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“GAE”, A ELITE DOS COMANDOS ANGOLANOS

Comandos angolanos na sua base em Cabo Ledo por ocasião de um exercicio da CPLP [1]

Comandos angolanos na sua base em Cabo Ledo por ocasião de um exercicio da CPLP

O pesado helicóptero MI 17 de fabrico russo surge-nos a rasar a copa das árvores, fica em voo estacionário a cerca de 30 metros do solo e em escassos minutos um destacamento de acções especiais desce através do sistema “fast rope” e inicia o ataque ao objectivo.

Comandos angolanos
Em Cabo Ledo, 150 km a Sul de Luanda, este é mais um exercício do GAE, o Grupo de Acções Especiais das Forças Armadas Angolanas, criado, organizado e treinado com base na experiência da guerra civil angolana e na assessoria de “comandos” portugueses.
Portugal mantém-se activo na chamada Cooperação Técnico-Militar (CTM) no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). De Cabo Verde a Timor-Leste, passando pela Guiné-Bissau, S. Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique, militares portugueses apoiam, na linguagem oficial, “a organização, reestruturação e formação das Forças Armadas e respectivos militares”. Orientada sobretudo para aspectos ligados à organização e ao estudo, espera-se no entanto que tenha “um produto final” de tudo o que é feito nos ministérios, institutos, academias e estados-maiores respectivos. Em Angola por exemplo estão em curso 12 projectos de cooperação, sendo que 2 apenas se podem considerar directamente ligados à actividade operacional.

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Embarque de elementos do GAE num MI 17 da Força Aérea Nacional de Angola

O MI 17 aterra e dois oficiais do exército – um angolano e outro português – avaliam a acção que acabam de coordenar a bordo do helicóptero da Força Aérea Nacional de Angola.
Na unidade de elite onde nos encontramos, a Brigada de Forças Especiais (antigo Regimento e depois Brigada de Comandos), funciona o chamado “Projecto 4” da Cooperação Técnico-Militar com Angola. Designado “Apoio à Brigada de Forças Especiais”, este é sem dúvida no contexto de toda a CTM, em todos os países, o local onde a acção dos assessores portugueses mais terá contribuído para um bom desempenho em combate de militares da CPLP.

Descida em "corda rápida" sob orientação de um assessor dos comandos portugueses [3]

Descida em "corda rápida" sob orientação de um assessor dos comandos portugueses

Se a própria brigada não é de fácil acesso tendo sido desde sempre afastada dos holofotes mediáticos, mesmo depois de terminada a guerra, no seu seio existe uma força que apenas tem sido referida muito esporadicamente em publicações militares: o Grupo de Acções Especiais que agora o “Operacional” vos apresenta.

Anos de guerra
Na primeira linha da guerra civil os comandos, sediados em Cabo Ledo, partiam para operações em todo o território e mesmo para acções pontuais nos santuários do inimigo, para lá das fronteiras norte e leste. Estas incursões ditaram a necessidade de criação de uma força que fosse a primeira a partir e precedesse o grosso da unidade.

Mesmo que não tenha sido muito frequente em Angola os comandos não esquecem que na guerra contra a UNITA houve combates em povoações [4]

Mesmo que não tenha sido muito frequente em Angola os comandos não esquecem que na guerra contra a UNITA houve combates em povoações

Os comandos angolanos eram um misto de quadros com experiência de guerrilha e jovens recrutados para períodos de serviço militar que podiam prolongar-se por muitos anos. No período da guerra civil tivemos aliás oportunidade de ver, em Cabo Ledo, a juventude dos novos recrutas dos comandos angolanos que chegavam a ser lançados em combate mesmo no decurso do período de instrução. Era o que se poderia chamar “on job trainning”!
O desenrolar da guerra acabou por demonstrar que era necessário introduzir melhorias, quer no pessoal do ponto de vista técnico e táctico quer nos armamentos e equipamentos. Por outro lado as especificidades das operações anti-UNITA nem sempre exigiam o emprego de companhias ou batalhões. Por vezes o ideal era actuar com pequenos grupos.
Assim em finais de 1998, fruto das exigências da guerra e da observação de algumas unidades especiais ocidentais, e também por conselho dos assessores portugueses, surge o Grupo de Acções Especiais.

Selecção rigorosa
A brigada dispõe actualmente de 2 batalhões de comandos, 2 companhias de operações especiais, 1 batalhão de lança-foguetes múltiplos, 1 unidade logística e o Grupo de Acções Especiais. O GAE é composto por cerca de meia centena de homens e recruta os seus elementos na brigada.
Os candidatos sujeitam-se a testes médicos, físicos e uma prova cultural. Segue-se o curso de formação ministrado no próprio GAE, em Cabo Ledo, que tem a duração de 4 meses.

Assessor português acompanha a execução de um exercicio de rappel [5]

Assessor português acompanha a execução de um exercício de rappel

Um dos aspectos que no período de instrução, muito desgastante fisicamente, é acautelado diz respeito à alimentação. Por motivos de raiz cultural e económica a alimentação das populações rurais – muito à base da mandioca – tem pouco a ver com o que seria necessário e que os comandos incentivam: mais carne, peixe e legumes. Hoje os hábitos estão a mudar mas sobretudo nos escalões mais baixos da hierarquia isso ainda não é fácil de entender.
Depois do estágio básico para integrar o GAE os seus elementos têm acesso a especializações diversas: armadilhas com explosivos, topografia – muito importante a deslocação à noite que ainda comporta dificuldades entre muitos devidos a crenças e superstições -, transmissões, operações com helicópteros – um meio de transporte que em Angola está sempre presente – infiltração aquática.

O velho e robusto RPG 7 é uma arma temível e continua a ser usado um pouco por todo o mundo [6]

O velho e robusto RPG 7 é uma arma temível e continua a ser usado um pouco por todo o mundo

A selecção do pessoal assenta em três vertentes: condição física que permita passar vários dias sem reabastecimento vivendo num clima muito difícil; nível cultural superior permitindo a utilização de novas tecnologias; condições psico-culturais que permitam o emprego com naturalidade de noite, no meio aquático e com meios aéreos.

Acções “comando”
O GAE dispõe de armamento ligeiro robusto e testado em combate, quer de origem ocidental quer dos antigos países de leste e equipamento moderno, nomeadamente, dispositivos de visão nocturna, GPS, rádios, telemóveis “Iridium”, telémetros laser, etc.
Os telemóveis “Iridium”, via satélite, foram no dizer de oficiais angolanos com quem falamos em Cabo Ledo, uma das chaves para o sucesso da operação de cerco a Savimbi. Depois de sucessivos fracassos, com estes telemóveis a detecção das comunicações pelos aliados da UNITA, que se tinha vindo a verificar, mostrou-se impossível.
Embora os responsáveis angolanos não gostem de falar abertamente sobre as operações levadas a cabo pelo GAE nos anos da guerra, ainda assim, lá vão dizendo que esta unidade estava apta a fazer missões em profundidade, sabotagens, e reconhecimento no “sector do inimigo”. Para bom entendedor…

Os assessores portugueses, muitos com experiência de vários teatros de operações, também aconselham sobre novos equipamentos a adquirir [7]

Os assessores portugueses, muitos com experiência de vários teatros de operações, também aconselham sobre novos equipamentos a adquirir

Uma das modalidades de assalto posta em prática, incluía a intervenção do GAE para reconhecimento de zonas de aterragem de helicópteros, nas imediações de um objectivo que seria atacado pela brigada.
Outra das missões tipo do GAE, agora actuando isolado, consistia na sua infiltração em território hostil, por vezes trajando à civil, para efectuar destruições com explosivos, atingir alvos com as armas sniper ou retirar populações de áreas controladas pela guerrilha.

Comando do GAE. Usa além da insignia do GAE (à esquerda) a do Curso de Operações Especiais (ao centro) e a do Curso de Comandos. [8]

Comando do GAE. Usa além da insígnia do GAE (à esquerda) a do Curso de Operações Especiais (ao centro) e a do Curso de Comandos.

Na guerra como na paz
A guerra contra a UNITA acabou e a situação em Cabinda está sob controlo das Forças Armadas de Angola (embora os independentistas não tenham sido completamente aniquilados) mas a brigada continua a investir no GAE.
As transformações em curso nas forças especiais angolanas originaram reduções de efectivos, mas o GAE não foi afectado. Mantém-se uma unidade operacional e ainda fornece quadros bem treinados, sobretudo oficiais, às outras unidades da brigada. Este facto foi aliás notório no decurso do exercício «Felino 2004», organizado por Angola, tendo cabido a oficiais com o curso do GAE, a generalidade das acções de treino com os países envolvidos.
Em 2009 o desafio da brigada é criar as condições necessárias para ministrar localmente instrução de pára-quedismo. Com o apoio da Escola de Tropas Pára-quedistas do Exército Português está em curso o planeamento da criação desta instrução, em moldes semelhantes aos portugueses, e o desenvolvimento do transporte e lançamento de cargas via aérea, ambas importantes num extenso país como Angola. A capacidade de projecção de forças a grande distância ficará assim substancialmente melhorada, aumentando a nível nacional e mesmo regional as possibilidades de emprego dos comandos angolanos.
Na guerra ou em missões de paz, de modo autónomo ou no âmbito de uma força da CPLP para emprego com as Nações Unidas – como responsáveis portugueses declararam pretender durante o recente exercício “Felino 2008” – o Grupo de Acções Especiais dos comandos angolanos permanece pronto.

Fim do dia junto a Cabo Ledo. Duas equipas do GAE posam para a foto com parte do seu equipamento e armamento ligeiro [9]

Fim do dia junto a Cabo Ledo. Duas equipas do GAE posam para a foto com parte do seu equipamento e armamento ligeiro

(colecção Miguel Silva Machado) [10]

A insígnia do Grupo de Acções Especiais dos comandos angolanos, sem dúvida uma das mais raras e difíceis de alcançar nas Forças Armadas de Angola(colecção Miguel Silva Machado)