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NOTAS SOBRE A TRANSFERÊNCIA DOS PARAQUEDISTAS DA FORÇA AÉREA PARA O EXÉRCITO EM 1993

Por • 4 Jul , 2018 • Categoria: 02. OPINIÃO, 11. IMPRENSA, EM DESTAQUE Print Print

Este assunto agitou o meio político-militar e mediático nacional nos anos 90 do século XX e continua em grande medida mal explicado. Recentemente um dos protagonistas da altura veio a público falar sobre o tema, com um detalhe que induz em erro quem o tenha lido, e pareceu-nos boa oportunidade deixar escrito alguns aspectos sobre este processo e rebater a dita afirmação, sem naturalmente pretender esgotar o tema.

Parada Alferes Parquedista Mota da Costa, Tancos, Base Escola de Tropas Paraquedistas. O Estandarte Nacional do Corpo de Tropas Paraquedistas da Força Aérea desfila pela última vez perante o Presidente da República na manhã de 30DEZ1993.

No passado dia 30 de Junho de 2018 em entrevista ao jornal “Sol”, sobre este assunto disse o Major-General Carlos Chaves, à data adjunto do Ministro da Defesa Nacional,  “Éramos o único país do mundo (em 1991) que tinha os paraquedistas na Força Aérea”. Desconhecemos se o MGen Chaves estava propositadamente a exagerar sabendo que a sua afirmação não era verdadeira, ou se disse algo mais que o jornalista não transcreveu. O certo é que assim foi publicado e dada a “barbaridade” que a afirmação constitui, motivou-nos a escrever sobre o tema.

Os exemplos do estrangeiro, a nível militar, dão para tudo e para o seu contrário, motivo pelo qual quando isso serve de argumento principal, tal só prova falta de razões, pois no estrangeiro pode-se encontrar sempre a sua negação.

Vamos em poucos parágrafos tentar enquadrar o assunto, mesmo sem grande detalhe, mas apenas para aqueles que só agora com ele tomam contacto perceberem melhor o que se passou há quase 30 anos!

Reforço substancial do Exército

É que não foi coisa pouca, o Exército no pós-25 de Abril nunca tinha tido (e nunca mais teve até hoje) um aumento real do seu sistema de forças desta dimensão. As sucessivas reformas consistiam (e consistem) em alterações organizacionais, os efectivos mantinham-se os mesmos (e agora diminuem). Foram 1.815 militares paraquedistas transferidos, bem assim como uma grande panóplia de armamento, equipamento e viaturas – parte importante dele mais moderno do que estava em uso no ramo terrestre – e ainda 3 unidades militares da Força Aérea com infra-estruturas à época das melhores que havia no nosso país, duas delas tinham inclusive pistas de aviação.

Além das unidades e de todo o tipo de material que nelas se encontrava, o Exército recebeu 1.815 paraquedistas da Força Aérea, aos quais se juntaram 134 oficiais, sargentos e praças das diversas armas e serviços do Exército que se voluntariaram para fazer o curso de paraquedismo militar e integrar a nova unidade, a Brigada Aerotransportada Independente do Comando das Tropas Aerotransportadas.

O então CTP no inicio dos anos 90 estava a concentrar parte substancial das unidades da BRIPARAS em S. Jacinto, hoje Regimento de Infantaria n.º 10.

 

Decorria o ano de 1991 e o ministro da defesa, Fernando Nogueira, anunciou publicamente a intenção de transferir as Tropas Paraquedistas da Força Aérea para o Exército. De seguida iniciaram-se os estudos para cumprir essa determinação política tomada sem estudo prévio, mas sim com base numa proposta feita pelo Chefe do Estado-maior General das Forças Armadas para o Sistema de Forças desse mesmo ano (ainda não aprovada em Conselho de Chefes, o que só viria a acontecer depois do anúncio público…) a qual, sem especificar qualquer mudança de ramo, incluía nas Forças de Reforço Geral o Corpo de Fuzileiros e uma unidade não existente, a “Brigada de Pára-Comandos a criar com base nos actuais batalhões de Comandos e de Paraquedistas”.

Sendo verdade que os Comandos do Exército tinham um Regimento com “batalhões” o Corpo de Tropas Paraquedistas (CTP) da Força Aérea tinha uma Brigada de Paraquedistas Ligeira (BRIPARAS) composta por: Comando e Estado-maior, 3 batalhões de paraquedistas, Grupo Operacional de Apoio e Serviços, Grupo Operacional Aertoterrestre, Companhia de Comunicações, Companhia de Morteiros Pesados e Companhia Anti-Carro. Note-se que esta BRIPARAS do CTP era apoiada em permanência por efectivos da Força Aérea colocados nas unidades territoriais, oficiais, sargentos e praças especialistas nas mais diversas áreas bem assim como muitos funcionários civis. 

Integrar os paraquedistas

Curiosamente o ramo terrestre, que se saiba, nunca tentou criar uma unidade de paraquedistas ou sequer um pequeno destacamento de forças especiais com essa capacidade, mesmo que alguns militares do Exército empenhados em cursos nos estrangeiro tenham adquirido a qualificação. O objectivo foi sempre retirar os paraquedistas da Força Aérea.

Recuemos mais uma década! Em 1982 o Exército pretendeu proceder “…à integração dos paraquedistas no Exército…” e propôs tal desejo ao Estado-Maior General das Forças Armadas, que estudou o assunto. Um ano depois de aturados estudos inter-ramos, e de decisões em Conselhos de Chefes, o assunto foi encerrado / adiado – com um Memorando explicativo com 10 páginas – sem se perceber bem as reais intenções do Exército em relação ao futuro das Tropas Paraquedistas quando as recebesse (diz o memorando), mas não se fechou a porta a uma futura transferência desde que houvesse decisão superior inicial e se reformulasse previamente a legislação aplicável e que o seu emprego futuro se situasse no Exército mas na dependência do CEMGFA.

Em 1982 e 1983 o Exército pretendeu integrar os paraquedistas da Força Aérea, era CEMGFA o General Melo Egídio, do Exército, que mandou estudar o assunto e o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea era o General PILAV Lemos Ferreira – aqui numa cerimónia em Tancos com o Presidente da República, em 1985 já como CEMGFA. O assunto só voltaria a ser abordado de novo com o CEMGFA que se seguiu, o General Soares Carneiro do Exército, um dos fundadores dos Comandos.

De regresso a 1991, a decisão política foi tomada, certamente por conselho militar ou de alguns militares, e nunca se percebeu bem qual o principal motivo que levou à Transferência. Como foi público na altura os paraquedistas de um modo geral estiveram contra esta medida, houve mesmo movimentações/manifestações de algumas Associações, sem grande expressão diga-se, houve até um punhado de processos administrativos por parte de militares que não queriam ser transferidos de ramo, e muitas notícias nos jornais. Mas eram os tempos de uma maioria absoluta no governo, a oposição nunca se interessou pelo tema, e pouco havia a fazer para reverter (como agora se diz!) uma medida apresentada como facto consumado e como uma medida de racionalizar, economizar, melhorar, etc. Aqueles que poderiam opinar tecnicamente contra esta decisão não o fizeram ou porque estavam no activo e a disciplina militar não o permitia ou porque entenderam que a ordem, mesmo má, devia ser cumprida porque assim é a vida militar.

Ainda assim o mal-estar entre os titulares do poder político sobre o assunto era notório de tal modo que o Presidente da República se recusou a participar na cerimónia de transferência mas fez questão de ir a Tancos homenagear os paraquedistas da Força Aérea. A opção foi fazer duas cerimónias na Base Escola de Tropas Paraquedistas, com um par de horas de intervalo! Uma na manhã de 30DEZ1993 com Mário Soares a condecorar o Estandarte Nacional do Corpo de Tropas Paraquedistas da Força Aérea Portuguesa com a Ordem Militar de Aviz e outra na parte da tarde com Fernando Nogueira a presidir à entrega do novo Estandarte Nacional do Comando das Tropas Aerotransportadas ao seu comandante.

Manhã de 30DEZ1993. O Presidente da República presta homenagem aos paraquedistas mortos em combate na Sala da Memória do Museu dos Paraquedistas, tendo-se escusado de presidir à cerimónia de transferência que decorreu nessa tarde. De seguida iria condecorar o Estandarte Nacional do CTP.

Na tarde de 30DEZ1993 coube a Fernando Nogueira, Ministro da Defesa e “pai” desta controversa medida de transferir os paraquedistas da Força Aérea para o Exército, presidir ao acto formal daquilo que para muitos parecia à data o fim das Tropas Paraquedistas Portuguesas.

Uma Companhia de Comandos desfila na tarde de 30DEZ1993 em Tancos perante Fernando Nogueira. Dos 134 militares do Exército que ingressaram na nova unidade, apenas 68 tinham o curso de comandos. A maioria destes militares não aderiu à nova brigada na sequência da extinção do Regimento de Comandos tendo preferido ser colocados em outras unidades. Em 2002 o Exército reactivou um Batalhão de Comandos, hoje Regimento.

Hoje sabemos muito mais do que na altura sobre todo o processo e sabemos o que se seguiu, os resultados práticos e as diferenças entre o previsto e o concretizado. O contributo do MGen Carlos Chaves na obra autobiográfica que escreveu (ou está a escrever) será naturalmente muito importante, se for rigoroso, afinal de contas o então major de infantaria Carlos Chaves estava no gabinete de Fernando Nogueira, se não influenciou pelo menos viu e ouviu muita coisa!

Este tema dá naturalmente para um livro e não o iremos aprofundar, como acima se refere pretendeu-se apenas enquadrar o assunto.

No inicio de 1994, o CEME, General Cerqueira Rocha, passa revista à Guarda de Honra – ainda com as “águias” nas boinas, nem este detalhe foi atempadamente acautelado! – na então Área Militar de S. Jacinto. A jovem unidade teve que lutar contra muitas contrariedades, desde logo o nome de sempre – paraquedista – que foi banido por uns anos, mas afirmou-se no contexto do ramo terrestre sem margem para dúvidas, logo a partir de 1996 quando cumpriu a primeira missão na Bósnia, seguiram-se várias outras (Kosovo, Timor, Afeganistão, Iraque, Mali) e mostram agora o seu valor em combate na República Centro Africana.

Entrevista ao “Sol”

Sobre a afirmação que despoletou esta nossa “nota de rodapé” neste importante aspecto da história militar portuguesa no século XX, “Éramos o único país do mundo (em 1991) que tinha os paraquedistas na Força Aérea”, vamos então aos factos.

Em 1991 o Exército Português era dos poucos na Europa – talvez até o único, não sei –que não tinha paraquedistas. Hoje a Força Aérea Portuguesa por causa do modo como a transferência foi feita é das poucas que não tem paraquedistas…

Agora a realidade é que muitos países tinham e têm paraquedistas nas suas forças aéreas, ramo que pela sua natureza viu nascer a maioria das unidades deste tipo. Países houve em que assim se mantêm até hoje, outros em que algumas unidades paraquedistas foram criadas depois no exército, mantendo algumas especializadas na força aérea.

As razões são sobretudo práticas, se países como os que abaixo veremos mantém paraquedistas nas suas forças aéreas é porque disso necessitam para a sua defesa nacional, para o sucesso das operações que executam, e alguns combatem em muitos mais lugares e há mais tempo que Portugal. Agora os aspectos históricos também não são desprezáveis. Estão ligados ao espírito de corpo e ao factor humano, sempre o mais importante numa organização como a instituição militar, cá ou qualquer outro lugar.

Mas vamos então aos factos que contradizem o MGen Carlos Chaves neste particular, mesmo sem ser exaustivo, começando pela Europa e depois dando um “salto” a outros continentes. De assinalar que os países do “Bloco de Leste” incluindo a então União Soviética, tinham todos os paraquedistas nas suas forças aéreas. Hoje a Rússia deu-lhes um estatuto ainda mais significativo considera-os um ramo independente (VDV ou Tropas Aerotransportadas), o mesmo acontecendo com a Bulgária. Algumas das antigas repúblicas soviéticas hoje países independentes mantém as suas tropas aerotransportadas nas respectivas forças aéreas.

Miguel Silva Machado, 4JUL2018

O Batalhão de Caçadores Paraquedistas desfila em Lisboa a 14AGO1955. Evoluiu para Regimento, fez a guerra do Ultramar com vários Batalhões de Caçadores Paraquedistas, cresceu depois até ao escalão Brigada, sempre na Força Aérea embora com os seus comandantes e parte dos oficiais formados na Academia Militar do Exército. Podiam ter ficado na Força Aérea? Sem dúvida, mas o poder político decidiu reforçar o Exército. Sofreram muitas alterações organizacionais, a mais dramática em 2006, mas continuam a destacar-se com a qualidade e o profissionalismo de sempre. A grande e real ameaça à sua sobrevivência é a falta de condições gerais que a Defesa Nacional proporciona aos voluntários para as Forças Armadas e as limitações orçamentais e não o ramo onde se encontram!

ESPANHA:

Escuela Militar de Paracaidismo “Méndez Parada”, onde são formados todos os paraquedistas do país vizinho (e onde foram formados os primeiros paraquedistas portugueses); 

Escuadrón de Zapadores Paracaidistas (EZAPAC) – (é a mais antiga unidade de forças paraquedistas das Forças Armadas de Espanha).

REINO UNIDO:

No.1 Parachute Training School RAF (No.1 PTS), onde são formados todos os paraquedistas das forças armadas do Reino Unido.

FRANÇA:

Fusiliers Commandos de l’Air.

ITÁLIA:

17º Stormo Incursori.

GRÉCIA

31 Search & Rescue Operations Squadron.

SUÍÇA:

Compagnie d’Éclaireurs Parachutistes 17.

TURQUIA:

Muharebe Arama Kurtarma (Combat Search and Rescue).

EUA:

A USAF tem várias unidades paraquedistas, nomeadamente os Combat Control Team, Pararescue, Special Operations Weather Technicians, Special Tactics, Tactical Air Control Party.

REPÚBLICA POPULAR DA CHINA:

People’s Liberation Army Air Force Airborne Corps (são várias divisões, todas na Força Aérea).

ISRAEL:

Unit 669;

Unit 5101 (Shaldag).

FILIPINAS:

710th Special Operations Wing.

INDONÉSIA:

Paskhas / Korps Pasukan Khas (uma divisão);

Detasemen Bravo 90 (unidade paraquedista antiterrorista).

PAQUISTÃO:      

312th Special Service Wing (Maroon Berets).

MALÁSIA:

Pasukan Khas Udara (Air Force Special Air Service).

UNIÃO INDIANA:

Garud Commando Force.

SRI-LANKA

Regiment Special Force.

REPÚBLICA SOCIALISTA DO VIETNAM

Escola de Paraquedismo Militar é da Força Aérea que tem unidades RESGATE/SAR.

BRASIL:

Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento (PARASAR).

CHILE:

Agrupación Antisecuestros Aéreos;

Comandos de Aviación.

ARGENTINA

Grupo de Operaciones Especiales (GOE).

PARAGUAI

Brigada Paracaidista “Silvio Pettirrosi”.

PERÚ

Escuela de Comandos (ESCOM) (note-se que são paraquedistas da Força Aérea, havendo também uma Escola de Comandos no Exército);

Defensa y Operaciones Especiales (DOE);

Grupo de Fuerzas Especiales (GRUFE).

REPÚBLICA DOMINICANA

Escuadrón de Paracaidistas de Operaciones Especiales.

URUGUAI

Grupo Especial de Rescate (PARASAR).

EQUADOR

Grupo de Operaciones Especiales de la Fuerza Aérea (GOEFA).

COLOMBIA

Agrupación de Comandos Especiales Aéreos (ACOEA).

NOVA ZELÂNDIA:

RNZAF Parachute Training and Support Unit.

Nota 1: agradeço ao António Sucena do Carmo a elaboração desta listagem, que aliás ainda era mais completa. Note-se que muitos outros países têm pequenos destacamentos de pára-quedistas nas suas forças aéreas para missões especiais, mesmo na Europa, e esses não estão aqui listados;

Nota 2: Os dados numéricos aqui referidos estão publicados no livro “Tropas Pára-quedistas, a História dos Boinas Verdes Portugueses, 1955 -2003” de Miguel António Gabriel da Silva Machado e António Eleutério Sucena do Carmo, Prefácio, Edição de Livros e Revistas, Lisboa, 2003.

 

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