar agora para projectos verdadeiramente revolucionários, de carácter irreversível e aplicação contestada, de muitíssimo duvidosas vantagens e resultados muito incertos?

Espera-se por parte do decisor, nesta, como nas outras áreas da governação, serenidade, seriedade, conhecimento e muitíssimo bom senso.

João Fernandes Figueira

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