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O “BÉRRIO”, UM NAVIO SINGULAR (I)

O NRP “Bérrio” é na realidade um navio singular, desde logo por ser o único reabastecedor de esquadra ao serviço, mas também pelas suas dimensões e tonelagem, as maiores de um navio da Marinha Portuguesa na actualidade.

O "Bérrio" é o único reabastecedor disponível em Portugal. [1]

O "Bérrio" é o único reabastecedor disponível em Portugal, o único navio com capacidade para este tipo de missões.

Não menos significativo ainda o facto de não haver em Portugal equivalente civil para as suas funções, que sendo em primeiro lugar de apoio aos outros navios combatentes da Marinha, é a única “ferramenta” com as suas características a que o Estado Português – sem pedir apoio a estrangeiros – pode recorrer para emprego em situações de catástrofe. Nos dias que correm, mesmo a GALP utilizadora de navios para transporte de combustível, adoptou a modalidade de alugar quando precisa. Resta-nos assim, disponível em caso de necessidade para fazer face a situações de emergência civil (por exemplo nos Arquipélagos), em mãos puramente nacionais, o “Bérrio”, com capacidade de transporte e fornecimento de combustíveis em grandes quantidades, água potável, alguma capacidade de carga geral e pessoas.

Na Base Naval de Lisboa, atracado no "molhe de honra", o "Bérrio" preparava-se para mais um exercicio quando o visitamos. [2]

Na Base Naval de Lisboa, atracado no "molhe de honra", o "Bérrio" preparava-se para mais um exercício quando o visitamos...

Navio singular na Marinha e em Portugal, as suas capacidades são por isso mesmo de grande importância militar e civil. [3]

...tendo ao lado a "Vasco da Gama". Trata-se de um navio singular na Marinha e em Portugal, as suas capacidades são por isso mesmo de grande importância militar e civil.

O "Bérrio" foi antes "Blue Rover" e serviu na britânica "Royal Fleet Auxiliary" entre 1970 e 1993. Este mês de Março de 2012, cumpre 19 anos de serviço na nossa Marinha, mas 42 de idade!. [4]

O "Bérrio" foi antes "Blue Rover" e serviu na britânica "Royal Fleet Auxiliary" entre 1970 e 1993. Este mês de Março de 2012, cumpre 19 anos de serviço na nossa Marinha e 42 de idade!

O capitão-de-fragata Dias Correia na "asa da ponte" do navio. Comanda o NRP "Bérrio" desde Novembro de 2010 e é o seu 9.º comandante na Marinha Portuguesa. [5]

O capitão-de-fragata Dias Correia na "asa da ponte" do navio. Comanda o NRP "Bérrio" desde Novembro de 2010 e é o seu 9.º comandante na Marinha Portuguesa.

O Imediato do "Bérrio", capitão-tenente Nolasco Crespo, a actualizar a sua situação neste simples mas eficaz método para saber "quem está dentro do navio". [6]

O Imediato do "Bérrio", capitão-tenente Nolasco Crespo, a actualizar a sua identificação neste simples mas eficaz método para saber "quem está dentro do navio".

Visitamos o “Bérrio” poucos dias antes de mais um exercício da Marinha Portuguesa, sinal dos tempos, o único anual de grande dimensão e que envolve parte muito importante da sua força naval disponível – uma fragata, a Corte-Real, está em trânsito para o Índico onde vai participar em mais uma missão de combate à pirataria integrada numa força multinacional. O ambiente é descontraído mas de trabalho e estão a bordo militares de outros navios que participarão no exercício e aqui vêm acertar detalhes (e mesmo testar procedimentos) sobre as acções de reabastecimento em alto mar, e ainda técnicos da EID que instalam na ponte a versão táctica do MMHS2 (Military Message Handling System), para permitir a troca entre navios, via rádio, de mensagens com anexos acoplados e não apenas com texto como até aqui.

A Ponte do navio, a partir da qual se controla a manobra do navio e garante a segurança da navegação. [7]

A Ponte do navio, a partir da qual se controla a manobra e garante a segurança da navegação.

Vista geral do interior da Ponte e, à esquerda na imagem, do Centro de Operações. [8]

Vista geral do interior da Ponte e, à esquerda na imagem, do Centro de Operações.

A Roda do Leme do "Bérrio" na Ponte. Como em todos os navios, bem mais abaixo, na Casa da Máquina do Leme, há uma outra (diferente) para situações de emergência. [9]

A Roda do Leme do "Bérrio" na Ponte. Como é normal, bem mais abaixo, na Casa da Máquina do Leme, há uma outra (diferente) para situações de emergência.

Da asa da ponte de bombordo, olhando para a Base Naval de Lisboa, é bem notório que estamos, em altura, acima de qualquer outro navio de guerra da Marinha Portuguesa. [10]

Da asa da ponte de bombordo, olhando para a Base Naval de Lisboa, é bem notório que estamos, em altura, acima de qualquer outro navio de guerra da Marinha Portuguesa.

A "contabilidade" das missões de Reabastecimento no Mar, está sempre actualizada. [11]

A "contabilidade" das missões de Reabastecimento no Mar, está sempre actualizada e pronta ser mostrada aos "clientes"!

Numa primeira observação o “Bérrio” distingue-se pelas suas dimensões, dali olha-se para a “Vasco da Gama”, acostada logo ali na Base Naval de Lisboa, de cima para baixo…o que não é habitual. Mas também, diga-se em abono da verdade, pela sua idade. O “Bérrio” embora tenha entrado ao serviço da Marinha Portuguesa há “apenas” 19 anos, está a navegar há 42. Serviu na britânica Royal Fleet Auxiliary e com ela participou na Guerra das Falklands (em 1982) apoiando os navios da Royal Navy e em muitos outros pontos do globo, nomeadamente em várias das chamadas “guerras do bacalhau” nas águas da Islândia, que evolveu navios de guerra britânicos em apoio da sua frota de pesca e a guarda costeira islandesa. Até participou numa acção que a nossa velha aliada desencadeou contra nós, em África, o bloqueio naval ao Porto da Beira (Moçambique) em 1971, o qual, acabou por não ter consequências de maior, mantendo Portugal o apoio à então também nossa aliada Rodésia (hoje Zimbabué). Um veterano dos “7 mares” que chegou a Portugal em 1993 para substituir o “São Gabriel” (A5206).

Uma das "lições aprendidas" pelos ingleses nas Falklands levo-os a instalar estes "Oerlikon" 20mm Mk2, um junto a cada asa da ponte, destinados a defesa contra aeronaves. Parece que não são de fácil aquisição de objectivos e também não há grande fartura de munições para treino. [12]

Embora este tipo de navio navegue habitualmente junto a outros que o protegem, uma das "lições aprendidas" pelos ingleses nas Falklands levo-os a instalar estes "Oerlikon" 20mm Mk2. Um junto a cada asa da ponte, destinados à defesa contra aeronaves. Parece que não é fácil a "aquisição de objectivos" e também não há grande fartura de munições para treino.

Bela vista da principal razão de ser do navio, o sistema de reabastecimento. A bombordo o sistema PROB, que permite um reabastecimento mais rápido e a estibordo o sistema NATO BRAVO. Ao centro, por baixo do pórtico, a "casa RAS"  de onde controlam estes sistemas e a bombagem. Sob o convés, o parque de tanques (tudo isto mais em detalhe no próximo artigo). [13]

Bela vista da principal razão de ser do navio, o sistema de reabastecimento. A bombordo o sistema PROBE, que permite um reabastecimento mais rápido e a estibordo o sistema NATO BRAVO. Ao centro, por baixo do pórtico, a "casa RAS" de onde se controlam estes sistemas e a bombagem (no próximo artigo será visto mais em detalhe).

O maior convés de voo da Marinha Portuguesa está no "Bérrio". [14]

O maior convés de voo da Marinha Portuguesa está no "Bérrio".

Ao centro a porta de acesso aos paióis interiores. Um elevador permite o transporte de cargas (munições ou carga geral) para e dos vários níveis do navio até este "heliporto", de onde os meios aéreos os movimentam. [15]

Ao centro a porta de acesso aos paióis interiores. Um elevador permite o transporte de cargas (munições ou carga geral) para, e dos vários níveis do navio, até este "heliporto", de onde os meios aéreos os movimentam.

O "Bérrio" tem uma Equipa de Convés de Voo permanente, a quem compete (além de outros afazeres no navio) operar o respectivo convés. [16]

O "Bérrio" tem duas Equipas de Convés de Voo permanente a quem compete (além de outros afazeres no navio) operar com helicópteros.

Em Portugal o “Bérrio”, aumentado ao efectivo em 31 de Março de 1993, já prestou bons serviços e assim vai ter que continuar por mais uns anos, espera-se que…não muitos. Perante a inevitável pergunta, o Capitão-de-Fragata Armando Dias Correia, 45 anos de idade e 26 de Marinha, comandante do navio desde 4 de Novembro de 2010, afirma que “a única informação que há neste momento disponível diz-nos que não será nada provável antes de 2018“.
A Marinha Portuguesa participou com o “Bérrio”, logo em 1995, na operação multinacional (UEO/NATO) “Sharp Guard” no Mar Adriático, em apoio directo às unidades navais ali efectuavam missões de vigilância marítima nas costas da Ex-Jugoslávia, e em 1998, numa missão exclusivamente nacional – aqui tivemos que nos desenvencilhar sozinhos, o que por vezes acontece é bom não esquecer – a Operação “Falcão”, conhecida também como “Crise na Guiné-Bissau”, onde vários navios nacionais foram apoiados pelo “Bérrio”. Recorda o actual comandante nas páginas da Revista da Armada (Abril 2011) que o navio “…levou a bordo um grupo médico-cirúrgico (1 cirurgião, 1 anestesista, 3 enfermeiros e 2 auxiliares socorristas), um grupo de Mergulhadores Sapadores, um grupo de morteiros e um grupo de apoio de serviços do Corpo de Fuzileiros (…) assegurou a sustentação logística da força envolvida (fragata “Vasco da Gama”, corvetas “Honório Barreto” e “João Coutinho”) na evacuação de civis e militares nacionais e ainda reabasteceu a fragata “Drogu” da Marinha de Guerra Francesa, que se encontrava naquele espaço geomarítimo…“. De realçar também nesta operação, o que certamente foi uma lição aprendida, entre muitas outras, a circunstância do “…convés de voo (do “Bérrio”), aprovado para operações com helicópteros o que veio a revelar-se de enorme importância quando o navio-chefe (uma fragata) tinha de operar com dois helicópteros em simultâneo e precisava de convés livre para imprevistos ou emergências…” (in “Bissau em Chamas” de Alexandre Reis Rodrigues, 2007).

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O guincho de bombordo que serve para colocar a semirrígida na água e permite ainda alguma capacidade de colocação de carga a bordo.

O semi-rigido que pode ser rapidamente colocado na água, por exemplo para situaçãoes de "homem ao mar", incidente que é regularmente treinado. [18]

A semirrígido pode ser rapidamente colocada na água, por exemplo para situações de "homem ao mar", incidente que é regularmente treinado.

Este "crash-boat" colocado a bombordo tem capacidade para 20 pessoas. [19]

Este "crash-boat" colocado a bombordo tem capacidade para 20 pessoas.

Cinco destas balsas salva-vidas estão colocadas em diversos locais do navio, permitindo recolher um número de náufragos igual a 1,5 vezes o efectivo da guarnição. Dispõem de elementos básicos de sobrevivência no mar. [20]

Várias destas balsas salva-vidas estão colocadas em diversos locais do navio, permitindo recolher um número de náufragos igual a 1,5 vezes o efectivo da guarnição. Dispõem de elementos básicos de sobrevivência no mar.

O envolvimento do navio em acções de treino foi sempre intenso e são muitos e muitos os importantes exercícios nacionais e multinacionais em que participou. Acresce que dadas as suas características é um meio naval muito utilizado, não só para o seu trabalho principal – reabastecer permitindo maior autonomia aos meios navais apoiados – como para simular nestas actividades navios civis (“hostis”, “transportando materiais ilícitos”, “ocupados por terroristas e reféns”,etc), podendo parecer pouco significativo, mas a realidade é que não há alternativa disponível, mesmo para isto, a não ser que se alugassem navios mercantes para o efeito. Por exemplo, para este próximo exercício da série “Instrex”, o “Bérrio” vai embarcar uma equipa “Autonomous Vessel Protection Detachment” (AVPD) do Corpo de Fuzileiros que ali vai treinar missões de protecção a navios mercantes, as quais hoje em dia tanto são levadas a cabo por forças militares como por empresas especializadas.
Como nos refere o Imediato do “Bérrio”, Capitão-Tenente Nolasco Crespo, 40 anos de idade, 22 anos de Marinha, 13 dos quais embarcado, “Nada substitui o treino de mar, mesmo que em terra, como fazemos, se repitam semanalmente inúmeras rotinas em diversas áreas do navio, não é a mesma coisa, não nos conseguimos treinar nem avaliar de modo idêntico ao que fazemos quando navegamos“.
E, mais uma vez a malfadada crise que a todos afecta e nas Forças Armadas já é um “processo em curso” há mais tempo do que muitos possam julgar, ficamos a saber pelo comandante Dias Correia que se navegam cada vez menos horas por ano e questionado para nos dar um número: “Nos últimos 10 anos este navio passou de uma média anual superior a 2.000 horas de navegação/ano para menos de 500, actualmente“.

1.º Grumete Lopes, 23 anos de idade, 3 de Marinha dos quais metade no "Bérrio". Usa a boina regulamentar para pessoal não fuzileiro (criada em 2006), o fato de embarque intruduzido experimentalmente em 2004 e depois alagardo a todo o pessoal embarcado. Note-se ainda o "patch" (símbolo da unidade) do NRP "Bérrio". [21]

1.º Grumete Lopes, 23 anos de idade, 3 de Marinha, metade dos quais no "Bérrio". Enverga a boina regulamentar para pessoal não fuzileiro (criada em 2006) que se usa com o fato de embarque introduzido experimentalmente em 2004 e depois alargado a todo o pessoal embarcado. Note-se ainda o distintivo estilizado do NRP "Bérrio" em tecido, designado habitualmente por "patch", de uso autorizado e incentivado pelas unidades. Habitualmente usa-se ainda outro "patch" (de ombro, ver foto acima neste artigo) da equipa/departamento dentro da unidade naval.

Testes ao sistema NATO BRAVO antes do exercicio que se avizinhava. [22]

Testes ao sistema NATO BRAVO antes do exercício que se avizinhava. Os fatos de embarque, com características anti-fogo, usam-se com botas de biqueira de aço. Em fundo, por mera casualidade, aparece-nos o tristemente célebre "Atlântida", navio construído nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo que tem estado no centro de uma inenarrável disputa entre entidades públicas, nacionais.

Curiosidade de outros tempos, mas útil! Estas pequenas portinholas estão espalhadas por muitos locais do navio. Abrindo-se, fica-se em contacto com a "estrutura interior do navio", ao qual se encosta um termómetro e assim se avalia se haverá risco de incêndio ou algo corre mal, por aquecimento excessivo. [23]

Curiosidade de outros tempos, mas sempre útil! Estas pequenas portinholas estão espalhadas por muitos locais do navio. Abrindo-se, fica-se em contacto com a "estrutura interior do navio", ao qual se encosta um termómetro e assim se avalia se haverá risco de incêndio ou algo a correr mal, por aquecimento excessivo.

O Estandarte Nacional do NRP "Bérrio" exposto a bordo, junto à listagem com os nomes dos comandantes do navio. [24]

O Estandarte Nacional do NRP "Bérrio" exposto a bordo, junto à listagem com os nomes dos comandantes do navio desde 1993.

Leia também a segunda e última parte desta reportagem, aqui: O “BÉRRIO”, UM NAVIO SINGULAR (II) [25]. Neste segundo artigo explicamos com mais algum detalhe o funcionamento do navio e suas características e falamos ainda sobre a importância deste meio naval nos tempos que correm e no futuro.