logotipo operacional.pt

OS CANHÕES DA CASTANHEIRA EM PONTA DELGADA…

Por • 1 Abr , 2010 • Categoria: 05. PORTUGAL EM GUERRA - SÉCULO XX, 14.TURISMO MILITAR Print Print

É com muito prazer que o Operacional publica este artigo e dá as boas-vindas a um novo colaborador, Sérgio Rezendes. “Os Canhões da Castanheira em Ponta Delgada…” refere-se a um período muito interessante da nossa história militar – pouco falado, diga-se, talvez porque a guerra e todas as suas terríveis marcas foi evitada – no qual as Forças Armadas foram chamadas, mais uma vez, a desempenhar um papel de enorme relevo. Este episódio sobre uma bateria de artilharia de costa é um dos muitos que esta época ainda tem para contar.
Sérgio Alberto Fontes Rezendes, 34 anos de idade, é Tenente contratado do Exército do qual sai dentro de escassos dias depois de quase dez anos de serviço – «o último dos Tenentes em regime de contrato dos nove anos e meios, diz» – e um apaixonado pela história militar dos Açores onde nasceu. Ao longo da sua carreira militar passou pelo Museu Militar de Lisboa, Arquivo Histórico Militar e Museu Militar dos Açores. Licenciado em História e Ciências Sociais antes de ser chamado a cumprir o serviço obrigatório no Exército, continuou depois os estudos especializando-se na área do património, museologia e desenvolvimento. Tem colaborado em várias revistas da especialidade e órgãos de comunicação social, constituindo-se assim num “militante” muito activo da divulgação de alguns episódios pouco conhecidos da história militar de Portugal.

Ponta Delgada vista da Castanheira. Instalada para proteger a cidade, pode vir a ser um local de lazer e de cultura.

Ponta Delgada vista da Castanheira. Instalada para proteger a cidade, a bateria pode vir a ser - como tantos exemplos vai havendo por esse mundo - um local de lazer e de cultura.


OS CANHÕES DA CASTANHEIRA EM PONTA DELGADA…
Falar sobre a bateria de defesa de costa da Castanheira na cidade de Ponta Delgada, será atribuir uma nova missão a uma velha mas cintilante parte da História Açoriana. Perceber a sua utilização e progressivo desinteresse, forneceu as explicações para o seu abandono, que diga-se em abono da História, a poderá ter salvo do repatriamento para o continente português, ou pior ainda, do seu desaparecimento total.
A Defesa de Costa tem por missão geral a protecção de áreas e/ou pontos sensíveis, situados no litoral, bem como a interdição de locais acessíveis a desembarques de fortes contingentes de tropas inimigas, com vista a operações de grande envergadura no país, neste caso, na ilha. Para uma correcta execução desta tarefa, deve contribuir para tal a Artilharia, as defesas móveis de navios de combate ligeiro, as defesas fixas passivas e as defesas fixas e móveis aéreas.
De todos estes meios, é a Artilharia tipo canhão que mais se destacava até finais da II Guerra mundial, pela sua grande rapidez de resposta, continuidade, precisão e uma intensidade de fogos que nem o avião ou o submarino podiam dar, tornando-se a forma de defesa mais segura, rápida, precisa e eficaz, apenas substituível actualmente (e com vantagens) pela Artilharia de mísseis de costa.
De um modo geral o conjunto das defesas de um sector marítimo dispunha-se ao tempo em duas linhas: uma primeira linha avançada à menor distância possível dos pontos e zonas a proteger e uma segunda linha mais próxima do porto e base naval, em condições de reforçar a anterior e para servir de núcleo de defesa no caso de inutilização da primeira. Esta concepção de defesa levava a que se empregasse na primeira linha, bocas de fogo (canhões) de grande rapidez de tiro e curto alcance para bater lanchas de desembarque e tropas de infantaria quando tentassem o desembarque, e na segunda, bocas de fogo de maior calibre e maior alcance para bater os navios que com o seu fogo estariam a apoiar o desembarque.
Será pois dentro desta concepção de defesa de costa, nas suas grandes linhas imutável, que terá que se analisar a construção da bateria da Castanheira e sua utilização ao longo de quase meio século.

A Bateria foi construída no Pico da Castanheira

A Bateria foi construída no Pico da Castanheira

O que se via à superficie era uma parte muito pequena do conjunto das instalações da bateria

O que se via à superficie era uma parte muito pequena do conjunto das instalações da bateria

Não sendo o material mais moderno do mundo na altura em que foi instalado tinha real capacidade para a missão atribuída

Não sendo o material mais moderno do mundo na altura em que foi instalado tinha real capacidade para a missão atribuída

Situada no Pico da Castanheira, na freguesia de Arrifes, município de Ponta Delgada, a Bateria Independente de Defesa de Costa n.º 1, é constituída, em termos de instalações físicas, por duas zonas bem distintas: a da bateria propriamente dita, que é caracterizada por ser um complexo fortificado subterrâneo e uma zona de aquartelamento a cerca de 500 metros, com os respectivos apoios administrativos e logísticos. Não sendo o propósito deste trabalho a análise da zona de aquartelamento, mas apenas a da bateria em si, resta alertar para o facto da segunda existir para apoio da primeira.
De acordo com a concepção de defesa de costa abordada, a bateria da Castanheira surge como resultado de uma necessidade urgente da guerra internacional, cujos reflexos se fizeram sentir também nos Açores. A sua missão principal era a da defesa da cidade de Ponta Delgada, especificamente do seu porto de acesso junto ao forte de São Brás. Deveria actuar contra navios de forças atacantes procurando atingir em primeira instância os de transporte de tropas e em segunda, os de escolta. Igualmente prevista era a sua utilização em acções de apoio de fogos às forças terrestres e na defesa da costa norte da ilha.
Ernesto Machado, nomeado comandante militar dos Açores em 1939, foi instruído pelo subsecretário de Estado da Guerra para realizar a mudança do Comando Militar dos Açores da ilha Terceira para São Miguel, e simultaneamente resolver o problema da escolha das posições das baterias pesadas de costa nos Açores. Na sua mente já ganhava forma a excepcional importância que o arquipélago atingia na estratégia marítima, não só advinda da sua privilegiada situação geográfica ou sobre a conveniência de nestas se instalar uma base naval, com vários proveitos para os portugueses e os velhos aliados ingleses, como também de dois factores novos que marcaram a II Guerra Mundial: o progresso da aviação e a sensibilidade mediterrânica (1). O arquipélago tornara-se o mais notável elo de ligação entre o velho e o novo continente, originando inúmeras possibilidades para o seu uso, o que atraía a atenção não só dos E. U.A. e Inglaterra, como da própria Alemanha nazi. No que concerne ao Mediterrâneo, a razão reside no incremento que o “canal” de 720 milhas entre os Açores e a costa luso-africana teria caso o Mediterrâneo ficasse sobre domínio do Eixo, ao que base navais e aéreas nos Açores garantiriam, conforme os casos, o comércio marítimo do Mundo pelo Atlântico.
Em 1940, circulavam boatos de uma possível invasão de Portugal continental e ao nível militar (Ministério da Guerra) foram recebidos telegramas como «…Arquipélago pode ser atacado a todo o momento…» ou «…Soberania nacional Açores pode ser afectada a qualquer momento…»(2). Nesta altura, já os alemães atingiam os Pirinéus e as intrigas políticas efervesciam em Espanha, com possíveis consequências para Portugal (3). No sentido de dissuadir as pretensões da Alemanha, da Inglaterra e dos Estados Unidos quanto à utilização dos Açores, o Presidente do Conselho de Ministros, o Dr. António de Oliveira Salazar foi enviando tropas para os Açores, reforçando não só a defesa das ilhas como a possível eventualidade de ter que mudar o Governo para Ponta Delgada, em virtude do receio da concretização da operação Félix (4). A bateria da Castanheira seria pois o reflexo de uma guerra mundial que inevitavelmente levaria a que se desse um passo à frente, construindo-se e mobilizando-se inúmeras unidades e instalações militares para as ilhas açorianas, em especial para as ilhas do Faial, S. Miguel e Terceira.
Com a suspensão da Operação Félix a 10 de Janeiro de 1941 e com os acordos assinados em 1943 com a Inglaterra e em 1944 com os Estados Unidos da América, finalmente António de O. Salazar poderia em parte tranquilizar-se, embora com a clara noção do resultado contido da sua sagacidade na defesa dos interesses de Portugal ante os blocos adversários. Neste contexto, o porto de Ponta Delgada assumia -se como sendo um ponto de apoio logístico de importância crucial para o abastecimento de navios que atravessavam o Atlântico, o que o tornava num ponto estratégico a assegurar no cordão umbilical que unia um velho e novo continente em guerra. A bateria da Costa da Castanheira tornar-se-ia o seu mais fiel e atento sentinela.
Uma vez analisada sumariamente a importância dos Açores, da ilha de S. Miguel e do seu porto, a bateria da Castanheira(5) surge como sendo a primeira fase das duas linhas de defesa de costa, na medida em que a sua função seria de defesa intermédia. Alguns anos depois (décadas de 1950 e 60), tentou-se completar o dispositivo de defesa de costa de Ponta Delgada com a instalação no Pico da Cruz de uma bateria de costa 23,4 cm com um alcance próximo dos 40 quilómetros, cujo material canadiano chegou a ser recebido mas nunca instalado por razões económicas. Em 1942, o receio do Comando Militar dos Açores era o de um ataque surpresa e em força contra o porto de Ponta Delgada, conjugado com a acção aérea e terrestre contra o aeródromo de Santana e tentativas de desembarque em outros pontos da ilha, como nos Mosteiros ou Vila Franca do Campo. O dispositivo de defesa do porto da cidade era constituído pela bateria da Castanheira em conjunto com uma divisão (meia-bateria) posteriormente instalada em 1947 no forte de São Brás, (para defesa imediata do porto de Ponta delgada), constituída por duas peças Vicker’s Armstrong de 10,16 cm com um alcance de cerca de 9 quilómetros.
Contudo, o mesmo sistema defensivo previa um “cone” de fogo que se iniciaria com a bateria da Castanheira a partir dos 12 quilómetros para depois ser reforçado pela designada Bateria Eventual de Defesa de Costa (as Vicker’s Armstrong), constituída em 1943. Situada junto à orla de Ponta Delgada, a sua localização foi alvo de intenso secretismo na época, sabendo-se ser no campo de Santa Clara em local de difícil acesso. Encontrava-se pronta a funcionar a 25 de Novembro de 1943. Em caso de emergência, a defesa do porto seria também reforçada pelas duas baterias antí-aéreas de 9,4 cm modelo 1940, instaladas em Belém e na Relva (Corujeira), cuja missão era a defesa aérea de Ponta Delgada, ou em alternativa o ataque marítimo. A complementar todas as quatro baterias referidas, existiria ainda material de campanha, com rodados, como as peças de 7,5 cm modelo 1931 estacionadas em Ponta Delgada, os obuses R 10,5/28 modelo 1941 e as peças de tiro rápido 7,5 cm modelo 1917, estas duas últimas com a missão de complementarem a bateria da Castanheira quer a norte como a Sul da ilha.

4-pecas-4-copy

5-pecas-5-copy

6pecas-2-copy
Inserida no designado Sector Central, a Bateria da Castanheira pertencia a um conjunto militar preparado para dar cumprimento à principal missão da defesa da ilha: obstar a qualquer desembarque inimigo, mantendo a todo o custo a posse de Ponta Delgada. Complementada a defesa com recurso a outras Armas como a Infantaria para o caso de desembarque de tropas inimigas, o uso das Krupp de 15 cm para a defesa da zona norte do seu sector seria feito, recorrendo-se para tal de postos de observação nesta área, que serviriam de “olhos” à bateria.
A bateria de Costa 15 cm CTR m/897 (Costa-Tiro-Rápido, modelo de 1897), é constituída por um complexo subterrâneo(6) que apoia três peças Krupp de 1897, actualmente com mais de 108 anos de serviço e instaladas na colina da Castanheira em 1940(7). Todo o material bélico foi desembarcado do vapor Carvalho Araújo em Ponta Delgada a 4 de Julho de 1940, sob a coordenação do já referido General Ernesto Machado, presidente das três comissões técnicas criadas para o estudo e construção das baterias nas ilhas dos Açores (2) e Madeira (1). Todos os estudos haviam sido efectuados aquando da sua primeira viagem e respectivas comissões às ilhas, entre 8 de Novembro de 1939 e 5 de Janeiro de 1940, sendo o tempo que intercalou as duas viagens para trabalho de gabinete.
Uma vez aprovados os projectos pelo Ministro de Guerra e subsecretário de Estado e o material desembarcado nos seus destinos, a maior problemática passava por questões de delongas burocráticas e por não haver um encarregado da construção definitiva das obras de fortificação. Igualmente não se decidira o regime de administração e direcção, pelo que as obras se realizavam com a rapidez possível sob os olhares dos Oficiais de Engenharia Militar, empregando um grande número de operários não só militares como civis. Será de referir que nestas obras de fortificação realizadas nos Açores, cuja total dimensão ainda não é bem conhecida, se investiram enormes quantias para a época, espelhando-se nas sociedades em redor. Para se ter a noção da celeridade e urgência na defesa dos Açores durante a II Guerra Mundial, bastará lembrar a determinação do General Aníbal de Passos e Sousa (comandante militar dos Açores em 1942) em intimar sob pena de desobediência à autoridade militar as câmaras Municipais de Ponta Delgada, Ribeira Grande, Lagoa e Vila Franca do Campo, a suspensão de todas as obras em curso, tanto oficiais como particulares, de modo a que todos os operários se apresentassem em obras militares sob a pena de detenção.

Esta interessante foto mostra não só a camuflagem da estrutura de protecção da peça como as silhuetas de navios inimigos nela pintadas para ajudar à identificação. Assim se evitava à época atingir alvos amigos.

Esta interessante foto mostra não só a camuflagem da estrutura de protecção da peça como as silhuetas de navios inimigos nela pintadas para ajudar à identificação. Assim se evitava à época atingir alvos amigos.

Viga do Posto de Controlo de Tiro

Viga do Posto de Controlo de Tiro

O interior, corredor de acesso às camaratas (à direita) e aos paiolins (à esquerda)

O interior, corredor de acesso às camaratas (à direita) e aos paiolins (à esquerda)

No caso da bateria da Castanheira, as obras fundamentais de fortificação prolongar-se-iam até finais de 1943, iniciando-se depois uma série de acabamentos, assim como as obras de maior envergadura no que toca à zona de aquartelamento (vulgo quartel da Grotinha). Parte dos materiais era enviado do continente, tornado o processo, logística e burocraticamente mais moroso do que os adquiridos no mercado local.
Finalmente a 26 de Julho de 1940, seria dada ao CMA a total e indispensável liberdade na execução das obras, ficando integralmente responsável pelas mesmas. Foram publicados decretos a isentar as obras de praxes legais e os fundos seriam enviados conforme solicitação do Comando. Não viria nenhum empreiteiro do continente, podendo as obras ser por adjudicação directa a empreiteiros locais quando conveniente, devendo o mercado local ser explorado enquanto zona de recursos materiais.
Pela parte do Brigadeiro Ernesto Machado, tudo se enquadrava no pretendido. Pela parte do subsecretário de Estado, todas as verbas foram facilitadas de tal forma que as peças ficaram instaladas em Setembro de 1940 sendo testadas a 15 de Outubro do mesmo ano, com bons resultados. Promovido ao posto de General, Ernesto Machado retirou-se dos Açores em finais do Verão de 1940 com a certeza que a sua obra havia deixado os Açores e neste caso, Ponta Delgada em condições de responder eficazmente a fogo inimigo, sensação partilhada e manifestada pela própria população (8).

Saída de emergência vista do interior.

Saída de emergência vista do interior.

O "quartel da Grotinha" que integrava a bateria e hoje se encontra abandonado

O "quartel da Grotinha" que integrava a bateria e hoje se encontra abandonado

Pela sua dimensão e pelo facto de ter dois complexos de infra-estruturas separados, torna-se difícil datar com exactidão o fim das obras. Contudo, à semelhança do que já foi dito, parte da bateria terá ficado completa, provavelmente até 1943, uma vez que o plano de renovação da camuflagem (definitivo) é datado deste ano. Consistia no disfarce de toda a zona da bateria num terreno aparentemente de pastagem, ao qual estaria associado duas pequenas casas, uma tenda e um pequeno palheiro. O seu disfarce prolongou-se de 1942 a 1944, embora tenha arrancado de forma provisória logo após a instalação das peças em 1940, sendo paulatinamente renovado (9).
Terminada II Guerra Mundial, não é bem conhecida a sua operacionalidade até 1969, ano em que pela última vez se executaram fogos reais. Sabe-se que para além de vários disparos de exercício ao longo dos vinte e nove anos de vida útil da bateria, que a 31 de Janeiro de 1944, perto da mesma se constatou a existência de uma aeronave desconhecida e que se registam quatro detonações de Artilharia.
Na década de 1970, o Esquadrão de Lanceiros de Ponta Delgada sediou-se na zona de aquartelamento (até 18 de Abril de 1994), verificando-se então algumas obras ao nível de messes, cozinhas e refeitórios. Após a sua saída, a bateria entrou num lento processo de degradação que, a juntar-se a outros factores tais como o crescimento da cidade de Ponta Delgada ou a inovação tecnológica, a condenaram a um longo esquecimento. Em 1989, ainda se investia financeiramente nas suas instalações mas a sua eficácia e operacionalidade já era altamente duvidosa em virtude do obsoletismo das peças. Relatórios datados da época mencionam a necessidade de reparações diversas, profundas, difíceis e de grande demora. Após uma série de anos de descuido (e desprovimento de munições), ninguém se atrevia a utiliza-la por falta de confiança no seu comportamento, resultado das profundas deficiências ao nível de ligações elásticas e aparelhos de pontaria, entre outros aspectos. Embora o Grupo de Artilharia de Guarnição n.º1 (sediado em Belém, Ponta Delgada) ainda continuasse a formar e a receber pessoal da especialidade, mantendo uma pequena guarnição no local, os fogos reais eram realizados no continente e o investimento a realizar na sua modernização, colocado fora de parte. Numa época em que já se debatia a necessidade ou não de artilharia de costa do tipo canhão, a sua antiguidade e os problemas daí inerentes (como a aquisição de objectivos a todo o tempo e o seu fraco poder de fogo) colocavam-na em situação muito precária face ao material moderno. Outro problema havia-se entretanto levantado: a servidão militar, que condicionava de forma grave o desenvolvimento da cidade de Ponta Delgada. Acabaria por ser paulatinamente levantada de acordo com a expansão urbana e em resultado da sua desactivação.
Em conclusão, a bateria da Castanheira foi construída num contexto extremamente complexo que, inevitavelmente, poderia ter tido um outro desfecho para as ilhas, caso na sua construção não se tivesse investido. Os alemães tiveram conhecimento que um Brigadeiro português se encontrava investido de tal tarefa e os Estados Unidos, bem como a Inglaterra, tinham a perfeita noção que as ilhas não seriam tomadas sem resistência ou elevadas perdas para o invasor(10). No caso de Ponta Delgada, a defesa planeada para a ilha previa que a cidade não fosse tomada, a todo o custo, independentemente da forma como o ataque fosse efectuado.
A sua construção, seria como que a primeira linha da difícil prova de fogo que existiria em caso de invasão. Seria em questões de defesa terrestre o inicio de toda uma resistência programada para ser feita tanto ao nível da defesa de costa, como nos prováveis alvos no caso de ataques aéreos. Apesar das grandes decisões que rectificaram a História actual açoriana terem sido políticas e diplomáticas, a bateria da Castanheira existiu para dar segurança e tranquilidade à população da maior cidade dos Açores e, por outro lado, para manter a neutralidade em todas as direcções, numa fase da guerra em que a importância geo-estratégica dos Açores se realçava, não só pela posse da terra mas, acima de tudo, como possível zona de escala no Atlântico, factor que ainda actualmente se mantém (embora com outra importância) e indissociável da sua História.
Seria então o porto de Ponta Delgada e as suas reservas de combustíveis um factor a defender a todo o custo, bem como o campo de aviação em Santana, alvo de interesse pelo seu potencial enquanto zona de apoio logístico. Uma vez terminada a guerra, a bateria acabaria por ser condenada a um progressivo esquecimento, chegando-nos à fase actual de abandono. Resta então agora procurar dar-lhe uma nova missão, embora já em prol da aproximação dos povos e no desenvolvimento da cidade que outrora protegeu, possivelmente transformada em núcleo museológico do Museu Militar dos Açores e miradouro da cidade de Ponta Delgada.

As peças Krup 15cm 1897 permanecem na Castanheira e talvez seja possível vir ainda a dar-lhes uma última utilização de carácter cultural e lúdico...

As peças Krup 15cm 1897 permanecem na Castanheira e talvez seja possível vir ainda a dar-lhes uma última utilização de carácter cultural e lúdico...

...permitindo a divulgação da história militar ou o simples desfrutar da paisagem...

...permitindo a divulgação da história militar ou o simples desfrutar da paisagem...

...quer urbana quer rural, vendo Ponta Delgada de um ângulo que já foi secreto.

...quer urbana quer rural, vendo Ponta Delgada de um ângulo que já foi secreto.

(1) Esta questão é particularmente analisada por António José Telo na sua obra Os Açores e o controlo do Atlântico, capítulo VII (Os Açores e as Hesitações na Península).
(2) General Ernesto Machado, “III- Perigo de Guerra eminente. O arquipélago pode ser atacado a todo o momento”, Recordando nas duas Grandes Guerras, 1959, p. 129.
(3) O embaixador português em Espanha em 1940, Dr. Pedro Teotónio Pereira, foi informado por um trio germanófilo, do qual se destaca o embaixador alemão em Madrid barão Von Stohrer, que Portugal só teria a temer um ataque alemão se continuasse aliado da Grã-Bretanha. A legação Alemã em Lisboa, também recebeu instruções sobre a vantagem em desunir os antigos aliados.
(4) Machado, Ibidem, p. 128; 174 e 175.
(5) Bataria ou Bateria: de forma simples designa um conjunto de bocas de fogo (também designadas com peças de artilharia, vulgo canhões).
(6) Usualmente conhecidos por “bunker”, terminologia da língua inglesa para este tipo de construção.
(7) A Horta teria igualmente uma unidade similar, no monte da Espalamaca.
(8) À despedida, foi por pouco que não se defrontou com uma população e entidades oficiais, bem como sindicatos e associações a manifestarem-se ruidosamente em tom de festa pelas medidas por ele incrementadas, embora por ordem do Governo.
(9) No que concerne às peças, em 1942 modificava-se a camuflagem de uma das peças e refere-se que as restantes duas aguardavam vez.
(10) Franklin Roosevelt foi advertido pelo seu Estado-maior que «o ataque não poderia fazer-se sem perigo de importantes perdas para a Marinha Americana» (1941), numa fase em que já se treinavam tropas para ocupar os Açores (Machado, Ibidem, p. 178). Por sua vez, o Estado-maior Inglês mantinha de prevenção milhares de homens para uma ocupação fulminante José Freire Antunes, Roosevelt, Churchill e Salazar- A luta pelos Açores 1941- 1945, Ediclube, 1995, p. 66.

Outros artigos onde se fala de Artilharia de Costa no Operacional:

NO FORTE DO BOM SUCESSO

OS ÚLTIMOS DISPAROS DO “MURO DO ATLÂNTICO” PORTUGUÊS

"Tagged" como: , , , , , , , , , ,

Comentários não disponíveis.