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DOIS MINISTÉRIOS, DOIS ANDAMENTOS

A menos de 6 meses do fim da legislatura, afigura-se possível fazer um balanço relativo ao cumprimento do programa do Governo nas áreas da Segurança e Defesa.

Carlos Branco não [1]

Neste artigo Carlos Branco não avalia a bondade das medidas tomadas pelo MDN que, como sabemos, foram e têm sido objecto de ampla contestação por parte dos militares, mas o seu nível de execução e compara com o MAI.

O programa do XIX Governo constitucional dedica respectivamente as páginas 70 a 73 e 109 a 112, às áreas da Administração Interna e da Defesa Nacional [2].

No que à Administração Interna diz respeito e apenas no que concerne à segurança propriamente dita, destacam-se as seguintes propostas:

Promover medidas que propiciem uma maior articulação, no terreno, entre as forças e serviços de segurança, confirmando a opção pela existência de um sistema de segurança dual, assente numa vertente civil e numa vertente militarizada, e clarificando conceitos no que diz respeito às responsabilidades de cada área específica de intervenção – informações, segurança pública, investigação criminal, estrangeiros e fronteiras e protecção civil; Racionalizar a utilização dos meios existentes e que hoje se encontram dispersos pelos vários intervenientes do actual sistema de segurança, com manifesto prejuízo no que toca á sua alocação aos diversos objectivos a que se destinam; Consagrar soluções que garantam um acréscimo de rigor e de eficácia no planeamento e na execução de operações, que poderão envolver mecanismos de coordenação operacional e orgânica; Valorizar o papel das informações, consagrando medidas de reforço de coordenação da sua actividade, que poderão passar pela implementação de um serviço único, com direcções separadas para a área interna e para a área externa, mas com serviços técnicos e de apoio conjuntos; Reforçar e renovar os efectivos nos sectores prioritários, em especial nas forças de segurança, nomeadamente através da efectivação de concursos regulares que tenham em conta as aposentações, mas também através da libertação de recursos humanos já existentes que se encontram afectos a tarefas administrativas, judiciais e burocráticas, em ordem a concentrar o máximo de efectivos nas valências operacionais e no policiamento de proximidade; Adoptar medidas que valorizem o papel e o estatuto das forças de segurança, incentivando a eficiência, a formação e a mobilidade interna e que fomentem a ligação dessas forças às instituições da sociedade civil, nomeadamente com a avaliação dos programas públicos de acção e integração social nas zonas urbanas sensíveis, sobretudo nas áreas da educação, habitação, emprego e toxicodependência, envolvendo autarquias locais, IPSS, Misericórdias e organizações não-governamentais; Incrementar a presença e a visibilidade das forças de segurança, tanto numa base permanente como tendo em conta as zonas identificadas como de maior risco e as flutuações sazonais, em ordem a aumentar a percepção de segurança das populações; Alterar a Lei de Programação de Instalações e Equipamentos das Forças de Segurança, revendo as suas provisões e modo de financiamento e elaborar um plano, a médio/longo prazo, de reconstrução dos equipamentos mais carenciados; Garantir uma efectiva participação nacional nos organismos de gestão de fluxos fronteiriços, em especial numa altura em que estará na agenda europeia o eventual ajustamento do Tratado de Schengen; Estabelecer mecanismos permanentes de colaboração e articulação entre os ministérios responsáveis pelas áreas da segurança interna, da justiça e da defesa que permitam a implementação de soluções para os problemas, ultrapassando as lógicas de compartimentação que hoje se registam”.

Já no que respeita à Defesa Nacional, as propostas mais significativas foram:

Reconhecer o carácter estratégico e a consequente prioridade das questões relacionadas com o Mar, em particular no que concerne à extensão da plataforma continental nacional; Reforçar o relacionamento com a NATO e com as estruturas europeias com responsabilidade de implementação da Política Europeia de Segurança e Defesa; Aprofundar a participação activa do nosso País em missões internacionais de carácter humanitário e de manutenção da paz, quer no quadro nacional quer no contexto das organizações internacionais de que somos parte; Reorganizar e racionalizar o Ministério da Defesa Nacional e a Estrutura Superior das Forças Armadas, apostando na coordenação e na exploração das sinergias que entre ambos existem; Promover o reagrupamento geográfico dos órgãos superiores de Defesa Nacional, pelo aproveitamento racional das instalações existentes e alienação das não necessárias; Atribuir ao Estado-Maior General das Forças Armadas o efectivo comando operacional; Racionalizar a despesa militar, nomeadamente através da melhor articulação entre os seus ramos e uma maior eficiência na utilização de recursos, tomando como referência o que está disposto a este respeito no Memorando de Entendimento; Reforçar os mecanismos de coordenação com as estruturas dependentes do Ministério da Administração Interna nos domínios em que exista complementaridade e possibilidade de gerar maior eficácia de actuação, bem como economias de escala; Desactivar unidades e sistemas de armas não essenciais; Proceder à revisão da Lei de Programação Militar, adaptando-a aos constrangimentos da actual situação económica e financeira; Dinamizar a aplicação da Lei de Programação das Infra-estruturas Militares; Reestruturar as indústrias de defesa, conferindo-lhes sustentabilidade e iniciar um processo que conduza à sua privatização; Valorizar os projectos de cooperação técnico-militar com os Países de Língua Oficial Portuguesa; Agilizar os procedimentos relativos ao apoio aos antigos combatentes e deficientes das Forças Armadas, através da introdução do conceito de “balcão único”: Garantindo aos ex‐combatentes a manutenção do apoio por parte das estruturas de saúde militar, nomeadamente na área da saúde mental; Regularizando os processos pendentes de ex-combatentes; Apoiando o associativismo dos ex‐combatentes e garantindo o seu direito à auscultação nas matérias que lhes digam respeito. Racionalizar os recursos humanos das Forças Armadas, privilegiando sempre a componente operacional; Tomando como referência o que está disposto a este respeito no Memorando de Entendimento, concretizar a reforma do sistema de saúde militar, mas garantindo um apoio de qualidade aos seus utentes e um aproveitamento completo da capacidade instalada; Racionalizar e optimizar a estrutura orgânica do Ministério da Defesa Nacional; Realizar o processo de reforma do ensino militar”.

Uma vez que os programas de governo significam um compromisso com os cidadãos e não estando agora em causa o seu mérito ou demérito, o que nos propomos neste momento é apenas verificar o seu nível de execução, o que por outras palavras significa, o cumprimento do prometido.

Mas para uma mais completa apreciação do programa da Defesa Nacional, importa referir que o Conselho de Ministros, através da Resolução nº26/2013, de 11 de Abril, designada por “Reforma 2020” [3], densificou os conceitos e as metas constantes no programa do Governo, o que nos permite uma análise mais fina à sua concretização.

Assim e numa primeira observação, facilmente constatamos que a parte do programa relativo à Defesa Nacional foi praticamente concretizada e não nos distanciaremos muito da realidade se dissermos que o mesmo foi executado em cerca de 80%.

Repita-se que não se está a avaliar a bondade das medidas tomadas que, como sabemos, foram e têm sido objecto de ampla contestação por parte dos militares.

Este elevado grau de execução, para além do manifesto empenhamento político, contou com uma particularidade na sua configuração, não muito usual no nosso país e que foi a constituição de uma comissão de acompanhamento da reforma, a designada Comissão de Acompanhamento para a Reforma da Defesa Nacional (CARDN), instituída pelo despacho ministerial nº 6472-E/2013 que funcionou como “motor” da execução das propostas e medidas elencadas.

Em oposição, no que tange à Administração Interna parece que se estará no domínio de um outro Executivo ou, no mínimo, que esta área não faz parte do mesmo programa governativo, tendo em consideração o grau de inexecução das medidas propostas que só com recurso a uma lupa se poderá encontrar uma que tenha sido cumprida.

Ao contrário do que consta na página 40 do programa,

A segurança de pessoas e bens constitui, inquestionavelmente, uma das funções essenciais do Estado e deve ser vista como uma actividade que assume uma natureza indelegável,…” ou

… o Governo assume como prioridade de primeira linha da sua acção a adopção de políticas e de medidas concretas que contribuam para fazer de Portugal um País mais seguro…”,

o Governo, não atribuiu na prática, natureza de função essencial do Estado à segurança, nem assumiu qualquer prioridade com a mesma.

A (não) concretização das medidas constantes do programa na área da Administração Interna, mais do que uma oportunidade perdida, trará consequências que já se começam a fazer sentir nas reacções dos sindicatos da polícia e das associações profissionais da Guarda, cujas repercussões tenderão a prosseguir no tempo e com resultados nada promissores para esta área demasiado sensível do Estado que não carece de turbulência, mas que pelo contrário, necessita de tranquilidade.

A não actualização das leis orgânicas da GNR e PSP e dos estatutos dos seus recursos humanos, são as faces mais visíveis da não observância do compromisso para com os militares da Guarda e os profissionais da Polícia, mas também para com o País em geral. Mas mais relevante neste âmbito, é o facto de que a doutrina defendida por este Governo, assente na clarificação do modelo de segurança interna, confirmando a opção pela existência de um sistema dual, assente numa vertente civil e noutra militar, para além do entendimento integrado, de conjunto e de complementaridade entre todos os seus actores, com uma íntima ligação à Defesa e à Justiça, que por certo traria estabilidade ao sistema, não foi sequer iniciada, o que provocará uma tremenda incerteza e desconfiança no futuro e que perturbará por muito tempo todo o sector da segurança.

Depois de variadíssimas reuniões da tutela com os comandos e direcções das forças de segurança, de negociações com os sindicatos da PSP, de promessas e adiamentos e de reiterados compromissos politica e publicamente assumidos pelos responsáveis do MAI e até pelo Primeiro-Ministro, a não concretização de praticamente nenhuma das medidas constantes no programa do governo para a área da segurança interna, é no mínimo lamentável.

 Lisboa, 15 de Maio de 2015

 Carlos Manuel Gervásio Branco, Cor (Res)