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RETRATOS DE UMA MISSÃO NA BÓSNIA (VI)

Esta série  de artigos – RETRATOS DE UMA MISSÃO NA BÓSNIA – já esteve para terminar, mas afinal o autor, deu-lhe seguimento. Ainda bem! José Manuel Araújo, que serviu 25 anos nas tropas pára-quedistas portuguesas, Sargento Pára-quedista desde 1984, integrou a primeira missão portuguesa na Bósnia e Herzegovina em 1996. Aqui fica a sua visão, a dois tempos descritiva mas também cómica. Hoje fala-se de fantasmas e de vícios!

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11 – O FANTASMA DE ROGATICA

O aquartelamento de Rogatica estava instalado no antigo Hotel Park. Edifício que tinha sido vandalizado e incendiado durante a guerra civil que fustigou a Bósnia e Herzegovina. Constava que o mesmo pertenceria a um muçulmano, o que deverá ser verdade e contextualiza a destruição, porquanto se situava numa área habitada pela facção sérvia. Ouviam-se também histórias de que os antigos donos teriam sido vitimas do ódio fratricida, dentro do próprio edifício, aquando da sua destruição.

Ora, um edifício com esse historial é sempre uma casa propícia a assombrações…! E, a verdade é que houve diverso pessoal que, durante a missão, foi atacado por espectros…Só que esse fenómeno era muito discriminador, pois só atacava as classes de sargentos e de oficiais…!

O mais famigerado dos espectros e que teve mais actividade paranormal, era um esqueleto…

Constava que o seu “pai” seria o Sargento de Reabastecimento que, qual Frankenstein, com esferovite tinha construído os seus diferentes ossos, que depois ligara com fios. E era ainda com um “sofisticado” sistema de fios que lhe dava vida. O fantasma procurava sempre locais escuros, nem que tivesse que remover as lâmpadas e atacava os incautos à noite, quando se retiravam para os seus aposentos. O sistema funcionava através de um fio ligado à porta do quarto da vítima. Quando era aberta, fazia accionar um peso que, também através de fios, fazia com que, no momento em que se ouvia o estrondo da queda do peso no chão, o fantasma surgisse defronte da vítima, ou viesse correndo, em direcção ao infeliz visado, sobre um fio esticado.

No registo das suas vítimas inclui-se o capelão, o médico, o comandante da Companhia de Comando e Serviços e o seu adjunto, para além de diversos sargentos que estavam aquartelados em Rogatica.

Dentre essas aparições uma foi ao Sargento de Comunicações, que tinha ido fazer uma rendição aos quatro meses de missão…O Sargento de Comunicações, que tinha participado na guerra do colonial, hilário, pescador, ribatejano com espírito satírico e larga experiência de vida, pareceria ser capaz de enfrentar, afoitamente, qualquer avantesma….!Uma noite, depois de terminar a normal “socialização” que, nas mesas do bar, se seguia ao jantar e ao café, o Sargento de Comunicações despediu-se com a habitual saudação de “até amanhã pessoal!” e dirigiu-se para o seu quarto, situado no segundo andar.

Teriam decorrido certa de três minutos, tempo necessário para chegar ao quarto (o hotel não tinha elevador !), e abrir a porta, quando se ouviu, bem alto e na pronuncia Ribatejana:

– Cabrão….!

O fantasma tinha voltado a atacar…

José Manuel Araújo

12 – O “RATO” DO TABACO

Quando os militares do 2BIAT embarcaram, para a missão IFOR, levaram consigo todos os meios necessários ao cumprimento da missão, mas levaram também outras coisas:

– Foram preparados com um arsenal de meios para combater o frio…

– Levaram tudo o que imaginaram lhes poderia dar algum conforto…

– Levaram, claro, consigo a “saudade”, esse sentimento luso que faz questão de nos lembrar que a distância se mede com dor…!

– E levaram , obviamente, todos os seus vícios…

Dentre esses vícios um, que é aceite socialmente, é o consumo de tabaco. Ora o tabaco é um vício com características muito particulares. Um fumador não é viciado no consumo de tabaco.Um “verdadeiro” fumador, é viciado no consumo de uma determinada marca de tabaco….!

Isso implicou que os fumadores fossem para a missão municiados de “volumes” de maços de tabaco, da sua marca de eleição. Só que, numa missão de seis meses, esses maços eram, obviamente, finitos. Por isso, os responsáveis pela “moral e bem estar” trataram de garantir à tropa, nos diversos aquartelamentos, disponibilidade de tabaco português. Mas conseguiu-se muito mais que isso…

O tabaco foi colocado à venda pelo seu valor, isento do imposto especial sobre o consumo. Ora, isso fazia com que o maço de cigarros custasse cerca de metade, do valor corrente em Portugal! E assim aconteceu que o consumo de tabaco foi aumentando exponencialmente…

Porque, face ao custo diminuto, houve militares, que já tinham deixado de fumar há alguns anos, que retomaram o vício (alguns regressaram com ele e ainda hoje continuam….!). E porque o tabaco “ajudava” a combater o stress da missão e a dor da saudade. E, como o tabaco era barato, ninguém se preocupou quando começaram a desaparecer maços de tabaco. E uma elevada percentagem, dos maços que desapareciam, eram, hábil e sub-repticiamente, surripiados dos bolsos dos fumadores….!

Ninguém parecia saber quem era o autor mas, os olhares acusadores direccionavam-se para o Sargento de Reabastecimento.

Até que um dia, os maços “raptados” apareceram, numa prateleira do bar, com um aviso que informava que, quem quisesse, poderia consumir, um cigarro de cada vez, gratuitamente. E confirmou-se que o autor dos raptos era o suspeito do costume…

Claro que, a partir daí, o pessoal passou a andar mais atento à aproximação do sargento, mas nem isso evitou que os “furtos” continuassem. Houve mesmo um caso em que um militar que estava no bar e tinha acabado de ver desaparecer um maço, se dirigisse ao balcão para comprar um novo e, quando retornou ao seu lugar, esse novo maço também já tinha desaparecido…!

E ninguém era imune. Ninguém…Expecto o Sargento-Ajudante da Companhia de Apoio ao Combate. E estava tão convicto da sua imunidade que foi capaz de dizer, ao Sargento de Reabastecimento, que nunca seria capaz de lhe surripilhar, um maço que fosse!

Ora isso era, obviamente, um desafio…

Mas o Ajudante da CAC era atento e perspicaz e nunca se distraia, quando estava por perto o Sargento de Reabastecimento. Até que um dia. O Ajudante estava em “missão no exterior do aquartelamento”, fazendo o “reconhecimento” de um bar local e não se apercebeu da entrada do Sargento de Reabastecimento no mesmo. Estava tão distraído, com os afazeres da “missão”, que só reparou no sargento quando ele estava de saída.

No dia seguinte estava um maço de cigarros em destaque, na prateleira do bar.

E, junto ao mesmo, um letreiro informava: “Modesta contribuição do Sargento Ajudante da CAC”…!

José Manuel Araújo

 

Leia aqui os cinco artigos anteriores desta série:
RETRATOS DE UMA MISSÃO NA BÓSNIA (I) 1 – INTRODUÇÃO; 2 – A CEIA DO COMANDANTE [2]

RETRATOS DE UMA MISSÃO NA BÓSNIA (II) 3 – OS SEMÁFOROS DE SARAJEVO; 4 – ALBERTO O CONCERTISTA [3]

RETRATOS DE UMA MISSÃO NA BÓSNIA (III): 5 – A MONDA DOS DENTES; 6 – O QUEIJO DA SERRA [4]

RETRATOS DE UMA MISSÃO NA BÓSNIA (IV): 7 – O ATEU-MOR; 8 – O WHISKY ITALIANO [5]

RETRATOS DE UMA MISSÃO NA BÓSNIA (V): 9- ADULTÉRIO; 10 – O CAMPEÃO [6]