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AINDA SOBRE A PROPOSTA DE RDM

Por • 17 Mar , 2009 • Categoria: 02. OPINIÃO Print Print

disciplina

Depois de nos ter dado a sua opinião sobre a nova proposta de Regulamento de Disciplina Militar (RDM) que está inserida no actual “pacote legislativo” sobre a Defesa Nacional –   JUSTIÇA E DISCIPLINA MILITARGil Prata, observando os últimos desenvolvimentos e as opiniões manifestadas publicamente por parte dos intervenientes, volta ao assunto e faz alertas pertinentes.

A votação dos diplomas de reforma das Forças Armadas foi adiada pela Comissão de Defesa Nacional. Em causa está, entre outros diplomas, a nova proposta de Regulamento de Disciplina Militar.
Ainda bem que foi de novo adiada, porque com a aplicação desta proposta, feita lei, nas fileiras das Forças Armadas, parece-nos que há risco de fragilização da disciplina.
A Instituição militar tem o poder de sancionar o militar cuja conduta ofenda os padrões de comportamento ou se mostre inadequada à sua condição de militar.
Em certos casos, atenta a gravidade da conduta culposa que torna impossível a manutenção da relação funcional, a lei admite mesmo a perda daquele vínculo. E isto porque a sanção tem sobretudo um objectivo conservatório e visa manter o comportamento do militar no sentido adequado ao interesse militar ou da Instituição.
Assim, porque o Regulamento de Disciplina Militar visa o equilibrado desenvolvimento da actividade da Instituição e a manutenção do prestígio das suas funções e da sua imagem, é do interesse das Forças Armadas que o diploma que regula a disciplina no interior das suas fileiras esteja em consonância com aqueles fins.
Por isso, um regulamento disciplinar aplicado às Forças Armadas serve em primeira mão as próprias Forças Armadas, enquanto Instituição e enquanto colectivo de oficiais, sargentos e praças irmanados nos mesmos valores e no mesmo espírito de cumprimento de missão.
Sem embargo das legítimas competências das instâncias próprias na elaboração do RDM, as Forças Armadas devem no entanto contribuir activa e interessadamente, pois são elas que conhecem os valores estruturantes da Instituição.
Porém, parece-nos que a intervenção das instâncias militares competentes foi diminuta na elaboração desta proposta, pelo que, na nossa opinião, grassam erros que desvirtuam a especificidade militar dos agentes objecto de aplicação da mesma.
No âmbito do ilícito disciplinar, o seu sancionamento visa defender a disciplina necessária para o correcto desenvolvimento do serviço e, em consequência, da Instituição; já no âmbito do ilícito criminal, a sanção tem por objectivo defender os bens fundamentais da comunidade. São, pois, diferentes os fins que se pretendem alcançar com um ou com outro.
E é por isso que a infracção disciplinar é um comportamento culposo do militar considerado incompatível com o decoro, a disciplina, a boa ordem do serviço ou o prestígio das Forças Armadas.
Ao considerar-se determinada conduta como infracção, o que está em causa é o interesse que a Instituição visa proteger ao sancionar os comportamentos do militar atentatórios do justo e equilibrado desenvolvimento da relação funcional.
Já na infracção criminal existe um comportamento que ofende valores jurídico-criminais, tutelados pelo direito penal através dos tipos legais de crimes, que dizem respeito, essencialmente, à vida do homem em sociedade e à livre expansão da sua personalidade moral.
O facto de se pretender rever o RDM não significa, necessariamente, que tenha de existir uma ruptura com o anterior. Até porque, se este tem sido eficaz desde 1977, seria um erro considerar que, como que por artes mágicas, deixou de servir. Melhor seria manter o actual e revê-lo apenas nas matérias que carecem de actualização, do que impôr um RDM novo com os erros que a actual proposta apresenta.
Até parece haver uma intenção de, paulatinamente, se descaracterizar o regulamento disciplinar aplicado aos militares, fazendo desaparecer instrumentos essenciais dos comandantes e chefes militares na manutenção da disciplina nas Forças Armadas.
Quem aparece a querer discutir a proposta de RDM e a querer influenciar as alterações a introduzir-lhe? Por ironia têm sido as associações sócio-militares a fazê-lo. Uma situação que, na nossa opinião, é mais prejudicial do que benéfica à apreciação deste diploma.
Cabe à Instituição como um todo e às estruturas superiores dos Ramos definir os elementos essenciais da disciplina militar, face aos valores fundamentais que lhe estão subjacentes, e apreciar a proposta de regulamento disciplinar em discussão.
Mal será permitir-se que as associações se substituam à Instituição nesta função. É que o D que aquelas estão motivadas a defender é o D de direitos e não o D de deveres.
Em várias afirmações de responsáveis das associações, mesmo a OCS, se quer fazer crer que a fonte do mal da proposta de RDM em discussão é que esta vai aumentar o rigor da imposição da disciplina e que é muito mais gravosa do que o actual.
Contrariando-os, lamentamos constatar que este tipo de afirmações não tem correspondência com a realidade. Quem se quiser dar ao trabalho de comparar a proposta em discussão com outros regulamentos disciplinares, tanto o da GNR, como o da PSP e até o estatuto disciplinar de funcionários que exercem funções públicas, verá que de todos o menos rigoroso é esta proposta de RDM.
Compete às Forças Armadas, enquanto Instituição assente em valores e deveres, analisar e discutir esta proposta de RDM, porque os deveres militares estão interligados com a deontologia, e esta é a coluna vertebral da Instituição militar.
O facto da alteração ao RDM estar a ser tratada em simultâneo com a alteração de outra legislação faz com que a atenção se perca, por a mesma estar focalizada noutras questões porventura tão ou mais importantes. No entanto, será bom que não descuremos aquela.
Na proposta agora em estudo nada é acrescentado em termos de deveres que não possamos constatar existir já no actual RDM. Apenas se lhe dá uma sistematização que – juntamente com a alteração feita nas actuais sanções diferenciadas consoante o arguido seja oficial, sargento ou praça -, na nossa opinião, são o que de bom ela tem.
De resto nada acrescenta que o torne mais rigoroso. Antes pelo contrário, vem fragilizar ainda mais a disciplina, do qual é exemplo o facto de o superior hierárquico, em sede de recurso hierárquico ou de apreciação de uma decisão disciplinar até ao início de cumprimento da mesma, não a poder alterar agravando-a, se razões de equidade inerentes à acção de comando assim o exigissem.
Já em matéria de sanções, esta proposta cria a pena de suspensão em que um dos efeitos é a perda, durante o período da sua execução, de suplementos, subsídios e de dois terços do vencimento auferido à data da mesma. Eu questiono: será que por razões da sua subsistência e respectiva família o militar suspenso poderá exercer qualquer outra actividade remunerada fora das Forças Armadas? E como se coaduna esta sanção com o dever de disponibilidade a que o militar continua obrigado?
A previsão desta sanção é mais um sinal da “civilização” do RDM. Felizmente, houve inibição de, igualmente, se prever a pena de multa, mas leva-nos a questionar se o legislador terá ponderado devidamente a especificidade da função militar.
Melhor seria, na nossa opinião, que apenas se preocupassem em alterar ou revogar, no RDM em vigor, os artigos que o merecessem.
Consideramos que o assunto é demasiado sério para que desperdicemos a oportunidade de dizer que – com esta proposta – se corre o risco de fazer muito mal à Disciplina militar.

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