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AFEGANISTÃO, ESPÓLIO MUSEOLÓGICO DA AERONÁUTICA MILITAR

Por • 15 Fev , 2016 • Categoria: 14.TURISMO MILITAR, EM DESTAQUE Print Print

Os militares portugueses em missões um pouco por todo o mundo deparam-se com acontecimentos, pessoas, locais, que naturalmente fogem ao comum dos seus concidadãos. A maioria guarda-os na memória, alguns partilham fragmentos nas redes sociais, o nosso colaborador Paulo Gonçalves, tenente-coronel da Força Aérea Portuguesa que serviu na missão das Nações Unidas no Afeganistão, decidiu partilhar aqui uma dessas curiosidades que poucos conhecem.

Sukhoi SU 7BKL. Foram produzidos 1.847 aviões deste tipo em várias versões na antiga URSS, serviram desde o inicio dos anos 60 até aos 90 do século XX em 10 países, um deles o Afeganistão, que terá recebido cerca de 60.

Sukhoi SU 7BKL. Foram produzidos 1.847 aviões deste tipo em várias versões na antiga URSS, serviram desde o inicio dos anos 60 até aos 90 do século XX em 10 países, um deles o Afeganistão, que terá recebido cerca de 60.

Quando um viajante chega a Cabul em avião comercial, ao sair do aeroporto depara-se com um monumento que prende a atenção. Trata-se a um caça supersónico Sukhoi 17, em atitude de descolagem, colocado na rotunda de acesso ao terminal civil. Para se entrar com o carro no trânsito local, quase que se tem de passar por debaixo da asa direita do avião, estendida na sua máxima amplitude pelo sistema de geometria variável. Um espetáculo!

No meio de um tráfego infernal e ameaças de ataques suicidas, o Sukhoi 17 relembra os visitantes que o Afeganistão já teve um poder aéreo respeitável.

No meio de um tráfego infernal e ameaças de ataques suicidas, o Sukhoi 17 relembra os visitantes que o Afeganistão já teve um poder aéreo respeitável.

Qualquer pessoa mais atenta é levada a questionar-se:

– “Como teria sido a Força Aérea do Afeganistão, antes do País entrar na situação em que se encontra?”

O próprio aeroporto está cheio de recordações desses tempos gloriosos. Longe dos olhares dos curiosos, e debaixo de uma apertada vigilância, as áreas militares da infraestrutura aeronáutica têm grandes quantidades de material e aviões abandonados. Alguns dos equipamentos ainda estão nas caixas, semidestruídas, originais de fábrica, com as capsulas plásticas protetoras colocadas nas tubagens de admissão. A guerra com os taliban parou tudo e todos no tempo, e aqueles equipamentos nunca chegaram a ser usados.

Mas quando se discute o assunto com os afegãos, a nossa curiosidade sobre a história aeronáutica deste País aumenta consideravelmente. Ficamos a saber que a Força Aérea Afegã (FAA), além de ter disposto em tempos de centenas de aviões, “produziu” um cosmonauta que operou na estação espacial Soviética – MIR. Os afegãos alegam ainda, que a língua Pashtun foi a quarta língua falada no espaço. Efectivamente, o coronel Abdul Ahad Momand, piloto de caça da FAA, em 1988, fez parte de uma tripulação Soiuz 7K de três cosmonautas soviéticos e, quando estavam a bordo da estação espacial MIR, falou via rádio, em Pasthun, com o presidente afegão e com sua mãe. Na altura, o coronel Momand não se apercebeu da relevância da ocasião, mas acabava de fazer com que o Pashtun fosse a quarta língua falada a partir do espaço, depois do russo, do inglês e do chinês.

O cosmonauta afegão - Coronel Abdul Ahad Momand - motivo de orgulho aeroespacial Afegão (foto colecção Paulo Gonçalves)

O cosmonauta afegão – coronel Abdul Ahad Momand – motivo de orgulho aeroespacial afegão (foto colecção Paulo Gonçalves)

Depois de muito viajar pelo país e perguntar sobre o assunto, fui finalmente informado onde estaria o Santo Gral da história aeronáutica afegã. Num jardim privado e murado, em plena capital, a sul do rio Cabul e paredes meias com o estádio de futebol onde os taliban as execuções públicas. O local não é difícil de se encontrar, contudo, por justificadas razões de segurança, os militares da OTAN estão proibidos de frequentar aquelas paragens. Valeu-me estar ao serviço das Nações Unidas, fora das restrições e regras de empenhamento da OTAN, e ter um carro blindado distribuído.

Atualmente, o espólio museológico da aeronáutica militar afegã está em poder de uma organização não-governamental (NGO), dedicada à desminagem do Afeganistão, denominada OMAR (Organisation for Mine Clearence & Afghan Rehabilitation).

Segundo apurei, durante as sucessivas guerras que há décadas vêm assolando o Afeganistão, foram colocadas no país cerca de 30 milhões de minas, do mais variado tipo e origem. Várias organizações, como a OMAR, têm recebido apoio internacional para a desminagem do território. Durante esta actividade, muitas vezes são recolhidos artefactos militares dignos de exposição pública. Desta forma, a OMAR decidiu fazer o seu próprio museu privativo, com todo o tipo de artefactos militares que encontra nas zonas minadas. Vai daí, englobaram coleção aeronaves e mísseis da Força Aérea Afegã, que de alguma forma estavam ao seu alcance.

Após ultrapassar os altos portões, o visitante depara-se com o imponente edifício sede da NGO OMAR.

Após ultrapassar os altos portões, o visitante depara-se com o imponente edifício sede da NGO OMAR.

Perde-se na tradução, de dari para inglês, a razão e forma como aquelas aeronaves apareceram no local. Não existe uma catalogação coerente, desconhecendo-se de onde vieram. Só se sabe que eram da Força Aérea Afegã e estavam em zonas minadas. Compreensivelmente, não é permitido ao grande público visitar o museu, devido ao elevado grau de ameaça e à pouca capacidade de resposta, na segurança do perímetro do museu ao ar livre. Ou seja, existe uma interessante coleção de aeronaves, e outros equipamentos militares, que estão ali para exclusivo deleite dos elementos da OMAR e seus distintos visitantes particulares.

O autor junto a um Yakovlev 11. O Yakovlev Yak-11 foi construído na URSS, serviu entre 1947 e 1960 e o Afeganistão terá recebido cerca de 15 destas aeronaves ainda nos anos 50 e que se mantiveram a voar até 1990. Mais de 20 países usam versões deste avião.

O autor junto a um Yakovlev 11. O Yakovlev Yak-11 foi construído na URSS, serviu entre 1947 e 1960 e o Afeganistão terá recebido cerca de 15 destas aeronaves ainda nos anos 50 e que se mantiveram a voar até 1990. Mais de 20 países usaram versões deste avião.

Em contrapartida, zelosos da boa apresentação do seu jardim, enriquecido com a sua colecção de aviões privativa, a OMAR têm vindo a dar alguma manutenção às peças e, acima de tudo, a evitar que estas desapareçam na voracidade do contrabando, e da corrupção que caracteriza a sociedade afegã. Como o leitor poderá ver nas imagens, nem sempre a manutenção é a mais correta e os puristas ficarão ofendidos com certas pinturas que as aeronaves ostentam. Mas a tinta e o clima seco afegão evitam a corrosão e os estragos do sol, preservando as peças para futuro restauro.

Este local como se percebe bem pela foto não é exactamente um museu. Aqui temos um escritório "embarcado" num MI 8.

Este local como se percebe bem pela foto não é exactamente um museu. Aqui temos um escritório “embarcado” num MI 8.

Espalhados por vários aeródromos afegãos, há ainda muito material de elevado valor museológico, como por exemplo, um MIG 15 abandonado perto da pista de Mazar-e-Sharif, ou os restos de um FIAT CR 42 Falco (caça biplano) expostos na Embaixada de Itália, em Cabul. Acrescenta-se à equação o poder aéreo que a OTAN trouxe à região. É também digno de “arqueologia aeronáutica” fazer-se o levantamento das cerca de 200 aeronaves que, só nos últimos dez anos, caíram no Afeganistão devido a avaria técnica, ou a fogo hostil dos taliban.

Talvez um dia o Afeganistão saia da crise em que está mergulhado, consiga restaurar a sua história aeronáutica, e abra as portas das colecções a todos os visitantes amantes da aviação.

Fabricado na antiga Checoslováquia, o Aero Vodochody L-39 Albatros, foi um avião de treino que também serviu por estas paragens. Cerca de 2.800 destes aviões foram vendidos pelo fabricante para mais de 30 países. O Afeganistão terá recebido 5.

Fabricado na antiga Checoslováquia, o Aero Vodochody L-39 Albatros, foi um avião de treino que também serviu por estas paragens. Cerca de 2.800 destes aviões foram vendidos pelo fabricante para mais de 30 países. O Afeganistão terá recebido 5.

Albatros e Yak 11

Albatros e Yak 11

O MI 8 fabricado na antiga URSS é um dos mais conhecidos helicópteros do mundo. Mais de 50 países o usaram ou usam, e terão diso produzidos desde os anos 60 até à actualidade - várias versões - cerca de 17.000 e a produção continua. No Afeganistão versões mais recentes continuam em serviço.

O MI 8 fabricado na antiga URSS é um dos mais conhecidos helicópteros do mundo. Mais de 50 países o usaram ou usam, e terão sido produzidos desde os anos 60 até à actualidade – várias versões – cerca de 17.000. No Afeganistão versões mais recentes deste helicóptero de carga que pode ser armado, continuam em serviço.

O MIG 17 fabricado na URSS nos anos 50 e depois em vários países seus aliados, serviu em mais de 40 países, estando ainda a voar em 4 ou 5! O Afeganistão terá adquirido cerca de 100 destes caças.

O MIG 17 fabricado na URSS nos anos 50 e depois em vários países seus aliados, serviu em mais de 40 países, estando ainda a voar em 4 ou 5! O Afeganistão terá adquirido cerca de 100 destes caças.

Foto 012 - MIG 17

 

Sukhoi SU 7 BKL

Sukhoi SU 7 BKL

Este edifício foi ornamentado com uma réplica de um Sukhoi SU 7.

Este edifício foi ornamentado com uma réplica de um Sukhoi SU 7.

Um MIG 21 U-400 bilugar / Treino. Mais de 10.000 aparelhos destes foram produzidos na URSS e em outros países, e serviram (e ainda servem) em cerca de 50 países.

Um MIG 21 U-400 bilugar / Treino. Mais de 10.000 aparelhos destes foram produzidos na URSS e em outros países, e serviram (e ainda servem) em cerca de 50 países. O Afeganistão terá recebido cerca de 160 MIG 21 em várias versões.

Um MIL MI-24, helicópterso de ataque fabricado na URSS e depois na Rússia e ainda ao serviço em muitos países. Terão sido produzidos mais de 2.000 e no Afeganistão serviram helicópteros deste tipo da URSS que depois também forneceu alguns à força Aérea do país.

Um MIL MI-24, helicópterso de ataque fabricado na URSS e depois na Rússia e ainda ao serviço em muitos países. Terão sido produzidos mais de 2.000 e no Afeganistão serviram helicópteros deste tipo da URSS que depois também forneceu alguns à força Aérea do país.

A versão aqui exposta parece ser a MI-24A.

A versão aqui exposta é o MI-24A. As versões mais conhecidas deste helicóptero têm não um “cockpit” mas dois em “tandem” (MI24-D e MI35).  Mais tarde, já depois da intervenção da NATO no país, a Força Aérea local recebeu MI-35 (versão exportação do MI-24) provenientes da República Checa.

Mais um avião da antiga URSS, um Yakovlev Yak-40, jacto de transporte de passageiros produzido a partir dos anos 60 até aos 80 e que ainda se encontra a voar em alguns países.

Mais um avião da antiga URSS, um Yakovlev Yak-40, jacto de transporte de passageiros produzido a partir dos anos 60 até aos 80 e que ainda se encontra a voar em alguns países.

Como se refere no artigo as pinturas de algumas das aeronaves têm mais a ver com o gosto local do que com qualquer factor relativo aos seus tempos a voar!

Como se refere no artigo as pinturas de algumas das aeronaves têm mais a ver com o gosto local do que com qualquer factor relativo aos seus tempos a voar!

Armamento improvisado e outro "regulamentar", de tudo se pode ver no "museu", reflexo do que foi usado nas guerras que assolaram e assolaram este país desde os anos 70 do século XX até à actualidade.

Armamento improvisado e outro “regulamentar”, de tudo se pode ver no “museu”, reflexo do que foi usado nas guerras que assolaram e assolaram este país desde os anos 70 do século XX até à actualidade.

O acesso ao Yakovlev 40.

A rampa de acesso ao compartimento dos passageiros do Yakovlev 40, teve que ser “completada” com uma escadaria em alvenaria uma vez que o avião foi colocado “no ar”.

Um míssil "terra-terra" SCUD. Fornecidos pela URSS depois da sua retirada (1989) terão sido usados - com conselheiros soviéticos, até 1992- cerca de 2.000 o que é um número impressionante. Antes da tomada do poder pelos Talibans (1996), alguns senhores da guerra rivais usaram-nos, mas em números substancialmente menores. Os últimos "sobreviventes" terão sido destruídos pelos americanos em 2005.

Um míssil “terra-terra” SCUD. Fornecidos pela URSS depois da sua retirada (1989) terão sido usados – com conselheiros soviéticos, até 1992- cerca de 2.000 o que é um número impressionante. Antes da tomada do poder pelos Talibans (1996), alguns senhores da guerra rivais usaram-nos, mas em números substancialmente menores. Os últimos “sobreviventes” terão sido destruídos pelos americanos em 2005.

Mísseis "terra-ar".

Mísseis “terra-ar”.

Pode ser que no futuro estas armas anti-aéreas (e outras), possa vir a ser recuperadas e expostas.

Pode ser que no futuro estas armas anti-aéreas (e outras), possa vir a ser recuperadas e expostas.

Capacetes variados fazem parte da colecção recolhida pelos elementos desta ONG.

Capacetes variados fazem parte da colecção recolhida pelos elementos desta ONG.

Missil anti-carro AT-1 "SNAPPER"

Míssil anti-carro, filo-guiado 3M6 Shmel (designação NATO AT-1 “SNAPPER”), de fabrico soviético (como os seguintes, AT-2 e AT-3). Podia ser empregue a partir de helicópteros ou viaturas.

O AT 2 "SWATTER", míssil anti-carro que podia ser empregue a partir de helicópteros.Guiamento por radio.

O míssil anti-carro 3M11 Fleyta (designação NATO AT-2 “SWATTER”) que podia ser empregue a partir de helicópteros ou de viaturas. Guiamento por radio.

Outra versão do AT 2

Outra versão do AT 2

O míssil filoguiado anti-carro AT-3 "SAGGER", por sinal mal identificado no museu como AT 1 "SNAPPER".

O míssil filo-guiado anti-carro 9M14 Malyutka (AT-3 “SAGGER”, designação NATO, por sinal mal identificado no museu como AT 1 “SNAPPER”), o primeiro verdadeiramente portátil desta série de misseis anti-carro de origem soviética, podendo também ser usado em viaturas e helicópteros. Foi fabricado em vários países e intensamente utilizado em muitos conflitos.Versões recentes ainda hoje estão em serviço.

(Nota: as legendas das fotos são uma responsabilidade partilhada com o Operacional)

 

 

 

 

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