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REVISÃO DO ESTATUTO DOS MILITARES DA GNR

Passados quase seis meses sobre a não aprovação de revisão do Estatuto dos Militares da GNR (EMGNR) sem que tenham sido claramente esclarecidas as razões de tal ocorrência, afigura-se oportuno tentar uma explicação para o que sucedeu, embora não passe de um raciocínio meramente especulativo com base na experiência tida em anteriores processos de revisão legislativa atinentes à GNR.

Armas da Guarda nacional Republicana. [1]

Armas da Guarda Nacional Republicana.

Face ao que foi possível conhecer do processo, este só poderia ter culminado como realmente ocorreu, com um nado-morto e isto por diversas e variadas razões que desde o ponto de vista formal até ao plano substancial, não poderia ter conhecido outro resultado.

Assim e ao contrário do que foi veiculado, o Programa do XIX Governo não se propunha alterar o EMGNR, nem tal se indiciava necessário, ao invés do que sucedia com o Estatuto Profissional da PSP por força da sua exclusão da lei da Função Pública.

O que realmente o programa do governo preconizava era a alteração das Leis Orgânicas da GNRe da PSP com o objectivo da clarificação das atribuições e competências de cada uma das forças em razão da sua diferente natureza e, simultaneamente, uma melhor racionalização de meios e recursos das mesmas.

Nestes termos, importa ainda esclarecer que o EMGNR é uma decorrência de dois outros diplomas, a Lei de Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar (LBGECM) e a Lei Orgânica da GNR, ora como nenhuma destas leis foi alterada, parecia pouco adequado que se alterasse o EMGNR.

Situação diferente seria a de uma revisão do EMGNR, essa sim pontualmente necessária, até porque o Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR) havia sido recentemente revisto e o EMGNR tem com este grande afinidade por razões óbvias, o que não significa alteração, como acabou por ser proposta.

Esclarecidos estes pontos, passemos aos aspectos formais cujo desrespeito levariam a que só por si o projecto ficasse inquinado.

O facto de em simultâneo estarem a decorrer negociações entre a MAI e os sindicatos da PSP para alteração do respectivo estatuto, parece ter induzido em erro a tutela que,certamente, por desconhecimento terá tratado a GNR como se fosse uma força igual à PSP e as associações socioprofissionais da GNR como se tivessem um estatuto idêntico a sindicatos.

Ora ao invés do estatuto sindical que para além de outros direitos contempla o de negociação com o patronato, neste caso com o governo, as associações socioprofissionais dos militares são abrangidas por um regime naturalmente diferente, onde o direito neste âmbito se limita ao de audição, uma vez que cabe à hierarquia e ao correspondente dever de tutela, exclusivo do comando militar, o dever de defesa dos interesses dos subordinados, situação que não foi minimamente tida em consideração pela responsável da pasta da Administração Interna durante todo o processo de revisão do EMGNR.

Este entendimento, para além de ter afastado a hierarquia da GNR do processo, enredou-se em “negociações” com as diversas associações de militares da Guarda, onde cada uma tentou obter o melhor resultado para os seus associados, numa miríade de propostas e reivindicações de difícil compatibilização entre si e muitas delas incompatíveis com a natureza militar da GNR e a condição militar dos seus membros.

De entre as variadas propostas de alteração, relevam pelo seu significado todas as que excluem e omitem a palavra “militar”, “Corpo Especial de Tropas” ou “Soldado da Lei”.

Igualmente incompatíveis com a natureza da Guarda e a sua história se apresentaram aquelas que excluíam a aplicação à GNR do Código de Justiça Militar, do Regulamento de Continências e Honras Militares ou da Medalha Militar, deixando desta formaa Instituição desprovida destes importantes diplomas legais, não só para a sua natureza militar, mas também para o próprio cumprimento da missão.

Como se efectuariam no futuro as Guardas de Honra ou a prestação de Honras de Estado?

Mas mais absurdo ainda se apresentava a intenção inicialmente manifestada da alteração da fórmula do Juramento de Bandeira que em boa hora caiue a do Juramento de Fidelidade, cujo texto com as alterações propostas se transcreve para melhor elucidação do leitor:

Juramento de Fidelidade

“Juro, por minha honra, como português e como oficial//sargento/guarda, da Guarda Nacional Republicana, guardar e fazer guardar a Constituição e demais leis da República, cumprir as ordens e deveres (militares) de acordo coma as leis e regulamentos, actuar estritamente de acordo com a autoridade de que estiver investido, contribuir com todas as minhas capacidades para o prestígio da Guarda Nacional Republicana (deste Corpo Especial de Tropas) e servir a minha Pátria garantir a segurança dos cidadãos e assegurar o pleno funcionamento das instituições democráticas em todas as circunstâncias sem limitações, mesmo com o sacrifício da própria vida”.

As alterações cirúrgicas à fórmula deste juramento, retirando a palavra “militar” e “Corpo Especial de Tropas”, e procedendo ao acrescento de referências completamente desfocadas deste âmbito, são uma constante ao longo de toda a proposta, bem elucidativos da ignorância quanto à natureza militar da GNR e das intenções subjacentes às alterações preconizadas.

Um outro exemplo também bem significativo é o que se transcreve:

Artigo 10º (Deveres- princípios fundamentais)

Nº2 – O militar da Guarda está permanentemente disponível a defender a Pátria e a segurança dos cidadãos, mesmo com sacrifício da própria vida, o que afirma solenemente perante a Bandeira Nacional, em cerimónia pública”.

O aditamento do trecho “e a segurança dos cidadãos” na frase relativa ao dever de permanente disponibilidade para a defesa da Pátria, constitui uma inadmissível adulteração do significado do Juramento de Bandeira, colocando ao mesmo nível, a defesa da Pátria com a segurança dos cidadãos, como se de valores iguais ou equivalentes se tratassem. Somente a Pátria pode ser o destino de um juramento de sangue, donde cuja violação se justifica o qualificativo de traidor.

Ainda um outro exemplo, desta feita através da incorporação de uma remissão para uma lei inaplicável à GNR.

“Artigo 26º (Feriado)

Os militares que trabalhem em dia feriado obrigatório têm direito a um descanso compensatório com duração igual a metade do número de horas prestadas, previsto no número 2 do artigo 165.º da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas”.

A introdução deste normativo com a remissão para a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, é a prova mais evidente da descaracterização da condição militar. A remissão para uma lei de cujo âmbito de aplicação estão expressamente excluídos os militares, de que até o próprio preâmbulo da proposta se fazia eco, é no mínimo bizarro, não fora a demonstração do inequívoco afastamento da natureza militar que todo este projecto encerrava.

Em síntese e embora alguns intervenientes interessados tivessem posto a circular outras razões para a não aprovação do EMGNR, os dados disponíveis permitem afirmar que a proposta de alteração do Estatuto dos Militares da GNR, não poderia ter tido outro fim que não o que o Conselho de Ministros de Agosto passado lhe deu, a não aprovação.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2015

Carlos Manuel Gervásio Branco, Coronel (Res)

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