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BATARIA DA LAGE, O EXEMPLO DA ASSOCIAÇÃO DE COMANDOS

A Bataria da Lage no Concelho de Oeiras, frente ao Farol do Bugio, é uma excepção no panorama das antigas Batarias de Artilharia de Costa que ao longo de séculos defenderam as barras dos portos de Lisboa e Setúbal. Está preservada graças ao trabalho de uma organização não-governamental, a Associação de Comandos, que oficialmente a recebeu em 12 de Julho de 2002 depois de um longo processo. Dá gosto ver os resultados alcançados, os melhoramentos que continuam a ser feitos.

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Oficialmente entregue à Associação de Comandos em 2002, a antiga Bataria da Lage do Regimento de Artilharia de Costa, localizada em Oeiras entre a Praia da Saisa e a de Santo Amaro, frente ao Tejo e ao Atlântico, é um bom exemplo de aproveitamento e conservação do património histórico-militar.

Património Histórico-Militar da Artilharia de Costa

O Operacional tem publicado vários artigos dedicados à Artilharia de Costa, quer em Portugal quer no estrangeiro sobretudo porque no nosso país este é um património histórico que tem sido muitíssimo maltratado. Parte significativa está mesmo ao abandono e as soluções teimam em não aparecer. Nesse sentido mostramos ao longo dos anos – e já são 10! –  o que de melhor se faz no estrangeiro neste campo – Espanha [2], Gibraltar [3], Malta [4] são alguns países onde encontramos bons exemplos e aqui já os mostramos. Hoje apresentamos um bom exemplo em Portugal!

Felizmente ainda há outros bons exemplos, como o Forte do Bom Sucesso em Belém [5], entregue à Liga dos Combatentes que ali instalou o Museu do Combatente, e há casos nos quais ainda pode haver uma boa solução sem grande investimento, como a antiga 6.ª Bataria do Regimento de Artilharia de Costa (Fonte da Telha) [6]; outras batarias/fortificações estão relativamente preservadas porque ocupados por instituições oficiais – mas de muito difícil ou impossível acesso a um visitante – como o Forte do Alto do Duque (Policia de Segurança Pública) [7], o Forte de Almada (Guarda Nacional Republicana) [8], ou o Forte de São Julião da Barra (Ministério da Defesa Nacional) [9]; outros há onde o estado de degradação a que se chegou obrigará a enormes investimentos para salvar o que ainda for possível, dois casos dos mais gritantes são as antigas 2.ª Bataria do RAC na Parede [10] e a 7.ª no Outão.

No Museu Militar da Madeira (Funchal) há peças de costa preservadas e visitáveis, assunto ao qual esperamos voltar, mais um bom exemplo a registar.

Nos Açores a Câmara Municipal de Ponta Delgada e o Museu Militar têm intenção de transformar o antigo quartel e Bataria da Castanheira [11] num jardim e miradouro sobre Ponta Delgada, assim como numa fase posterior, musealizar o complexo subterrâneo que ficará à responsabilidade do Museu Militar dos Açores. A Câmara Municipal da Horta lançou em 2017 um concurso de ideias destinado à dinamização e gestão da antiga Bateria de Costa na Espalamaca que já foi desarmada mas mantém um complexo subterrâneo. Este ano voltou-se a falar do assunto publicamente mas não há desenvolvimentos.

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As peças 15cm/40 CTR m/902 Krupp da 3.ª Bataria do RAC fizeram fogo até 1995.

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Com a extinção do RAC em 1998 o Exército abandonou as instalações e iniciou-se um longo processo de transferência da antiga unidade para a Associação de Comandos.

De Bataria Rainha Dona Maria Pia a Bataria da Lage

Neste local foi construída em 1887 e 1889 uma bataria de artilharia preparada para ser equipada com 3 peças de 28 cm Krupp mas acabou por ser equipada em 1902 com peças do mesmo fabricante alemão, mas as 15cm de tiro rápido: 15cm/40 CTR m/902 Krupp.

Em 3 de Fevereiro de 1903 foi integrada no então denominado Campo Entricheirado de Lisboa, o qual era comandando pelo Infante D. Afonso de Bragança, irmão do Rei D. Carlos, que estiveram presentes ao acto e aos exercícios nocturnos com apoio do Projector da Bataria. Por aqui se vê a importância dada nessa época a esta fortificação, tendo sido ali executado fogo real pela primeira vez em 1904.

Os anos seguem com exercícios e a bataria conhece alguma actividade operacional em 1936 no processo de evitar a saída da barra de Lisboa dos navios revoltosos que pretendiam dirigir-se para Espanha a fim de apoiar o “Bando Republicano”. Esta bataria terá participado na acção conjunta com os Forte de Almada e do Alto do Duque. Em 1942 em plena 2.ª Guerra Mundial as 3 peças são retiradas e enviadas para Moçambique. 

Portugal iria manter-se neutral durante o conflito mas, pelo sim pelo não, foi instituída uma comissão luso-britânica, da qual resultou um relatório elaborado pelos britânicos Major-General F.W. Barron (ou Barrow?) e Comandante Vaughaun, sobre a defesa costeira da região de Lisboa, as necessidades da altura e aquisição de novos materiais. Daqui decorreu a última reorganização de fundo da Artilharia de Costa em Portugal,  faseadamente implementada – na quase totalidade – e previa: um Comando de Defesa de Costa; dois Grupos de Artilharia de Costa de Contrabombardeamento (Lisboa e Setúbal) e duas redes de telemetria e observação; dois Grupos de Artilharia de Costa de Defesa Próxima (no Tejo e no Sado) e duas defesas contra pequenas unidades navais, duas zonas iluminadas, duas zonas de projectores de descoberta, uma faixa de minas comandada, uma barreira no rio para protecção interior do porto, ancoradouros e fundeadouros para fiscalização. Em 1948 a primeira bateria deste “Plano Barron” (ou Plano B), como ficou conhecido, estava operacional e em 1960 a última, a da Fonte da Telha. Esta, com seu material 23,4cm, é hoje a única no mundo com estas armas que está em bom estado de conservação – isto foi referido no local por visitantes do Fortress Study Group em 2015 [14]. Desejamos que ainda seja possível salvar este património!

A Lage em Novembro de 1946 recebeu as peças que estão hoje na Bataria (as 15cm/40 CTR m/902 Krupp), depois novos projectores, as infra-estruturas foram modernizadas e integrou o “Plano B” em 1951. Depois de terminada a Guerra no Ultramar (1961-1975) passou a constituir a 3.ª Bataria do Regimento de Artilharia de Costa, ou Bataria da Lage. Executou a última sessão de tiro real em 1995 e em 1998 o RAC foi extinto. Terá sido por volta desta data que foi “apalavrada” à Associação de Comandos, um processo que não foi fácil nem rápido, e durante o qual perante o abandono pelo Exército das instalações a Bataria foi vandalizada! 

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Bataria da Lage e Associação de Comandos

As imagens da actualidade que apresentamos falam por si. É preciso no entanto recordar que a Bataria da Lage estava completamente abandonada e degradada, as peças todas cheias de grafittis e…enfim, o panorama que várias outras Batarias apresentam. A Associação de Comandos meteu mãos à obra, antigos Comandos perderam muitas noites para afastar gente de toda a espécie do perímetro da “unidade”, mas pouco a pouco o trabalho e persistência dos comandos deram frutos: “…após vários e porfiados esforços junto do governo, à Associação de Comandos … … foi-lhe cedido para sua Sede Nacional, o PM 23/Oeiras – Bataria da Lage…” e o Auto de Entrega foi finalmente assinado em 12 de Julho de 2002, no Quartel do Regimento de Artilharia Anti Aérea n.º 1 em Queluz no qual o Exército entrega oficialmente à Associação de Comandos a Bataria da Lage.

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A Bataria da Lage não é um museu militar, é uma antiga unidade que foi adaptada para o fim a que se destina.

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As peças Krupp que ali foram instaladas em 1946, quando a bataria sofreu a última grande remodelação, mesmo que desmilitarizadas continuam bem conservadas.

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Para ver este modelo de peças de artilharia não há em Portugal actualmente outro local onde o público tenha acesso relativamente fácil, e esteja devidamente mantido, senão aqui.

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As tabelas de tiro previam dados até 7.500m de alcance.

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Os elevadores de transporte de munições dos paióis, no piso inferior, para as armas estão “operacionais”.

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Nos seus tempos, vistas do mar, não deveria ser muito fácil localizar estas armas e menos atingi-las.

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O edifício do Posto de Controlo de Tiro ainda não foi intervencionado, mas está em estado muito razoável.

A Bataria da Lage em 2019

A Bataria da Lage, bem entendido, não é um museu e assim deve ser olhada por quem  a visita. Sendo certo que já estive em museus militares bem mais fracos, também é verdade que se trata de uma instalação militar adaptada para ser o que é, uma Associação. Foram assim criadas as condições para que os associados e seus convidados ali possam estar, passar algum tempo de convívio, almoçar, e, ainda, para corresponder às necessidades de uma associação com locais adequados quer a reuniões e cerimónias quer a actividades de ocupação de tempos livres. No entanto, e isto é naturalmente muito significativo para quem visita a Lage, há três espaços interiores que poderemos dizer constituem salas históricas: uma dedicada à Artilharia de Costa, outra aos Comandos do Exército Português e uma última à Associação de Comandos.

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O busto do Coronel Comando Gilberto Santos e Castro (1928-1996) que foi Presidente Honorário da Associação de Comandos e um dos seus fundadores, tem honras de destaque junto ao memorial aos mortos.

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Na Lage estão expostas duas Chaimite V-200. Uma delas, a MX-57-37 é a que o então comandante do Regimento de Comandos, Coronel Jaime Neves, usou em 25 de Novembro de 1975. “… foram cedidas à Associação de Comandos pelo Chefe do Estado-Maior do Exército, General Frederico José Rovisco Duarte e foram colocadas neste local em 25 de Novembro de 2016”.

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Estátua do Coronel Vicente Nicolau de Mesquita (herói macaense, 1818-1880) que esteve no Largo do Senado em Macau de 1940 a 1966. “Oferecida à Associação de Comandos pelo governador de Macau em 1986, Contra-Almirante Almeida e Costa, para que fosse preservada, dignificando-a…”. Nesta foto em segundo-plano também de distinguem cabos da pista para actividades “radicais”.

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Miniatura de “Uma Lulik” (Casa Sagrada) característica da região de Los Palos, em Timor-Leste,”…oferecida à Associação de Comandos pelo Presidente da República de Timor-Leste General Taur Matan Ruak em 29 de Junho de 2017, Dia dos Comandos”.

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Espigueiro, Canastro ou Caniço, “…este é originário da Serra de São Macário e da Serra da Gralheira, e foi oferecido pelo sócio E n.º 5635 Coronel Reformado da GNR José de Figueiredo Loureiro, 29 de Junho de 2019, Dia dos Comandos”

Todas de razoáveis dimensões, recentemente inauguradas estão em muito bom estado e têm muita informação. Imagino que para os associados a mais significativa será a dos Comandos que está realmente muito bem concebida, é altamente simbólica e aborda de modo muito detalhado a História dos Comandos; a da Associação é um excelente repositório de recordações do que tem sido esta ONG com um papel extraordinário na defesa dos interesses dos Comandos como corpo militar do Exército Português; a da Artilharia de Costa sendo a mais discreta, tem informações que não se encontram em mais nenhum museu (que eu saiba!), uma boa colecção de fotografias e documentos desta e de várias outras batarias e de várias épocas.

Como já referido a Lage foi adaptada para a finalidade a que se destina e assim podemos ver diversos elementos que visam homenagear os heróis dos Comandos e as visitas de antigas unidades ou cursos, mas também ofertas de grande dimensão que foram entregues à Associação.

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Parque das Merendas, bem preparado para receber muita gente e confeccionar refeições!

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Pista para execução de actividades “radicais”.

Outra componente importante da Lage é a ocupação dos tempos livres – sobretudo para entidades que não pertencem à Associação mas que com ela têm acordos – e nesse sentido além de áreas de repouso onde se podem montar tendas, e de confecção de alimentos – o Parque das Merendas – tem ainda equipamentos para praticar “actividades radicais”. Esta é uma área na qual, como nos disseram, além de alguns antigos Comandos que aqui fazem os seus encontros, a Lage recebe milhares de escuteiros ao longo do ano para realizarem as suas actividades.

O restaurante é muito utilizado pelos associados e seus convidados e será sem margem para dúvida uma das “âncoras” do local. Este tipo de equipamentos – a Bataria – só se justifica, só se consegue manter, se tiver vida, Na Lage, além naturalmente dos encontros associativos, são as actividades de tempos livres e o restaurante que dinamizam o espaço. A sua localização frente ao oceano e o pinhal que vai cobrindo parte do terreno, criam um ambiente natural muito agradável.

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Espaço museológico dedicado à Artilharia de Costa.

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Espaço museológico dedicado às Unidades de Comandos do Exército Português.

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Espaço museológico dedicado à Associação de Comandos

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Conclusão

Nas paredes da Lage como no seu interior e até nos elementos de grande dimensão expostos, a devoção aos Comandos e a Portugal está bem expressa.

A Associação de Comandos conseguiu fruto da influência e conjugação de esforços de uns, o patrocínio de mecenas e a atenção diária e desinteressada de um punhado de outros que ali trabalham em prol do objectivo comum, manter a Lage como está. Um exemplo para qualquer associação.

Mas não só, a Lage é um bom exemplo de como o Exército e no fundo o Ministério da Defesa Nacional, o Estado Português, pode entregar a uma Associação de antigos militares uma instalação degradada, sem qualquer utilidade nem para o Ramo nem para ninguém, e hoje, orgulhar-se do que ali foi feito. Sem custos para o contribuinte!

A Bataria da Lage é um espaço da Associação de Comandos, uma ONG. Têm acesso ao local os associados, os seus convidados, as pessoas envolvidas em actividades como as já acima referidas – são milhares – e tem sido prática da Associação não impedir ninguém de a visitar. Naturalmente que é sempre aconselhável para que a visita se concretize nas melhores condições e com acesso a todas as salas, um pedido prévio.    

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Morada: Rua Nuno Álvares Pereira nº1, 2780-967 Oeiras

Telefone: 218 261 075

associacao.comandos.dn@gmail.com [42]

bateriadalaje@gmail.com [43]

Restaurante: Reservas – 218 261 075

 

Leia mais no Operacional sobre Artilharia de Costa [44]