O “HMS Belfast” é um cruzador que serviu 24 anos na Royal Navy (1939-1963) e em 1971 abriu ao público como museu, ancorado no Tamisa, bem próximo de alguns dos locais mais visitados de Londres. O Operacional propõe-lhe uma visita a este navio de guerra – que esteve destinado à sucata por motivos económicos – mostrando aquilo que um dia poderá ser – quem sabe? – replicado em Portugal com umas das nossas corvetas.
[1]Ancorado no Tamisa desde 1971, o HMS Belfast continua a receber melhoramentos e introdução de novas atracções, várias de base tecnológica, permitindo uma maior aproximação do visitante àquilo que foi a vida a bordo para milhares de marinheiros britânicos e…uma lição de história.
«Não há outro navio como o HMS Belfast, nenhum outro navio retirado do serviço e actualmente visitável tem a história deste. Tomou parte num dos maiores combates navais da segunda guerra mundial; sobreviveu nas condições do Árctico ao apoio que a Grã-Bretanha prestou ao seu aliado, a União Soviética; foi um dos navios que iniciou a barragem de fogo prévia ao desembarque da Normandia; teve um papel importante no apoio à força das Nações Unidas durante a guerra da Coreia.
Não há também outro museu como este, nenhum outro oferece uma experiência tão ligada fisicamente à realidade, porque o visitante desloca-se nos mesmos espaços em que os marinheiros andaram durante a sua vida no activo».
Em tradução livre é assim que se inicia uma visita ao navio nas páginas do seu “guidebook”.
Vamos agora à visita pelos olhos do Operacional!
O “HMS Belfast” (*), classificado pela marinha britânica como “cruzador ligeiro” cumpriu 4 campanhas em combate – Cabo Norte e Árctico em 1943, Normandia em 1944 e Coreia em 1950-52 – e constitui hoje um dos 5 museus [2] da rede oficial “Imperial War Museums [3]”. Note-se que todos estes museus, embora oficiais, têm forte investimento privado, de associações, empresas e mesmo indivíduos. É um navio de guerra com 187m de comprimento (a título de comparação, as nossas fragatas “Vasco da Gama” têm 118m e o “Bérrio” 140m), estava fortemente armado com 12 peças de 6 polegadas (152,4mm) que atingiam alvos a mais de 23.000m, além de vário outro armamento como torpedos de 21 polegadas (dois lançadores triplos, retirados no final da 2.ª Guerra Mundial) e peças de vários calibres, nomeadamente as 6 torres de 2 canhões de tiro rápido de 4 polegadas (101,6mm), destinadas a atingir alvos de superfície e aéreos e as 12 peças anti-aéreas Bofors 40mm, instaladas após a 2.ª Guerra Mundial, em substituição de outras, podendo ser usadas em tiro “à vista” ou ligadas a um sistema de controlo de tiro com radar. Quer as peças de 6 polegadas quer as de 4, foram “standart” nos navios britânicos e da “Commonwealth” no período do segundo conflito mundial, com os primeiros a equiparem 35 navios, tendo depois, com a venda de navios a outras marinhas, servido um pouco por todo o mundo durante muitos mais anos.
O modo como o navio foi preparado para a finalidade actual pode-se dizer que abrange 3 vertentes principais:
– O navio em si ao longo dos seus 9 “decks” (com armamento, máquinas, os inúmeros compartimentos, da ponte de comando à prisão de bordo, no que se inclui monitores com animações explicativas);
– O modo como ali se vivia, trabalhava, combatia (com muitos e esclarecedores manequins e artefactos da época criando situações “reais” e bem assim como monitores que projectam filmes dos tempos em que o navio navegava e combatia), o que inclui por exemplo, a “gun turret experience”, na qual se simula com recurso a sons, filmes, vozes e alguns artifícios nomeadamente movimentos das peças, como se desenrolava a actividade da guarnição de uma torre com 3 peças de 6 polegadas;
– Um pequeno museu “HMS Belfast in war and peace”, onde se conta a história do navio e as principais batalhas em que participou. Este espaço tem vários mapas, obras de arte, “croquis” e objectos pessoais ou capturados, vários são dedicados aos combates que levaram ao afundamento do navio alemão “Scharnhorst” em 1943. Inclui também modelos que mostram com detalhe o navio, partes deste e outros, uniformes, fotografias e diversos artigos que ajudam a contar a história desta unidade naval que acabou, em boa hora e fruto do esforço de muitos, por escapar ao fim da esmagadora maioria dos navios de guerra: a sucata!
Em vários pontos do navio podemos tomar contacto, sobretudo via audio, com aquilo que os ingleses denominam “In their own words”, ou seja, sintéticas histórias sobre o local/equipamento/situação contadas por quem as viveu. Do mesmo modo o livro Guia do Museu, insere muitas dessas passagens, história viva longe da história apenas de reis, presidentes, generais ou almirantes e grandes personalidades.
O navio, depois de abatido ao serviço esteve destinado à sucata por desinteresse do governo em investir na sua musealização, prevendo-se apenas a salvação de uma torre tripla para o Imperial War Museum, Londres. Um conjunto de entidades privadas, muitos antigos militares, deputados e gente anónima, lançaram uma campanha de angariação de fundos e de vontades que conseguiu colocar o assunto no Parlamento. Estava criada uma associação que acabou por receber o navio das mãos do governo, salvar o navio e transformá-lo em museu. Esta associação abriu o HMS Belfast ao público em 1971 e assim o manteve até 1978 ano em que o Secretário de Estado da Educação e Ciência o integrou nos Imperial War Museums.
Como acontece em muitos museus no Reino Unido a sua manutenção é garantida quer pelas entradas cobradas – e o preço deste não é barato, 14,5£ para um adulto e 7,25£ para criança, preços básicos, há preços “com doação” – quer pelos lucros das lojas (este tem loja, bar/restaurante) – e muitos pelos mecenas que podem ser empresas, privados ou mesmo países! No HMS Belfast a Federação Russa – e isso está bem assinalado no navio – pagou parte da recuperação, em 2010, como forma de agradecer e honrar o esforço dos que participaram na campanha que permitiu manter a funcionar as linhas de comunicação naval entre os EUA e a União Soviética, a “artic supply route”, lutando em condições muito rigorosas “contra os ataques dos submarinos alemães, a sua aviação e, o pior inimigo de todos, o mar”.
A visita (para quem queira, naturalmente) decorre num circuito assinalado com vários pontos de interesse, todos eles com legendas afixadas e por vezes filmes ou projecções de animações alusivas e o bilhete de entrada permite o uso de um áudio-guia que debita muita mas mesmo muita informação.
(*) HMS, significa His ou Her Majesty’s Shyps, consoante o monarca britânico seja do género masculino ou feminino. É o correspondente ao nosso NRP (Navio da República Portuguesa), ou ao USS (United States Ship) entre muitos outros exemplos.
[4]O HMS Belfast foi lançado ao mar em 17MAR1938, na capital da Irlanda do Norte e entrou ao serviço da Royal Navy em 05AGO1939 um mês antes do eclodir da 2.ª Guerra Mundial (03SET39). Terminou o serviço activo em 1962 e abriu ao público no Tamisa, em 21OUT1971. O navio foi colocado num dos locais mais visitados de Londres, junto à Tower Bridge e à Tower Of London [5].
[6]As 4 torres triplas de “6 polegadas” conferiam um apreciável poder de fogo a este navio que foi (um minuto depois do primeiro!) o segundo a abrir fogo no “Dia D” (às 05:27 de 06JUN1944) sobre as guarnições alemãs de Ver-sur-Mer.
[7]A entrada para a visita tem lugar pela loja, café e restaurante.
[8]O sino, em prata, foi oferecido pelos cidadãos de Belfast em 22 de Outubro de 1948. A Navy devolveu o sino à cidade em 1962 quando o navio estava para ser abatido ao serviço e, em 1977 a cidade voltou a entregar o sino ao HMS Belfast, já museu!
[9]As 4 principais campanhas do navio (que participou em outras, na Europa e na Ásia). Escolta a navios mercantes que cruzavam o Oceano Árctico em direcção à União Soviética; A batalha que afundou o cruzador alemão “Scharnhorst”; o bombardeamento das defesas alemãs em França no “Dia-D”; patrulha e bombardeamento no Mar Amarelo.
[10]As bases navais que a Royal Navy utilizava em 1937, dois anos antes do segundo conflito mundial.
[11]O agradecimento da Federação Russa pelos tempos em que as guarnições do HMS Belfast contribuíram para manter abertas as linhas de comunicação navais entre os aliados ocidentais e a União Soviética. Navios mercantes escoltados sobretudo pela Royal Navy Home Fleet entregaram à URSS 6.714 carros de combate, 15.600 aviões, 85.000 veículos e 70 milhões de munições para armas ligeiras.
[12]É nesta torre em primeiro plano que se pode assistir ao “gun turret experience” , uma simulação do ambiente ali vivido durante a batalha do Cabo Norte…
[13]… com efeitos dinâmicos, fumos e projecção de filmes e luzes e audição de sons. Este recriação foi feita com base em testemunhos de sobreviventes da batalha.
[14]Muitos metros abaixo das torres, no penúltimo deck, os “sistemas de alimentação” das peças de 6 polegadas, um dos locais mais perigosos do navio, mas também dos mais protegidos pela sua localização.
[15]Os 22 homens que serviam em cada um destes paióis, sabia bem que em caso de serem atingidos em determinadas secções do navio, isto seria rapidamente inundado para evitar explosões, e tinham poucas possibilidade de sair com vida do local.
[16]Aspecto exterior de uma das torres triplas, a “A” que juntamente com a “B” estão junto da proa do navio, enquanto a “X” e “Y” estão na popa. Cada torre, em todo o sistema (daqui até ao paiol) era operada por 26 marinheiros.
[17]Um dos 6 torpedos de 21 polegadas que equiparam o navio até ao final da 2.ª Guerra Mundial, 3 em cada bordo eram disparados de lançadores triplos.
[18]Aspecto parcial da lavandaria a qual só foi construída em 1950, até essa data cada militar lavava as suas roupas.
[19]O posto de correios de bordo, autêntica estação de correios que servia uma guarnição de quase 800 almas.
[20]Muitos serviços médicos eram prestados a bordo, dos mais elementares…
[21]…a outros relativamente complexos, havendo também enfermaria de internamento a bordo.
[22]Seis pessoas trabalhavam nesta padaria, a qual em determinadas ocasiões, como na guerra da Coreia, abastecia outros navios mais pequenos da esquadra.
[23]Distribuição da Ração Diária de Rum, a “Up Spirits”! Durante a guerra da Coreia a tripulação consumiu 32.000 litros desta bebida e a bordo havia capacidade para transportar a quantidade necessária a três meses de mar.
[24]O navio tinha tudo o que se possa imaginar para manter a sua operacionalidade e da sua guarnição. Reparava-se e fazia-se de tudo um pouco de bandeiras a redes, cabos ou toldos e tinha uma componente comercial “não-oficial” na adaptação de fardas.
[25]A sala de reprodução de som, criada nos anos 50, local a partir do qual se emitia para todo o navio música e outras informações tipo emissora de radio civil.
[26]O “Captain” (Capitão-de Mar-e-Guerra) do navio tinha naturalmente instalações mais generosas que os restantes oficiais, mas nada de luxos. Várias vezes o navio transportava a bordo um Almirante, por exemplo quando servia de navio-almirante a uma esquadra, tendo este instalações próprias e mesmo uma sala de operações (na ponte) especifica para esta função operacional.
[27]Os camarotes de oficiais não eram grandes mas tinham ainda assim muitas condições…
[28]…quando comparados com os dos marinheiros. Nesta recriação das “messes de praças” durante a campanha do Árctico, estes viviam como no tempo de Nelson! Dormiam nestas redes e comiam nas mesas abaixo onde passavam também os tempos livres.
[29]Embora as missas regra geral tivessem lugar num deck com espaço, a capela mantinha-se aberta para quem ali desejasse ir rezar. A fonte baptismal (ao fundo à direita) é um sino invertido segundo tradição da Royal Navy. Esta capela ainda funciona ocasionalmente.
[30]Como não podia deixar de ser a maquinaria do navio é um conjunto de “arqueologia industrial” muito interessante e bem explicado através de monitores…
[31]…que permitem a quem se interesse perceber como funcionavam e eram controlados estes imponentes motores. Havia duas “salas de caldeiras” independentes (se uma fosse atingida o navio navegava na mesma com a energia a ser canalizada da outra) e o navio tinha 4 eixos propulsores, ligados a 4 turbinas com 20.000 cavalos de potência que permitiam uma velocidade máxima de 32 nós (a velocidade máxima das Vasco da Gama é de 28 nós).
[32]Uma das curiosidades do museu, uma raríssima máquina “Enigma” (emprestada pelo Museu das Forças Armadas da Noruega). O pedaço de projéctil à direita foi disparado pelo “Scharnhorst”, atingiu o HMS Norfolk e matou ou feriu seriamente 12 membros da sua tripulação.
[33]Infelizmente a componente naval do HMS Belfast está reduzida a esta foto.
[34]Um dos 6 reparos duplos Bofors 40mm destinados a defesa anti-aérea do navio. Eram normalmente controlados pelo “Close Range Blind-Fire Director” que podia usar o radar para detectar alvos.
[35]Em ambos os bordos estavam instaladas as armas para defesa contra alvos de superfície a curta distância e alvos anti-aéreos nos calibres de 100mm e 40mm. Tinha também várias metralhadoras pesadas.
[36]Um dos reparos duplos de 100mm, tendo como fundo o edifício mais alto de Londres (e da Europa), o “Shard”.