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KOSOVO: A ÚLTIMA MISSÃO DA CHAIMITE

Por • 15 Jun , 2009 • Categoria: 04 . PORTUGAL EM GUERRA - SÉCULO XXI Print Print

No momento em que se discute a redução do contingente português no Kosovo o “Operacional” apresenta um artigo feito nesse território – agora independente e reconhecido por alguns países entre os quais Portugal – e publicado na sua versão original no “Jornal do Exército” (n.º 564, Julho de 2007). Sofreu algumas actualizações de detalhe mas no essencial, a história é a mesma, como a mesma é a situação das V-200 portuguesas que ali operam.

A Chaimite V-200 em missão no Kosovo, aqui num aquartelamento da NATO junto ao aeroporto de Pristina

A Chaimite V-200 em missão no Kosovo, aqui num aquartelamento da NATO junto ao aeroporto de Pristina.

O soldado pára-quedista Paulo Fonseca, 23 anos, condutor da Chaimite matrícula MG-50-85, olha sorridente para o militar sueco da KFOR que cumprimenta regulamentarmente a patrulha portuguesa de passagem frente ao mosteiro ortodoxo de Gracanica a escassos quilómetros de Pristina. Paulo Fonseca sabe que esta é a sua última missão e dentro de dias regressará a Portugal, depois de 6 meses no Kosovo integrado no 1º Batalhão de Pára-quedistas. A sua Chaimite, depois de quase 40 anos no Exército Português, deverá deixar em breve este teatro de operações e também o serviço activo.

As Viaturas Blindadas de Transporte de Pessoal Chaimite V-200 cumprem no Kosovo a sua última missão, depois de terem passado por África e – quem diria à data da sua construção? – pelos Balcãs. Por incrível que possa parecer foi bastante mais utilizada na Europa do que na antiga África Portuguesa onde afinal, a sua passagem foi pouco mais do que efémera.
As primeiras Pandur 8×8 destinadas a substituir as veneráveis Chaimite já começaram a ser distribuídas à Brigada de Intervenção. O planeamento inicial prevê que em 2010, 260 destas Pandur em 15 versões diferentes, ficarão ao serviço do Exército e do Corpo de Fuzileiros da Armada. Por quantos anos? Veremos, mas dificilmente tantos como a sua antecessora.
Paulo Fonseca não tem dúvidas “...conduzo a Chaimite porque tenho essa especialidade, condutor de VBTP V-200…” e fica por aqui, enquanto abre um sorriso ainda maior do que aquele mostrado ao militar sueco que evita problemas indesejáveis ao Bispo Ortodoxo de Prizen, refugiado em Gracanica.

Paulo Fonseca ao volante da V-200 passa frente a mosteiro ortodoxo de

Paulo Fonseca ao volante da V-200 passa frente a mosteiro ortodoxo de Gracanica.

Não é segredo militar que a viatura há muito que necessita de substituição e não tem sido muito apreciada pelos sucessivos batalhões portugueses que passaram pelos Balcãs.
Mas a realidade é que cada país utiliza o que tem e a viatura, com todas as suas limitações, ainda apresenta algum valor “operacional”. Nomeadamente para um dos tipos de missões que actualmente as unidades portuguesas cumprem no Kosovo: CRC, o que se traduz na terminologia NATO por Crowd and Riot Control, ou em português, controlo de tumultos.
No Kosovo têm servido, batalhão após batalhão, 9 VBTP Chaimite . “As V-200 têm para nós utilidade nas missões CRC porque conferem protecção adicional aos militares na eventualidade de sermos alvejados por munições de armas ligeiras ou estilhaços de granadas no decorrer de uma situação de tumulto…” diz-nos o major pára-quedista Gonçalo Oliveira, oficial de operações dos pára-quedistas em Slim Lines junto a Pristina, quartel onde está desde 2004 o contingente português da KFOR. Gonçalo Oliveira continua, “Se no decurso de uma operação de controlo de tumultos houver feridos ou mortos a viatura é útil para, por exemplo, retirar os feridos do local com mais segurança ou evacuar cidadãos estrangeiros de um edifício cercado por manifestantes, tarefas que nos podem ser determinadas pelo comando da KFOR“.

Treino de Controlo de Tumultos em Camp Vrelo

Treino de Controlo de Tumultos em Camp Vrelo. Chaimites portuguesas e VXB-170 VBRG francesas em acção lado a lado.

E a realidade é que no decurso de um treino – bastante realista – a que assistimos em Camp Vrelo, junto ao aeroporto internacional da capital, ocupada por militares da KFOR, não só as Chaimites parecem cumprir o seu papel como a unidade CRC francesa no Kosovo – da gendarmerie nationale -, dispõe de viaturas pouco mais recentes que as portuguesas: As VXB-170 VBRG (Véhicule blindé à roues de la gendarmerie), embora construídas de origem e equipadas para controlo de tumultos.
E a opinião que o jovem soldado Fonseca, natural da Reboleira e com 3 anos e meio de tropa indicia, é corroborada pelo primeiro-sargento de cavalaria Marco Pereira, 17 anos de serviço, 38 de idade, vindo da Madeira para esta missão: “Já teve o seu tempo e cumpriu… …mas claro que não se compara com as outras viaturas que aqui temos, as Panhard M11 são excelentes e muito bem adaptadas a este Teatro de Operações…” . Estas M11 embora se destinem a missões de reconhecimento e não tenham por isso capacidade de transporte de pessoal, além da sua guarnição, são muito versáteis e é sobretudo com elas e com viaturas não blindadas Iveco e Toyota que a maioria das missões são cumpridas no Kosovo.

Muitas patrulhas no Koosvo envolvem as Chaimites, Panhard M11 e mesmo viaturas ligeiras não blindadas.

Muitas patrulhas no Kosovo envolvem as Chaimites, Panhard M11 e mesmo viaturas ligeiras não blindadas.

Na madrugada do golpe militar de 25 de Abril de 1974 as Chaimites iniciaram um dos seus períodos de maior exposição pública. Foi utilizada quer nas acções militares do “Dia da Liberdade”, quer em muitas das movimentações revolucionárias e contra-revolucionárias desse período. Curiosamente nestes tempos confusos a principal utilização destes blindados andava próxima da actual: Controlo de tumultos, manifestações, segurança em zonas urbanas.
Com o “regresso a quartéis” que se seguiu, as Chaimites, de que  4 exemplares chegaram também a estar atribuídas aos Fuzileiros nesse período conturbado da vida nacional, foram empregues nas missões típicas de um Exército em tempo de paz: Instrução, exercícios e manutenção.
Quando toda a gente já pensava e repensava na sua substituição, sempre adiada por se entender haver outras prioridades, chegamos a 1995 e à necessidade de enviar tropas para a Bósnia-Herzegovina. O Exército Português confrontava-se pela primeira vez desde 1917 com a necessidade real de enviar uma força de combate para um teatro de operações na Europa. No Inverno, numa região semi-destruída por uma guerra civil de vários anos, com um cessar-fogo que ninguém sabia se iria ser cumprido, com abundantes zonas minadas e/ou repletas de munições não rebentadas, estradas em péssimo estado mas ainda assim os únicos locais por onde se podia andar, e onde abundavam atiradores furtivos. Ou seja, o local ideal para fornecer aos militares em operações alguma protecção que não apenas a lona de um “jeep” e o seu próprio capacete e colete balístico. E qual era a única viatura blindada de transporte de pessoal, de rodas, disponível em quantidade razoável? Pois era…a Chaimite!
Rapidamente e em força, revisão geral, alguns remendos de última hora – parte deles, como o aquecimento, que nunca funcionou capazmente – e 26 destas VBTP seguem para a Bósnia, iniciando-se um 2º período de grande exposição pública. Nas televisões portuguesas todos viram a partir de Janeiro de 1996, os pára-quedistas portugueses dentro de Chaimites, cobertas de neve, a escoltar colunas humanitárias entre Sarajevo e Gorazde, a patrulhar aldeias em escombros, de passagem pela semi-destruída biblioteca da capital Bósnia a metros do local onde Francisco Fernando havia sido assassinado em 1914, a percorrer estradas geladas e sinuosas junto à linha de confrontação entre sérvios e muçulmanos, naquela que foi a primeira missão real da história da Aliança Atlântica.
Apesar das condições draconianas existentes para as guarnições das viaturas e das limitações operacionais e mecânicas, a Chaimite continuou ao serviço dos batalhões que se seguiram na Bósnia, durante 11 anos, e também no Kosovo entre 1999 e 2001, e agora de novo desde 2005.

O "artilheiro" da Chaimite dispoe de um .50 e habitualmente uma .30 é montada na retaguarda da viatura

O "artilheiro" da Chaimite dispõe de um .50 e habitualmente uma .30 é montada na retaguarda da viatura

Em Slim Lines base logística britânica onde portugueses e outras nacionalidades convivem diariamente com as suas diferenças culturais e onde quase todos os serviços são assegurados por mão de obra local contratados por uma firma multinacional – no fundo, na prática, isto é parte importante do “ambiente multinacional” que tanto se fala hoje em dia – no momento de “passar a carga” ao batalhão que se segue no teatro de operações, o sargento-ajudante pára-quedista Matos Pereira, 40 anos de idade, 20 anos de serviço, que agora terminou a terceira missão, depois da Bósnia e Timor, sempre ligado à manutenção das viaturas e chefe da oficina do batalhão de pára-quedistas, mostra com orgulho a sua arrecadação: “Temos quase tudo, até motores completos de algumas viaturas. Infelizmente da Chaimite, embora tenha muitos sobressalentes e em quantidade, motores não. E por isso das 9 Chaimites que temos, vou passar uma inoperacional ao próximo batalhão. Gripou recentemente o motor e no próximo voo de sustentação já deve chegar um novo“.
Realmente a manutenção destas viaturas é um quebra-cabeças para qualquer oficina. A viatura, a nível mecânico, apresenta hoje em dia evidentes limitações. Todo o sistema de travagem, por exemplo, não só de raiz não está bem concebido para o peso do carro como esta situação se agrava em climas frios. Muitos dos componentes da viatura estão pura e simplesmente velhos. E parte deles, como qualquer mecânico bem sabe, só quando partem é que é detectado o seu real estado. Mesmo com inspecções frequentes é impossível substituir preventivamente toda uma série de peças da viatura. O esforço para manter as viaturas operacionais é enorme. A manutenção das 9 Chaimites consome só por si mais de metade da verba gasta pelo batalhão com todas as outras viaturas, e são 90!

As Chaimites continuam a andar no Kosovo e em Portugal graças a um grande esforço de manutenção

As Chaimites continuam a andar no Kosovo e em Portugal graças a um grande esforço de manutenção.

Perante todo este quadro de limitações parece fácil perceber porque motivo muitos dos batalhões portugueses empenhados nos Balcãs na última década têm vindo a optar por limitar tanto quanto as missões o permitem, a utilização destas viaturas. Aqui no Kosovo a existência das Panhard M-11, muito mais fiáveis, e mesmo das Iveco 40.10 com placas balísticas ou dos Toyota Land Crusier, permitiram a organização da unidade de um modo mais flexível, remetendo as Chaimites para as missões de controlo de tumultos. Acresce que sendo estas missões – até ao momento – sobretudo na região de Pristina, ou seja, perto da base, não obrigam a deslocamentos muito longos, logo têm menos probabilidade de avariar.
Ao longo de 40 anos a Chaimite foi utilizada em diferentes versões e circunstâncias, mais por inexistência de opções do que pelas suas qualidades. Ainda assim as opiniões que recolhemos garantem que cumpriu o seu papel mas que agora só se espera o repouso merecido. Ou seja, apesar das limitações operacionais e técnicas que todos lhe reconhecem o que transparece é que a viatura – a única viatura blindada até hoje fabricada em série em Portugal – tem um certo carisma, tem lugar na história militar nacional e conseguiu mesmo alguma simpatia. Será respeito pelos mais velhos?

Paulo Fonseca, o soldado pára-quedista que acompanhamos nesta reportagem.

Paulo Fonseca, o soldado pára-quedista que acompanhamos nesta reportagem.

Quer saber mais sobe a Chaimite V-200?

CHAIMITE V-200 (Parte I)

CHAIMITE V-200 (Parte II – Conclusão)


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