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O DESTACAMENTO DE ACÇÕES ESPECIAIS

Recuperamos hoje mais um artigo publicado na imprensa especializada internacional e que tem 20 anos. Pareceu-nos adequado neste ano de 2015 em que o Destacamento de Acções Especiais vai assinalar o trigésimo aniversário da sua criação. É um mergulho no tempo e no caminho percorrido por esta unidade de operações especiais da Marinha Portuguesa, aquilo que propomos em mais este texto inserido na categoria “Ontem foi notícia – Hoje é história”.

Elemento do DAE armado com a Colt M-203 e equipado para mergulho em "circuito fechado" LAR-V. A arma tem calibre 5,56 mm e o lança granadas 40mm. [1]

Elemento do DAE armado com a Colt M-203 e equipado para mergulho em “circuito fechado” LAR-V. A espingarda tem calibre 5,56 mm e o lança granadas 40mm.

A cerca de 20m de profundidade, um submarino da classe «Albacora» [2] da Marinha Portuguesa navega silenciosamente em águas nacionais. A uma milha do porto de pesca de Sesimbra, 40 km a sul de Lisboa, emerge. Oito homens saem rapidamente para o exterior e ficam sobre a ponte. O submarino mete os motores em “marcha a ré” e os “passageiros” deixam-se escorregar para o oceano, nadando silenciosamente para terra enquanto o submarino mergulha de novo nas águas do Atlântico. Assim tem início um exercício do Destacamento de Acções Especiais (DAE) do Corpo de Fuzileiros da Marinha Portuguesa [3]. No interior do submarino os elementos do DAE equiparam-se, com alguma dificuldade porque o espaço não abunda, olharam uma última vez para a planta do porto de pesca e para os croquis elaborados durante o planeamento, confirmam azimutes de navegação, tempos de imersão, e, muito importante aqui, as profundidades de navegação. «A actividade de pesca em Sesimbra é elevada e há sempre embarcações a entrar e a sair do porto, assim sendo vamos sempre imersos a nunca menos de 6m de profundidade, até chegar junto ao molhe», diz-nos o 1.º tenente Lourenço, comandante do DAE e conclui, «sabemos bem que as embarcações de pesca não têm mais de 2m de calado mas há sempre a possibilidade de aparecer um iate de turismo, os quais têm quilhas bem maiores».

O então comandante do DAE, 1.º Tenente Jorge Lourenço, faz o briefing alusivo ao exercício que se iria seguir. [4]

O então comandante do DAE, 1.º Tenente Jorge Lourenço, faz o briefing alusivo ao exercício que se iria seguir. Nas suas explicações sobre o mergulho de combate a que assistiríamos houve sempre o cuidado de clarificar bem a missão do DAE para não interferir com a dos mergulhadores da Marinha e evitar mal-entendidos internos.

Apresentação daquilo que era em 1994 o equipamento do DAE para missões de mergulho de combate. Fato neoprene, máscara, barbatanas, equipamento de "circuito fechado" Drager LAR-V, placa de navegação e saco estanque para armamento, explosivos, rações de combate, e equipamento. [5]

Apresentação daquilo que era em 1994 o equipamento do DAE para missões de mergulho de combate. Fato neoprene, máscara, barbatanas, equipamento de “circuito fechado” Drager LAR-V, placa de navegação e saco estanque para armamento, explosivos, rações de combate, e equipamento.

A arma, regra geral, quando se usa este tipo de equipamento de mergulho, é sempre transportada no saco estanque e só é retirada na chegada a terra. [6]

A arma, regra geral, quando se usa este tipo de equipamento de mergulho, é transportada no saco estanque e só é retirada na chegada a terra.

Zebros e Skua

Este destacamento exclusivamente dedicado a efectuar operações especiais em meio anfíbio, foi oficialmente criado em 1985. Constitui a mais pequena e certamente a menos conhecida unidade de operações especiais das forças armadas portuguesas. Durante este exercício a aproximação ao molhe do porto de Sesimbra prolongou-se por cerca de uma hora. Os mergulhadores, navegando em equipas de dois ligados por um cabo de nylon, destinado manter as distâncias e evitar separação involuntária. Em imersão aquele que transporta a placa com a bússola e profundímetro é o responsável pelo ataque e o que o segue está encarregue da observação – para prevenir obstáculos – e de controlar o tempo. Estas técnicas de mergulho são ensinadas na Escola de Mergulhadores da Marinha [7]. Esta escola (juntamente com os destacamentos de mergulhadores sapadores), limita no entanto a instrução ao meio aquático. Ou seja, tudo o que diz respeito a esta actividade do mergulho de combate desde que não seja em terra. Os elementos do DAE pelo contrário, operam quer no meio aquático que em terra, mesmo em profundidade no meio terrestre, operando a partir da água ou do ar (helicópteros). Os «comandos» do DAE transportam no interior dos seus sacos estanques, não só o seu fardamento camuflado como o demais equipamento de combate. Se for necessário também têm disponíveis sacos colectivos para transporte de armas ou material. O DAE está equipado com sistemas de mergulho em circuito fechado «Drager» que permite nadar a cerca de 10m de profundidade durante 3 horas.

Preparação para o mergulho em Sesimbra. Para este exercício que fotografamos o uso do submarino era teórico, embora naturalmente o DAE o tenha feito muitas vezes.  [8]

Preparação para o mergulho em Sesimbra. Para este exercício que fotografamos o uso do submarino era teórico, embora naturalmente o DAE o tenha feito muitas vezes.

Entrada [9]

Entrada na água de um binómio, distinguindo-se o cabo de nylon que os une durante a navegação.

Nestes tempos as placas onde se inseriam os instrumentos de navegação eram manufacturadas no destacamento. [10]

Nestes tempos as placas onde se inseriam os instrumentos de navegação eram manufacturadas no destacamento.

Em segundos os mergulhadores desaparecem no oceano [11]

Um mergulhador navega com os instrumentos e outro verifica eventuais obstáculos.

Em segundos os mergulhadores desaparecem no oceano. [12]

Em segundos os mergulhadores desaparecem no oceano.

Discretamente chegam ao objectivo e, aparecem à superfície apenas para serem notados pelo fotógrafo! [13]

Discretamente chegam ao objectivo e, aparecem à superfície apenas para serem notados pelo fotógrafo! Num caso real não seria fácil serem detectados, especialmente sendo a operação no período nocturno.

Com os melhores especialistas do mundo

Chegados ao molhe os mergulhadores emergem discretamente para verificar a sua posição. No interior do porto de Sesimbra, as correntes são muito fortes e podem acontecer surpresas desagradáveis. Neste dia por acaso, tudo decorre o melhor possível. Os mergulhadores vão procurar um local discreto para abrir os seus sacos estanques e recuperar o material necessário à missão. Quando o contexto o aconselha o DAE pode utilizar embarcações pneumáticas, os “zebros”, semelhantes aos “zodiac” franceses. Estes versáteis meios foram utilizados intensamente pelos fuzileiros portugueses em África e ficaram em grande medida como uma “imagem de marca” destas tropas elite da Marinha.

Numa operação tipo, depois dos mergulhadores do DAE fazerem o reconhecimento de um local de desembarque, a força principal de desembarque envia um destacamento de reconhecimento que constitui uma primeira vaga de assalto usando os “zebro”. Uma segunda vaga será lançada usando meios mais pesados – lanchas de desembarque [14]. Uma vez estando consolidada a “cabeça de ponte” serão os veículos anfíbios “LARC” (Light Amphibious Resupply Cargo) a entrar em acção para transportar materiais necessários e, por exemplo, munições.

É no entanto de referir que o DAE usa muito raramente os “zebros” não só porque dentro dos submarinos o espaço é muito reduzido como porque são meios muito ruidosos. A embarcação preferida do DAE é o “Skua”, mais adaptado às suas missões. Construído em fibra de vidro dispõe de um motor silencioso e pode ser afundado na zona de operações para não ser detectado. Após a missão pode regressar à superfície através do enchimento de umas câmaras de flutuamento que se enchem de ar comprimido proveniente de botijas próprias. De novo à superfície permite uma saída rápida do local da acção. O pequeno raio de acção destas embarcações obriga no entanto a que haja sempre por perto um “navio-mãe”. Seguindo exemplo conhecidos de americanos, franceses e britânicos está em curso um estudo sobre a viabilidade de colocar nos submarinos portugueses um contentor exterior para o transporte destes “Skua”.

O tipo de missões cometidas ao DAE exigem aos seus militares capacidade acima da média, ou seja, superiores ao que é exigido às outras unidades de fuzileiros, eles próprios já considerados uma tropa de elite em Portugal. Todos os anos o Corpo de Fuzileiros lança um concurso interno para seleccionar os candidatos ao DAE, os quais, como condição básica têm de ser fuzileiros. Da extensa lista de requisitos, retiramos: muito boa condição física, atirador de 1.ª classe em espingarda e 2.º classe em pistola, estar apto nos testes médicos idênticos aos exigidos aos mergulhadores-sapadores e ter menos de 32 anos de idade. Quem ultrapassa esta fase da selecção começa a formação de base para poder integrar o DAE. Compreende: curso de mergulhador; curso de explosivos, demolições e minas. (Nota inserida no artigo em 1994: «Está neste momento em apreciação a possibilidade de ser ministrado o curso de pára-quedismo militar no Exército, mas questões de ordem legal têm dificultado este aspecto. Tudo indica que com o tempo isto será uma realidade» [15]). Os que ultrapassam esta fase, integram o Destacamento e segue-se uma nova etapa. Cursos de nadador de combate, avançado de socorrismo, condução de viaturas ligeiras, pesadas e motociclos, de montanhismo, fuga e evasão e um curso intensivo de língua inglesa.

O treino de manutenção do DAE inclui uma série de exercícios quer específicos da unidade quer integrados no Corpo de Fuzileiros quer com unidades estrangeiras. Na semana em que assistimos ao exercício – exclusivo do DAE – o destacamento estava de partida para a Escócia onde iriam participar no exercício “Royal Chamois” com os Royal Marine Commandos. Este ano já tinham participado num “Linked Seas” com os US SEAL. Têm ainda já há uns anos uma cooperação regular com os Kampfschwimmerkompanie da Alemanha. Podemos aliás constatar que o equipamento de mergulho é de origem alemã e que o comandante do DAE possui o curso de pára-quedista militar deste país. Neste momento têm ainda uma cooperação com o Bijzondere Bijstands Eenheid, unidade anti-terrorista holandesa, com os quais desenvolvem aspectos ligados ao combate ao terrorismo em meio marítimo. Parece ainda que terá havido alguma cooperação com os SBS britânicos mas no DAE não querem falar disso.

Muito recentemente o DAE iniciou uma nova atividade até aqui apenas realizada por civis, o parapente! Em Linhares da Beira, na Serra da Estrela, com o apoio de instrutores civis, os elementos do DAE já fizeram os primeiros voos. «Mesmo se os aspectos desportivos e até um pouco de descontração são importantes para estes militares, sempre sujeitos a intensa actividade de treino operacional, não está posta de parte a possibilidade do emprego militar desta técnica e destes meios, por exemplo, a partir de falésias, locais onde nós temos que estar preparados para actuar», diz-nos Jorge Lourenço.

Constituído unicamente por profissionais – situação única no panorama português das forças de operações especiais – o DAE conta em permanência com 2 oficiais, 3 sargentos e 9 praças. Actualmente a média de idades é de um pouco menos de trinta e um anos. Este número vai baixar brevemente com a entrada ao serviço de novos candidatos.

O "Skua" e um elemento do DAE com o uniforme camuflado tipico dos fuzileiros dessa época (que vinha do tempo da guerra no Ultramar) e a pistola-metralhadora Walther MPK de 9 mm. Esta arma não era propriamente operacional mas bastante útil nestes exercícios para "poupar" as Colt. [16]

O “Skua” e um elemento do DAE com o uniforme camuflado típico dos fuzileiros dessa época (que vinha do tempo da guerra no Ultramar) e a pistola-metralhadora Walther MPK de 9 mm. Esta arma não era propriamente operacional mas bastante útil nestes exercícios para “poupar” as Colt.

A arma preferida do DAE por esses tempos, a Colt "commando" mod. 733. [17]

A arma preferida do DAE por esses tempos, a Colt “commando” mod. 733, calibre 5,56mm. Recorda-se que por estes anos, em Portugal, apenas as Tropas Pára-quedistas dispunham também de espingardas 5,56mm, a Galil. O DAE também dispunha de HK G-3 7,62mm e M-16 5,56mm.

A M16 A2 calibre 5.,56mm com bipé e punho e um carregador de 100 munições. [18]

A M16 A2 calibre 5.,56mm com bipé e punho e um carregador de 90 munições.

Esta era uma arma que na altura também estava ao serviço nos marines dos EUA. O Equipamento individual usado ainda era muito semelhante ao das guerras de África. [19]

Esta era uma arma que na altura também estava ao serviço nos Marines dos EUA. O Equipamento individual usado ainda era muito semelhante ao das guerras de África.

Um dos veteranos do DAE, nesta época com funções de apoio ao destacamento, e que havia sido Fuzileiro Especial como indica  a respectiva insígnia (à esquerda) e o então - enorme e vistoso - distintivo do DAE. [20]

Um dos veteranos do DAE, nesta época com funções de apoio ao destacamento, e que havia sido Fuzileiro Especial como indica a respectiva insígnia (à esquerda) e o então – enorme e vistoso – distintivo do DAE.

Estudava-se então um "brevet" para o DAE e este estava a ser usado informalmente, por exemplo, nos uniformes de ginástica. Não viria a ser aprovado oficialmente. [21]

Estudava-se então um “brevet” para o DAE e este estava a ser usado informalmente, por exemplo, nos fatos de ginástica. Não viria a ser aprovado oficialmente.

Missões

Nos últimos 18 meses o DAE foi por várias vezes colocado em estado de alerta para levar a cabo diferentes operações. Embarcaram em navios de guerra portugueses para operar longe do “mar territorial” – até às 12 milhas da costa – e mesmo fora da enorme Zona Económica Exclusiva que vai até às 200 milhas. Citamos por exemplo a operação “Cruzeiro do Sul [22]” e o apoio à Polícia Judiciária numa acção contra traficantes de droga. No primeiro caso o DAE embarcou na fragata “Vasco da Gama” em direcção aos mares de Cabo Verde quando a situação em Angola estava em risco de se degradar por ocasião do processo eleitoral. Os combates recomeçaram em Luanda, no final de Outubro de 1992 e a UNITA foi expulsa da capital angolana sendo assassinados parte dos seus dirigentes. Portugal enviou aeronaves C-130 e pára-quedistas da Força Aérea para evacuar (sem combate) cidadãos portugueses de Angola. A fragata “Vasco da Gama” que supostamente se encontrava em Cabo Verde estava na realidade ao largo da costa angolana onde, os seus meios permitiam por exemplo monitorizar a actividade aérea na região. Mesmo depois da situação em Luanda acalmar a fragata (com o DAE) manteve-se em patrulha na região, entre a capital angolana e Ponta Negra.

No segundo caso o DAE embarcou na corveta “João Roby” e a cerca de 90 milhas da costa portuguesa, fora do mar territorial, os elementos do destacamento participaram com sucesso numa acção anti-droga levada a cabo pela Polícia Judiciária. Na realidade capturaram 1.800 kg de cocaína e ajudaram a prender vários traficantes no momento em que a droga era transferida de um barco principal para pequenos barcos de pesca que a deviam trazer para a costa.

Nove anos depois da sua criação o Destacamento de Acções Especiais espera uma atenção mais cuidada por parte do Estado-Maior e que isso permita duplicar os efectivos. Só assim poderão assumir missões mais ambiciosas e permanecer fiéis ao seu lema “Sobre a terra, sobre o mar, em tempo de paz ou de guerra”.

Guião Heráldico do DAE, uma das sub-unidades do Corpo de Fuzileiros da Marinha Portuguesa. [23]

Guião Heráldico do DAE, uma das sub-unidades do Corpo de Fuzileiros da Marinha Portuguesa.