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AFEGANISTÃO: INTERNATIONAL CIVILIAN CONSULTANT

Carlos Alberto M. Silva, 43 anos de idade e 24 de serviço é Sargento-Ajudante do Serviço de Material do Exército, tendo iniciado a sua carreira na Marinha onde serviu antes de concorrer ao Curso de Formação de Sargentos do Exército.
Carlos Silva está desde 2008 em Cabul, no Quartel-General da ISAF, desempenhando funções de “electric supervisor”, área na qual tem formação quer em Portugal quer no estrangeiro, sendo também especializado em “Humint”. Antes já tinha cumprido missões de serviço  em ambiente multinacional quer no âmbito ONU (Angola – UNVEM III e MONUA) quer NATO (Oeiras – Joint Command Lisboa).
O assunto que nos apresenta é certamente desconhecido de muitos dos nossos leitores, dos menos falados mesmo na imprensa militar, e mostra bem algumas das particularidades destas missões expedicionárias, multinacionais, de carácter prolongado, em que Portugal está envolvido.
Muito agradece o “Operacional” a Carlos Silva por este contributo e com ele de algum modo homenageamos estes militares portugueses que servem hoje, “à civil”, em locais como Cabul, Kandaar ou Pristina.

Cabul, um dos locais onde hoje militares portugueses prestam serviço, quer enquadrados nas Forças Nacionais Destacadas quer a título individual, "trajando à civil". [1]

Cabul, um dos locais onde hoje militares portugueses prestam serviço, quer enquadrados nas Forças Nacionais Destacadas quer a título individual, "trajando à civil".

“O ICC, INTERNATIONAL CIVILIAN CONSULTANT“, uma outra faceta de militares portugueses.

Nota prévia: por razões que se prendem com o dever de reserva, ao autor é-lhe vedado a revelação de detalhes de organização e de maior detalhe das tarefas dos visados (ICC´S) assim como de fotos que melhor ilustrem o texto, sendo por isso este trabalho uma muito breve introdução dessas actividades.

Provavelmente pouca gente se dá conta do papel que muitos civis desempenham no complexo e perigoso teatro de operações (TO) do Afeganistão. Não me refiro às “famosas” firmas privadas de segurança que porventura pelas razões erradas tiveram o seu auge na guerra do Iraque, ou a civis das diversas agências a operar no TO, refiro-me sim aos civis, na sua grande maioria são ex-militares (na reserva) sendo que dois se encontram no activo mediante autorização superior. todos desempenham cargos constantes do CE (Crisis Establishment), vulgo quadro orgânico para o qual se candidataram conjuntamente com inúmeros outros concorrentes, onde o curriculum é apreciado e após uma série de etapas (concluindo com uma entrevista posso garantir exigente) são seleccionados devido sobretudo ao elevado profissionalismo e competências técnicas demonstradas anteriormente (no curriculum e na entrevista que tem uma componente técnica), que irão ser postas à prova no terreno, e de que maneira.
Tentarei superficialmente mostrar o papel, quiçá, também preponderante, do elemento “civil” num a operação desta dimensão e importância. Ver até que ponto as forças armadas internacionais podem retirar dividendos desse contributo.

Esta e as fotos seguintes dão uma imagem da vida em Cabul, ambiente onde se desenrola o trabalho de muitos militares portugueses hoje em dia. [2]

Esta e as fotos seguintes dão uma imagem da vida em Cabul, ambiente onde se desenrola o trabalho de muitos militares portugueses hoje em dia.

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Militares do Exército Nacional Afegão em Kandaar.

O ICC (INTERNATIONAL CIVILIAN CONSULTANT)

• O QUE É UM ICC?
O ICC é uma “figura” criada para este TO e também para o do Kosovo onde opera a KFOR. Resumidamente, são pessoas com formação especifica para os requisitos solicitados pelos diversos “branch” (à semelhança dos nossos órgãos de estado-maior mas de maior âmbito, tais como: pessoal, operações, logística, financeira, serviços técnicos, etc.) transpostos para o crisis establishment, aprovados pelo SHAPE (Supreme Headquarters Allied Powers Europe) para preenchimento das vagas constantes nesse quadro orgânico. Grosso modo são empregados da ISAF e executam funções que normalmente militares e civis NATO desempenham em tempo de paz nos diversos Quartéis-Generais. Os ICC´s devem obrigatoriamente ser oriundos de países NATO ou das Nações contribuintes para a ISAF, devem possui a necessária e correspondente credenciação de segurança ao cargo a desempenhar. Como atrás referi é preponderante, até pelas condições austeras de vida e tipo de trabalho a desenvolver, que um ICC já tenha tido contacto com a vida militar. Na realidade são poucas as excepções a esta realidade.

• PORQUE É CRIADA A POSIÇÃO DE ICC
No inicio do conflito é evidente que são as forças militares que assumem  a quase totalidade do esforço de guerra. Não envolvo aqui as componentes de algumas forças armadas que destacam civis nomeadamente ligados às informações e outras valências de “não-combate”. Assim após o esforço inicial no Afeganistão, em Dezembro de 2001, com a criação da autoridade de transição Afegã mandatada pela conferencia de Bona, sustentada por mandato das Nações Unidas, só por volta de Agosto de 2003 a NATO assume o comando da ISAF. Inicia o seu mandato com a segurança a Cabul e área circundante, e este processo iria estender-se a todo o território por fases, prolongando-se até Outubro de 2006 com o assumir da segurança e assistência a todo o território Afegão. Em meados de 2004 começaram a chegar os primeiros ICC´s ao TO, numa primeira fase para funções de apoio de serviços. Tendo sido feito de uma forma ainda muito tímida e embrionária, eram os primeiros civis que iriam dar forma a uma nova maneira de desenvolver a organização à retaguarda da ISAF. Com o desenrolar do conflito, atrasos e avanços, alterações de estratégias e reformulação das orientações internacionais, é no período entre 2006 e 2008 que a maioria dos cargos nos diferentes
crisis establishment vão sendo criados e aprovados, tendo como razão primária e fundamental a continuidade.
Essa continuidade começou a ser mais notada à medida que as diversas forças iam sendo rendidas. Com poucas excepções os contingentes militares estão em média no terreno seis meses, sendo que a continuidade do trabalho em curso era por vezes afectada esbarrando na operacionalidade que tem de estar sempre num nível alto. Assim o ICC vem em diversas áreas, sublinho, de não-combate, a ter posição na estrutura da ISAF nomeadamente no QG da ISAF e muito recentemente no IJC (Interim Joint Command), KAIA (Kabul International Airport) e com menos expressão em KAF (Kandaar Air Field). Facilmente é entendível que em algumas componentes as rotações quebram o ritmo dando como exemplo a habituação ao clima (altitude e temperatura), Cabul está situado a aproximadamente 1800 metros acima do nível do mar (é como se estivéssemos no alto da serra da estrela a viver), o conhecimento dos nomes das províncias/cidades, o conhecimento de como toda a rede técnica (eléctrica, agua, comunicações) está disseminada pela base e principalmente como está organizada a estrutura nos diferentes quartéis. Posso dizer que leva algum tempo até se poder dizer que estamos completamente inseridos.
• POSIÇÕES C.E. (crisis establishment, quadro orgânico) DE MAIOR EMPENHO DOS ICC´S
Estão no Afeganistão aproximadamente 350 ICC´s distribuídos pelos locais atrás referidos oriundos dos quarenta e dois países que presentemente integram a estrutura da ISAF. Não podendo especificar quais as funções desempenhadas podemos dizer que estão um pouco por todo o lado nestas funções de retaguarda, mas de relevância enorme no desempenho que a ISAF tem que ter na resolução do conflito. A componente de apoio de serviços neste TO num conceito mais alargado e diferente do nosso nas Forças Armadas Portuguesas é onde se faz sentir o maior contributo dos civis, desde a área informática, transmissões, serviços técnicos de apoio (electricidade, canalização, carpintaria, bombeiros, etc..) algumas valências mais especificas como analistas, geo´s (geografic information). Poder-se-á afirmar que nestes casos a continuidade de experiência requerida é facilmente justificável, pois por exemplo na componente eléctrica um contingente (italiano) quando era rendido por outro (alemão) era com imensa dificuldade que o mais recente se inseria em todas as situações técnicas, quanto mais não fosse e em jeito de praxe costumava-se dizer que quando soubessem onde estavam todos os quadros eléctricos era hora de serem rendidos.


• O CASO PORTUGUÊS
Existem aproximadamente uma dezena de ICC´s portugueses (sendo um na KFOR, Kosovo) no TO do Afeganistão, exercendo as suas funções em Kandaar e Cabul repartidos pelo QG (quartel-general) e IJC (Interim Joint Command), são oriundos do Exército e Força Aérea em diferentes situações de activo e de reserva.
São várias as áreas onde os nossos compatriotas desenvolvem o seu trabalho, por exemplo a supervisão eléctrica no QG (electric supervisor) cargo que é desenvolvido com trabalhadores locais e supervisão militar americana, tendo relevância no espelho da imagem de ser português sendo passada a nossa maneira de ser, a demonstração de profissionalismo e de amizade para com o povo afegão, onde o reconhecimento pelo trabalho desenvolvido é realçado e posto à prova todos os dias 24/7 (vinte e quatro horas por dia sete dias por semana). Estão os portugueses presentes também em áreas que passam pela instrução em IED (Improvised Explosive Devices), informática ligada à moderna geografia de mapas desenvolvidos por software especifico (Geo specialist), alguns serviços ligados à operação de aeroportos (controle aéreo, fire-fighting, etc), CIS (comunications informatic sistems controller), enfim, uma diversificação de serviços tecnicamente avançados e especializados que eleva o nome de Portugal junto das diferentes forças presentes no TO, demonstrando pelo conhecimento adquirido e os requisitos técnicos exigidos, estarem em pé de igualdade com as restantes nações, superando diversas vezes as expectativas dos chefes, realçado isto em excelentes relatórios de avaliação, em certificados de apreço (certeficates of apreciation) e reconhecimento pessoal pelo COM ISAF (Comandante da ISAF) em cartas de referência (reference letter).

O autor (à civil) no Aeroporto Internacional de Cabul, com outros militares portugueses em serviço naquelas paragens: os capitães Martins (Força Aérea) e Rodrigues (Exército). [9]

O autor (à civil) no Aeroporto Internacional de Cabul, com outros militares portugueses em serviço naquelas paragens: os capitães Martins (Força Aérea) e Rodrigues (Exército).

• CONCLUSÃO
Terão as diferentes componentes militares dos países a ganhar com esta realidade? Ganhou a ISAF com esta inclusão de civis no esforço de atingir os objectivos a que se propõe? Pensa o autor que sim. Essa certeza advém da realidade vista no próprio TO em que apesar de ajustes constantes (o C.E. é revisto diversas vezes, tornando “o quadro orgânico” muito flexível e permanentemente actualizado às necessidades) é na continuidade que assenta a mais valia dessa aposta onde os militares diversas vezes (especialmente aqueles com menos experiência na organização NATO) se apoiam, resultando numa abordagem muito mais fiável, sendo a instituição ISAF sem dúvida a principal beneficiária. Apesar da crise financeira que se vive por todo o mundo e das novas concepções para o futuro da NATO, as posições ICC têm-se mantido na sua globalidade, havendo aqui e acolá ajustes, o que por si só revela a importância que a estrutura dá ao trabalho desenvolvido pelos civis ICC.

Carlos Silva frente ao Quartel-general da ISAF, no qual trabalha como ICC. [10]

Carlos Silva frente ao Quartel-general da ISAF, no qual trabalha como ICC.

Qual povo aventureiro, desbravando o desconhecido, abnegado, levando a nossa bandeira firme, bem alto aqui e acolá, sempre. Ó Pátria por quem choro, de quem não peço, por quem dou a vida
Perfilado perante Deus, pronto, para a última inspecção

Carlos Alberto M. Silva

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