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RETRATOS DE UMA MISSÃO NA BÓSNIA (V)

Quinto artigo desta série – RETRATOS DE UMA MISSÃO NA BÓSNIA – e, a não ser que o autor se entusiasme e escreva mais, é mesmo o último! José Manuel Araújo, que serviu 25 anos nas tropas pára-quedistas portuguesas, Sargento Pára-quedista desde 1984, integrou a primeira missão portuguesa na Bósnia e Herzegovina em 1996. Aqui fica a sua visão, a dois tempos descritiva mas também cómica, mostrando-nos hoje aspectos “pouco católicos” .

Médico e Capelão eram duas "figuras" do batalhão. [1]

Médico e Capelão eram duas “figuras” do batalhão.

9- ADULTÉRIO

A força portuguesa que integrava a missão IFOR era composta por 900 militares. Sendo que, desses, apenas cerca de 2% seriam do sexo feminino…!
A missão, para o 2BIAT, durou sete meses, ainda que houvesse algum pessoal que tivesse sido substituído antes. Ora sete meses de separação da família e “afins”, de 880 homens jovens, no apogeu da sua virilidade, pode “acumular humores” que, a não serem libertados, são capazes de causar um “stress traumático” que é preciso acautelar…!
Mas essa área, fundamental para a manutenção do moral e bem estar das tropas, não foi precavida, nem sequer pensada… !
E, mais uma vez se apelou à famosa arte portuguesa do desenrascanço, para evitar a “condenação”, a sete meses de abstinência, de um elevado número de “machos latinos”…! Claro que nem todos eram afectados, havia pelo menos um, o capelão, que, por “imposição profissional”, não estaria sujeito a “certos calores”…! Os outros, cada um à sua maneira, foram encontrando soluções…
Houve, naturalmente a grande maioria, quem fizesse jus à canção “mão querida”, celebre êxito da Orxestra Pitagórica…Houve também quem, previdente, levasse uma parceira insuflável, adquirida num qualquer sex shop…!
E houve quem arranjasse namorada, o que não era difícil, num país a sair de uma guerra onde, tal como em todas as guerras, os homens jovens são, geralmente, as principais vítimas, e donde as mulheres jovens querem fugir…
Ao fim do primeiro mês de missão era já natural a convivência com a população e a frequência dos estabelecimentos locais. Situação que era transversal a todas as classes, sendo que, naturalmente, os Oficiais e Sargentos tinham mais oportunidades de sair dos aquartelamentos, o que até originou que houvesse quem ganhasse alcunhas, “temporárias”, adequadas à sua vivência noctívaga…!
No final da missão algumas das namorados de ocasião acabariam por conseguir o seu desiderato e serem “exportadas” para Portugal…
O sexo era, por vezes, tema de conversa e notava-se que havia alguns mais afectados pela “ausência”… Bastava ver os olhares quando aparecia no aquartelamento alguma representante do belo sexo…!
O médico, que prestava serviço em Rogatica, era um dos denotava estar a sofrer com a abstinência. Pelo menos na opinião do Sargento de Reabastecimento que, sendo uma “alma caridosa” e empenhada em contribuir para o bem estar do pessoal do aquartelamento, resolveu tentar amenizar as “saudades” que afectavam o clínico. Assim, um certo dia, aproveitando a hora do jantar, colocou no saco cama do médico, uma boneca insuflável, obviamente insuflada……….!
Claro que isso só seria possível acontecer com a conivência, ainda que passiva, do companheiro de quarto do clínico, nada mais nada menos que o capelão. Ainda que isso implicasse ter existido a mais improvável das alianças, o servo de Deus e o ateu-mor…!!!
Depois do jantar e do café e de ter terminado a normal convivência no bar, o médico recolheu aos seus aposentos… Preparava-se para se deitar quando viu que o seu leito estava ocupado e….!
O depois será sempre uma incógnita…
Porque a boneca permaneceu muda e queda…!
Porque o médico nada disse sobre a matéria….!
E porque o padre, se viu ou ouviu alguma coisa, estava proibido de o contar pela deontologia profissional…!
Assim nunca se soube se o putativo “adultério” foi consumado….Mas o retratista de serviço, na sua peculiar maneira, registou o facto para a posteridade…!

Araújo Bósnia Médico e Senhora [2]

10 – O CAMPEÃO

Perspectivar uma missão na Bósnia a durar mais de 6 meses, torna consequente levar, para além dos meios operacionais necessários, também os que dão algum conforto e os que podem permitir alguns momentos de lazer, porque, obviamente, teria que haver momentos para descontrair…!
Em todos os aquartelamentos existentes foi montado um espaço que funcionava como bar e área de lazer. Como bons e previdentes portugueses, foram os militares bem “municiados” de cartas de jogar. Afinal, quem é o português que não gosta de jogar uma “sueca”…!
No bar de Rogatica, para além das cartas de jogar, existiam também tabuleiros de xadrez, não porque os militares do 2BIAT fossem muito dedicados a “jogos de inteligência”, apesar de haver quem jogasse xadrez, mas porque havia muitos à venda na Bósnia e foram sendo comprados para trazer no regresso, como lembrança…!
Com os tabuleiro de xadrez e com cápsulas de garrafas foi fácil criar um tabuleiro para jogar damas clássicas, que sempre é um jogo, aparentemente, mais fácil de jogar e de que a maioria tem conhecimento de como se mexem as pedras….!
Um dia estava o Sargento de Reabastecimento no bar, a mexer nas pedras do tabuleiro, quando se abeirou um dos cabos condutores do Comando e o desafiou para jogar Damas. Mas foi mais além no desafio propondo que o resultado do mesmo valesse o lanche…!
O Sargento, que até tinha algum conhecimento teórico do jogo, achou que o cabo estava a ser temerário e aceitou o desafio…
Jogaram a primeira partida, o Sargento ganhou e ficou sem dúvidas da capacidade damista do cabo e propôs:
– Vai ser assim. Cada partida que ganhes vale por dois para ti. Cada partida que empates é uma vitória para ti. Acaba aos dez e vale o lanche…!
O Cabo, que não tinha ficado convencido com a derrota na primeira partida e se achava um “bom jogador”, achou a proposta irrecusável (afinal bastava-lhe empatar as partidas…!) e começaram o jogo.
O Sargento ganhou a primeira partida, bem como a segunda, venceu também a terceira e assim sucessivamente até à nona, que foi a última que jogaram, porque, nessa altura, o Cabo desistiu…!
No bar havia sempre bebidas e, por vezes, algo para petiscar e o Sargento achou tinha que haver “lanche”, pelo atrevimento do cabo em o desafiar. No decorrer da degustação do lanche o Cabo foi dizendo que, afinal, nas damas dava um jeito mas que o jogo que ele jogava mesmo bem era pingue-pongue…!
Ora aconteceu que, passado algum tempo, apareceu em Rogatica uma mesa de ténis de mesa, que tinha sido encontrada numa patrulha. Era velha e faltava-lhe a rede com os suportes mas, com a rede de um saco de batatas, uns arames e a portuguesíssima capacidade de desenrascar, ficou em condições de permitir que se jogasse.
No segundo dia em que a mesa funcionou, o Sargento de Reabastecimento encontrou o Cabo, que afirmara ser grande jogador de Ténis de Mesa, a jogar com um soldado.
Quando viu o Sargento o Cabo logo o desafiou para jogar.
O Sargento, que tinha visto a “técnica” do Cabo enquanto batia bolas com o soldado, pegou na raquete, que o soldado entretanto pousara e foi jogar, com um ar de riso…!
Na altura jogava-se a terminar aos vinte e um e era da praxe dizer-se que, quem não fizesse onze pontos, levava “capote”…!
Fizeram cinco jogos e o Cabo nunca passou dos seis pontos e, consequentemente, levou cinco “capotes”…!
Terminado o jogo o Cabo afinal confessou que o ténis de mesa não era o seu jogo de eleição…
Ele campeão… era a jogar bilhar……..!!!
Infelizmente nunca apareceu uma mesa de bilhar, no aquartelamento e o cabo não teve oportunidade de demonstrar todos os seus dotes de bilharista e vingar-se do Sargento…
Mas quem conhecia o Sargento e já o tinha visto jogar bilhar, não tinha dúvidas que, se acontecesse essa confronto, iria acontecer um verdadeiro “massacre”………….!!!
José Manuel Araújo

Leia aqui os quatro artigos anteriores desta série:
RETRATOS DE UMA MISSÃO NA BÓSNIA (I) 1 – INTRODUÇÃO; 2 – A CEIA DO COMANDANTE [3]

RETRATOS DE UMA MISSÃO NA BÓSNIA (II) 3 – OS SEMÁFOROS DE SARAJEVO; 4 – ALBERTO O CONCERTISTA [4]

RETRATOS DE UMA MISSÃO NA BÓSNIA (III): 5 – A MONDA DOS DENTES; 6 – O QUEIJO DA SERRA [5]

RETRATOS DE UMA MISSÃO NA BÓSNIA (IV): 7 – O ATEU-MOR; 8 – O WHISKY ITALIANO [6]