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UCRÂNIA: CIDADÃOS EM ARMAS, SOLUÇÃO OU PROBLEMA?

O conflito na Ucrânia tem algumas singularidades que escapam aos noticiários televisivos e mesmo a abordagens mais detalhas na imprensa. Estamos, também, perante uma guerra de propaganda caindo-se facilmente em classificações apressadas de “bons” e “maus”. Certamente haverá de ambos em ambos os lados! Neste artigo, sintético, abordamos um dos aspectos que nos parece tem passado algo despercebido e que foge muito àquilo que conhecemos nas democracias ocidentais.

Muitas das unidades de cariz voluntário têm também uma vertente politica e financiamento privado. [1]

Muitas das unidades de cariz voluntário têm também uma vertente politica e financiamento privado.

Nota prévia. Este artigo não pretende abordar toda a problemática da guerra na Ucrânia, apenas esta sua vertente em grande parte desconhecida do público em geral. Não se veja aqui portanto qualquer tomada de posição ou favor por uma das partes do conflito.

A decisão de criar os batalhões de voluntários com a finalidade de melhorar a situação de segurança na Ucrânia, poderá ter criado várias unidades de manobra que, carecendo de um comando unificado e de um orçamento próprio, tornarão muito difícil o seu controlo pelas autoridades estatais, e que, em vez de expulsar os separatistas, potencie o alastramento da guerra civil entre forças potencialmente bem armadas.

Uma das características da Revolução Ucraniana, principalmente após o inverno de 2013/14, foi o surgimento de Grupos de Autodefesa na Praça Maidan em Kiev, a capital, formados por elementos vindos um pouco de todo o território.

Com a queda do regime de Yanukovich(*) em Fevereiro de 2014, muitos dos membros dos denominados Grupos de Autodefesa que operavam em Kiev regressaram a casa, no entanto alguns destes elementos regressaram aos seus Oblasts(**) onde desenvolveram localmente outros grupos de autodefesa regional.

Batalhões de Voluntários

Estes grupos, quando registados, operam ao abrigo de uma Lei de 2000 que prevê a participação dos cidadãos na manutenção da ordem pública e na protecção das fronteiras.

O financiamento inicial por parte do Estado permitiu criar 30 Batalhões de Voluntários espalhados por 18 Oblasts mas logo foi solicitado à população contribuições financeiras, em forma de donativo, para a manutenção destas instituições (***).

Desde a primavera de 2014 as autoridades ucranianas têm desenvolvido esforços para integrar estes novos actores de ‘segurança e defesa’ nas estruturas oficiais do país;

Unidades da Guarda Nacional

Em Março de 2014 são reactivadas, na dependência do Ministério da Segurança Interna, as Unidades da Guarda Nacional, tradicionalmente formadas por Reservistas das Forças Armadas. Estas Unidades, que haviam sido extintas Janeiro de 2000 pelo então Presidente Ucraniano na sequência da diminuição dos custos com as Forças Armadas, são agora formadas por milícias e elementos armados conotados com organizações políticas.

Em Abril de 2014 o Ministro da Segurança Interna anunciou uma subdivisão “especial” das Forças do Ministério para responder aos ataques dos separatistas. Este processo iniciou-se nas regiões de Donestsk, Luhansk, Kharkiv, Dnipropetrovsk, Kherson, Mykolaiev e Odessa, estendendo-se posteriormente à zona central e Oeste do território.

Batalhões de Defesa Territorial

Similarmente, em 30 de Abril do mesmo ano, o Ministro da Defesa autorizou os distritos militares a criarem Batalhões de Defesa Territorial para defenderem os locais críticos e para apoio das autoridades regionais ucranianas.

Também estes Batalhões careceram da capacidade dos respectivos distritos militares para serem armados e equipados, bem como da ajuda das populações locais para outros donativos.

Este cenário tem sido propício ao surgimento de Batalhões alinhados com ideologias políticas financiados por oligarcas, maioritariamente nas regiões de Mariupol e Donbas, como é o caso do 24º Batalhão “Aidar” de Luhansk que alinha com a extrema-direita neo-nazi e que, de acordo com a Amnistia Internacional e a OSCE, é conotado com a execução de civis, abuso dos direitos humanos, roubo e variados crimes de guerra.

Corpo Ucraniano de Voluntários

Além dos tipos de Batalhões referidos, em Julho do ano passado a extrema-direita estabeleceu um novo tipo de batalhões denominados de Corpo Ucraniano de Voluntários que se manterão até à restauração da ordem constitucional nos territórios ocupados da Ucrânia. Este corpo de voluntários é frequentemente confundido com Batalhões de Defesa Territorial.

O empenhamento destes vários tipos de batalhões nas áreas reconquistadas pelas Forças Ucranianas para substituir as autoridades policiais que alegadamente manifestaram simpatia pelos separatistas, tem tido uma má recepção das populações locais que os consideram extremistas.

Contrariamente ao que se passa na região de Donbas, estes batalhões são muito populares na Região de Kiev e alguns dos seus comandantes tornaram-se figuras públicas. Estes comandantes têm sido recrutados pelos partidos políticos para fazerem parte das listas candidatas às eleições parlamentares.

Recentes declarações do ministro da defesa ucraniano manifestam o interesse em transferir o controlo das Unidades da Guarda Nacional e das Unidades Especiais de Policia para o Ministério da Defesa e de integrar os Batalhões de Defesa Territorial na estrutura permanente do Exército ucraniano. Estas declarações têm criado polémica e já levaram à realização de manifestações em Kiev contra tal intuito por parte dos próprios elementos integrantes dos batalhões de voluntários, que vêm, com a eventual integração uma redução do soldo, actualmente pago pelos oligarcas, para valores nacionais, que em alguns casos não chegam a um terço do que auferem actualmente.

A decisão de criar os batalhões de voluntários com a finalidade de melhorar a situação de segurança na Ucrânia, poderá ter criado várias unidades de manobra que, carecendo de um comando unificado e de um orçamento próprio, tornarão muito difícil o seu controlo pelas autoridades estatais, e que, em vez de expulsar os separatistas, potencie o alastramento da guerra civil entre forças potencialmente bem armadas. Estas forças, criadas para responder a um problema de segurança, acabarão mais tarde ou mais cedo que ser elas próprias um problema de segurança, com o qual o governo de Kiev terá que lidar, não parecendo haver de momento soluções fáceis e de agrado geral.

 

(*)Víktor Yanukóvytch, Presidente da Ucrânia de 2010 até 22 de Fevereiro de 2014, sendo deposto após meses de intensos protestos populares, e exilando-se na Rússia.

(**) Subdivisão administrativa e territorial em alguns países eslavos e ex-repúblicas soviéticas que pode ser traduzido como área, zona, província ou região. Em Portugal corresponderá grosso-modo a distrito.

(***) A recolha de fundos para ajudar ao esforço de guerra é assumido no site oficial do Ministério da Defesa (Donate Support Ukrainian Army [2])