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OPERAÇÃO «NEMA» (QUIPEDRO-ANGOLA):50 ANOS DEPOIS

Por • 9 Nov , 2011 • Categoria: 09. ONTEM FOI NOTÍCIA - HOJE É HISTÓRIA, EM DESTAQUE Print Print

«…As Tropas Pára-quedistas recompensam-se a si próprias, pois que, cada pára-quedista atinge a finalidade primeira e última de todo o militar – a glória

(Extracto do louvor concedido pelo SEA ao BCP 21)

INTRODUÇÃO
O autor, António E. Sucena do Carmo, pretende com este apontamento, assinalar e divulgar um importante acontecimento na história de uma das forças militares mais carismáticas de Portugal – os PÁRA-QUEDISTAS – facilmente reconhecidos pela sua inconfundível e mítica boina “verde caçador pára-quedista” e, pelas suas singulares “asas”, vulgarmente conhecidas por “brevê pára-quedista”.

Respeitados pela população que admira o seu garbo e o entoar dos seus cânticos guerreiros, as TROPAS PÁRA-QUEDISTAS constituíram, desde sempre, exemplo de profissionalismo e dedicação à Pátria.
É dentro deste escopo que esta força de escol comemora, no ano em curso, um incomensurável marco da sua capacidade profissional: a 11 de Agosto de 1961 realizaram o primeiro salto em combate, ou seja foram empenhadas por meio de um lançamento de pára-quedas.

Toda a história das unidades pára-quedistas é a história do combate em acção.

Toda a história das unidades pára-quedistas é a história do combate em acção.

O quinquagésimo aniversário desta inédita operação militar é, por isso mesmo, uma data gloriosa e notável que jamais poderia deixar de ser lembrada ou omitida dos anais das Forças Armadas Portuguesas.
Oficialmente criadas e organizadas em 1 de Janeiro de 1956, sob a tutela da FORÇA AÉREA PORTUGUESA (FAP), temperaram a sua capacidade de combate na guerra subversiva que enfrentaram nas antigas possessões portuguesas em África e, mais recentemente, em múltiplas outras missões nos mais diversificados cantos do mundo, desde a Bósnia-Herzegovina, Timor-Leste ou Afeganistão.
Toda a história das unidades pára-quedistas é a história do combate em acção. As inúmeras missões cumpridas com êxito absoluto são a encarnação da força vital do «soldado da terceira dimensão» e, exemplo inspirador e anímico para as restantes forças regulares que constituem os exércitos modernos.
Os HOMENS da boina “verde caçador pára-quedista” sentem, por isso, legítimo e profundo orgulho nas unidades que serviram e que ajudaram a erguer.
O número de pára-quedistas que participaram neste primeiro “salto em combate”, por força da lei da vida, já não é o mesmo. Mas os que ainda hoje podem gritar «presente» recordam, com alguma nostalgia que nas fileiras das unidades pára-quedistas e, em situações análogas, um sagrado pressuposto ainda prepondera: oficiais, sargentos e praças continuam, generosamente, a ser empenhados em combate, abandonando a aeronave pela mesma porta.

1961: distintivo oficial de qualificação pára-quedista. (Col. Sucena do Carmo)

1961: distintivo oficial de qualificação pára-quedista. (Col. Sucena do Carmo)

CONTEXTO HISTÓRICO
ANGOLA, 1961.
Acções armadas levadas a cabo por elementos do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) à Casa de Reclusão Militar (junto ao porto de Luanda), à Cadeia Civil (Luanda – S.Paulo) e ao aquartelamento da Polícia (estrada de Catete), no dia 4 de Fevereiro, foram dominados, apesar de algumas baixas nos efectivos policiais.
Contudo, a verdadeira vitrine da subversão é desencadeada, em 15 de Março, pela União dos Povos de Angola (UPA) com graves acções terroristas na parte Norte do território angolano: os colonos brancos e os trabalhadores de etnia bailunda, principalmente, são atacados com extrema ferocidade, e sem piedade, nas regiões do Quitexe, Quibaxe, Nova Caipemba, Bungo, 31 de Janeiro, Úcua, S. Salvador, Quipedro, Nambuangongo, Maria Teresa, Quicabo, Canda, Sacandica, Aldeia Viçosa e em tantas outras povoações e postos administrativos.
Perante as impiedosas chacinas destas populações locais, a Nação Portuguesa reage, fazendo uso das suas forças militares para restabelecer a ordem e combater a violência indiscriminada.
As TROPAS PÁRA-QUEDISTAS foram as primeiras forças especiais a embarcar para Angola, tendo chegado a Luanda em 17 de Março de 1961, ou seja, quarenta e oito horas após as primeiras acções armadas da UPA.
Este primeiro contingente tinha um efectivo de 52 soldados, era comandado pelo Capitão Pára-quedista COSTA CAMPOS e incluía os Tenentes ARAÚJO E SÁ e JOSÉ MANSILHA, o 2º Sargento MACHADO LOPES e os Furriéis BELCHORINHO, ROSADO e RIBEIRO PEDRO. Aterraram na Base Aérea Nº9 (Luanda), depois de uma longa viagem a bordo de uma aeronave LOCKHEED SUPER CONSTELLATION, e no dia 18, um pelotão reforçado segue para Carmona.
Nos dias que se seguem, mais forças pára-quedistas vão chegando a território de Angola, constituindo o Destacamento Avançado de Combate (DAC) cujos efectivos, mais tarde, iriam integrar o BATALHÃO DE CAÇADORES PÁRA-QUEDISTAS Nº21(BCP 21), activado e suportado pela Portaria Nº18464 de 8MAI61.
São estes pára-quedistas do BCP 21 que recebem a missão geral de suster a sublevação, proteger as populações ameaçadas, limpar os itinerários principais e libertar as pequenas povoações e fazendas cercadas pelos bandos da UPA. E, é com este cenário político-militar que é planeada, entre muitas outras, a Operação com o nome de código «NEMA», mas que se eternizou por “OPERAÇÃO QUIPEDRO”(1).

11AGO61: no primeiro salto em combate foi utilizado o conjunto de pára-quedas T-10 (principal) e T-10AR (reserva) de origem norte-americana.

11AGO61: no primeiro salto em combate foi utilizado o conjunto de pára-quedas T-10 (principal) e T-10AR (reserva) de origem norte-americana.

A FORÇA DE COMBATE: DADOS PRINCIPAIS
Nome de código: «NEMA».
Zona de acção/ZL: Região de Quipedro / ANGOLA.
Período: 11 a 21 de Agosto de 1961.
Missão: saltar de pára-quedas na Zona de Lançamento (ZL) – Quipedro – ocupar a povoação e eliminar as forças subversivas bloqueando a sua fuga para o Norte.
Aeronave de serviço: DOUGLAS C-54 “SKYMASTER”.
Pára-quedas usado: conjunto de pára-quedas de abertura automática T-10 e T-10 AR (2).
Força executante: 1ª COMPANHIA DE CAÇADORES PÁRA-QUEDISAS (1CCP) a três pelotões sob o comando do Capitão Pára-quedista João José Curado Leitão, com o seguinte pessoal (3):
OFICIAIS PÁRA-QUEDISTAS:
TEN/PARAQ MANUEL VERÍSSIMO (4) – Balizagem/Precursor; CAP/PARAQ Curado Leitão; TEN/PARAQ Ruivinho; TEN/PARAQ Mansilha; TEN/PARAQ Proença de Almeida.
2º SARGENTOS PÁRA-QUEDISTAS:
52/EP – FONSECA; 55/EC – SANTIAGO; 163/EP – LOPES; 75/A – OLIVENÇA; 89/A – AGAPITO.
FURRIÉIS:
189/EP – AMARO; 176/EP – BARREIRA; 182/EP – RODRIGUES; 131/EP – JOAQUIM COSTA; 247/EP – LEITÃO; 140/EP – XAROPE.
1º CABOS PÁRA-QUEDISTAS:
93/RD – NOBRE; 137/RD – GEADAS; 185/RD – LAURINDO; 208/RD – PACÍFICO PEREIRA; 254/RD – CANDEIAS; 261/RD – MENINO; 345/RD – PEREIRA; 346/RD – SERRA; 347/RD – ALBAROADO; 370/RD – ROSÁRIO LOURENÇO; 379/RD – AFONSO; 393/RD – RODRIGUES; 396/RD – GRILO; 229/59 – SERRANO; 97/59 – VAZ; 119/59 – AUGUSTO; 123/59 – TAVARES; 126/59 – GABRIEL; 134/59 – RIBEIRO; 168/59 – SANTOS; 611/A – INÁCIO; 602/A – NUNES.
2º CABOS PÁRA-QUEDISTAS:
16/RD – TEIXEIRA DA MOTA; 167/59 – ALMEIDA.

Depois de equipados e inspeccionados...aguardando a ordem de embarque.

Depois de equipados e inspeccionados…aguardando a ordem de embarque.

SOLDADOS PÁRA-QUEDISTAS:
73/RD – NATÁRIO; 251/RD – CARDOSO; 253/RD – ANJINHO; 342/RD – NUNES; 353/RD – OLIVEIRA; 346/RD – TAVARES; 369/RD – ESTEVES; 378/RD – AZEVEDO; 381/RD – COELHO; 384/RD – CÉRIS; 397/RD – ANTÃO; 398/RD – SILVA; 399/RD – PIRES; 405/RD – LOPES; 162/58 – PARREIRA; 219/58 – CARREIRA; 226/58 – GALHARDA; 1/59 – MATOS; 4/59 – BELCHIOR; 35/59 – TRINDADE; 36/59 – AUGUSTO; 37/59 – SOFIO; 47/59 – GONÇALVES; 50/59 – MACEDO; 551/59 – GUEDES; 54/59 – QUINTAS; 58/59 – CARRAZEDO; 59/59 – BADALO; 64/59 – BASÍLIO; 65/59 – SOARES; 68/59 – PEREIRA; 69/59 – MOREIRA; 70/59 – GONÇALVES; 19/59 – ROSA; 79/59 – CORREIA; 82/59 – PIRES; 83/59 – MARTINS; 84/59 – TERRAS; 90/59 – FERREIRA; 96/59 – SANTOS; 100/59 – CHINITA; 101/59 – FERNANDES; 103/59 – BAPTISTA; 116/59 – ESTEVES; 121/59 – FONSECA; 124/59 – GATO; 130/59 – NORTE; 131/59 – NUNES; 133/59 – ESTEVES; 142/59 – TEIXEIRA; 143/59 – FURTADO; 144/59 – BRITO; 145/59 – RIBEIRO; 157/59 – VEIGA; 148/59 – CERDEIRA; 159/59 – FIGUEIREDO; 173/59 – CALHEGAS; 174/59 – SILVA; 176/59 – SOUSA; 179/59 – BENTO; 186/59 – FELÍCIO; 189/59 – FONSECA; 200/59 – GONÇALVES; 202/59 – PALMA; 67/60 – DIAS; 75/60 – MACHADO; 145/60 – FIDALGO; 156/60 – NOVAIS; 49/61 – NUNES; 82/61 – ALVES; 113/61 – SIMÕES; 119/61 – MOURA LOPES; 130/61 – SERÔDIO; 133/61 – CARAPIÇO; 138/61 – SARABANDO.

Em direcção à aeronave de serviço - DOUGLAS C-54 "SKYMASTER" - embarcar!

Em direcção à aeronave de serviço – DOUGLAS C-54 “SKYMASTER” – embarcar!

Este flagrante ilustra de forma inequívoca as dificuldades de embarque com todo o equipamento de combate orgânico no DOUGLAS C-54 "SKYMASTER".

Este flagrante ilustra de forma inequívoca as dificuldades de embarque com todo o equipamento de combate orgânico no DOUGLAS C-54 “SKYMASTER”.

OBJECTIVOS PRINCIPAIS E ACÇÕES EXECUTADAS
Conforme documentos oficiais consultados, foram estabelecidos os seguintes planos e acções, a executar pelas aeronaves da FAP e pela 1CCP:
Reconhecimento aéreo;
Bombardeamento preparatório sob a proteção das aeronaves de ataque ao solo;
Lançamento em pára-quedas da 1CCP;
Reagrupamento da força lançada e tomada de uma posição defensiva;
Reabastecimento aéreo pelas aeronaves da FAP;
Construção de uma pista improvisada contínua pelos efectivos da 1CCP;
Incursões ofensivas sob o inimigo em diversas direcções;
Incursões ofensivas em direcção à progressão das forças regulares do Exército, facilitando-lhes o deslocamento motorizado;
Junção com as forças regulares do Exército;
Regresso à Base por via aérea.

Distintivo de identificação da 1CCP. (Col. Sucena do Carmo)

Distintivo de identificação da 1CCP. (Col. Sucena do Carmo)

Sobre o desenrolar da acção concretizada pela força pára-quedista, para além dos relatórios oficiais, os principais órgãos de comunicação social em Luanda fizeram eco e revelaram a gesta dos homens da 1CCP. São de salientar as reportagens do jornal “A Província de Angola”, de 15AGO61, com o título «DESTINO: QUIPEDRO – Lançada com inteiro sucesso a primeira operação de para-quedistas em pleno coração da região do Ambuíla»(pág. 8), e a reportagem da autoria de Sines Fernandes, publicada no jornal “O Comércio” de 11AGO61 com o título «OPERAÇÃO-RELÂMPAGO DOS «PARAS» SOBRE QUIPEDRO – O Comandante-Chefe General Deslandes acompanhou a «largada» que culminou em rápida progressão sobre o objectivo».
Contudo, para uma apurada e realista descrição do desenrolar da acção dos «páras», transcrevo integralmente o texto da autoria do Coronel Edgar Pereira da Costa Cardoso, extraído do livro «PRESENÇA DA FORÇA AÉREA EM ANGOLA» (edição da SEA publicada em 1963), reforçado parcialmente com os apontamentos do Major-General pára-quedista José Manuel G. Ramos Lousada:

A ACÇÃO FULGURANTE DA 1ª COMPANHIA DO BCP 21 EM QUIPEDRO
«A Operação de Quipedro, levada a efeito no dia 11 de Agosto, constitui uma acção inédita nesta província, por ser a primeira vez que os pára-quedistas foram empenhados no exercício da sua especificidade, isto é, por meio de lançamento de pára-quedas.
Na realidade, já anteriormente, e por diversas vezes, o pessoal que tem por bela legenda “Que nunca por vencidos se conheçam”, se tinha evidenciado – por forma tal que mereceu rasgado louvor do Secretario de Estado da Aeronáutica – na defesa e auxílio de povoações.
Depois da conquista de Nambuangongo, ou melhor, como consequência imediata deste facto, para evitar que os rebeldes se escapassem para o N. em direcção às regiões de Bembe e Caipemba, cabia à FAP, por intermédio das suas tropas pára-quedistas, a ocupação de Quipedro.
Em seu apoio, o destacamento de Cavalaria 149, que tinha atingido Nambuangongo às 10 horas do dia 10, continuaria a sua progressão até Quipedro, onde renderia e permitiria a recuperação da 1ª Companhia Pára-quedista.
A preparação a cargo da Aviação teve início a partir das 8 horas do dia 11, feita por sucessivas parelhas de PV 2 da Base Aérea nº9 e a partir das 11 por aviões T-6 do A.B.3 de Negage.
Antes do embarque, teve lugar o habitual “briefing” entre os pilotos e os comandantes dos diversos dispositivos tácticos P.-Q (pára-quedistas) referentes a horas de descolagem de lançamentos, sinais luminosos e todos os outros pormenores técnicos pertinentes.
Às 10 horas desse dia em referência, levantaram voo de Luanda os aviões C-54, que levavam as tropas pára-quedistas de combate, sob o comando do capitão Leitão.
A bordo do avião chefe seguia o Governador-Geral de Angola e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, general Venâncio Deslandes, acompanhado pelo general Silva Freire, Comandante da 3ª Região Militar, pelo brigadeiro Pinto Resende, Comandante de 2ª Região Aérea e pelos coronel tirocinado Armando Mera, comandante da B.A.9 e coronel tirocinado Deslandes, Chefe de Casa Militar do Governado-Geral.
Com antecedência de 30 minutos, um «Dornier» pilotado pelo tenente-coronel Neto, levando o major Alcínio, Comandante do B.C.P. havia levantado voo para indicar e localizar os objectivos aos PV-2, encarregados do apoio aéreo.

O Tenente pára-quedista Manuel Veríssimo foi o oficial responsável pela balizagem e marcação da Zona de Lançamento (ZL) de Quipedro.

O Tenente pára-quedista Manuel Veríssimo foi o oficial responsável pela balizagem e marcação da Zona de Lançamento (ZL) de Quipedro.

Por volta das 12 horas começou a efectuar-se o lançamento. Em primeiro lugar os elementos precursores – na qual ia o serviço médico e de enfermagem – a fim de fazerem a balizagem com telas fosforescentes e potes de fumo.
Esta equipa de balizagem, comandada pelo tenente pára-quedista Veríssimo, depois de colocado o sinal indicativo de “tudo bem”, que é o T com telas, todas da mesma cor, estabeleceu o quadro de resistência para protecção da balizagem e portanto garantia da continuidade dos saltos.
Seguidamente e em cada passagem pelo objectivo, foram lançadas as 9 secções de pára-quedistas que seguiam nos aviões. Deste modo, o comandante da Companhia lançou-se integrado num dos grupos. Finalmente foram arremessados os mantimentos, munições e medicamentos.
A acção prolongou-se até às 15 horas, quando se lançaram as 3 restantes secções embarcadas posteriormente, mantendo-se contudo o apoio aéreo até às 16 horas.
Uma vez em contacto com o solo, verifica-se a ausência absoluta de inimigo e resolve-se continuar para os efeitos de surpresa.
Em consequência disso a Companhia, adoptando o dispositivo táctico conveniente, dirige-se à povoação de Quipedro, que fica distante da zona de lançamento, cerca de 600 metros, a fim de a ocupar.
A preparação inicial pelo fogo dos aviões, ou o próprio ruído potente dos seus motores, puseram porém em debandada os terroristas, que em geral se acoitam nas ravinas cobertas de arvoredo, com toda a impunidade.»

11AGO61: por volta das 12 horas, as silhuetas das calotes do T-10 erguem-se nos céus de Quipedro. A esperança da vitória é agora uma certeza.

11AGO61: por volta das 12 horas, as silhuetas das calotes do T-10 erguem-se nos céus de Quipedro. A esperança da vitória é agora uma certeza.

«…Desta maneira Quipedro foi encontrada completamente deserta e totalmente arrasada.
Por entre aquela desolação e no eloquente silêncio das graves depredações, como sinal da anterior existência humana, encontraram-se oito viaturas automóveis (a que foram retiradas cuidadosamente os pneus), incendiadas com gasolina, numa amálgama de ferro calcinados e à beira dos edifícios desmoronados.
Numa rápida e sequente incursão por uma mata próxima, foi encontrado imenso imobiliário, escondido numa casa abandonada e intacta. Havia camas, mesas, cadeiras, frigoríficos, máquinas de escrever e tudo o que constitui recheio de habitações que foram vítimas da pilhagem e da chacina.
A Companhia de Pára-quedistas dormiu essa noite em Quipedro, onde se instalou, com o aproveitamento melhor possível daqueles salvados, sem o mais pequeno incómodo ou vestígio de hostilidade. Só no dia imediato, por volta das 6 horas da manhã, quando foram buscar água a uma ribeira próxima, se avistaram as máscaras negras e estarrecidas dos rebeldes.

Na orla do mato, absolutamente surpreendidos e sem compreenderem o que se tinha passado, os terroristas ainda tiveram a veleidade duma reacção contra os “homens do capim”, que caíram do céu, sem se aperceberem de tal. Umas oportunas rajadas de metralhadora determinou uma súbita retirada em pânico para os recessos do matagal densíssimo, onde a cada passo surge uma emboscada e em cada árvore há um ardil.
Provava-se assim que fora mantido o segredo das operações e que desta feita o misterioso “telégrafo” da selva não fizera ouvir os seus ecos de tambor, e não surtira efeito.
O comandante Leitão mandou então que um pelotão fizesse o reconhecimento de duas sanzalas próximas, onde se puderam encontrar algumas grandes habitações cobertas a chapas de zinco ou de alumínio ondulado, e em cujas ruas – onde pululavam animais domésticos – se viam bicicletas e alfaias agrícolas, que a precipitação não permitiu levar. Igualmente se verificou que não tinha sido inutilizada qualquer estrada circunvizinha, tal fora o efeito da surpresa.

Conquistados e reocupados todos os objectivos, as tropas pára-quedistas procedem à destruição das infraestruturas que acoitavam as hordas da UPA.

Conquistados e reocupados todos os objectivos, as tropas pára-quedistas procedem à destruição das infraestruturas que acoitavam as hordas da UPA.

Num dos maiores edifícios, foi descoberto o Quartel-General dos terroristas, onde se apanharam no Gabinete do Comando, devidamente referenciado, varias guias de marcha para os comandantes de agrupamentos instruídos militarmente, bem como relações de medicamentos enviados pelos hospitais da UPA e muita outra documentação confidencial de particular interesse.
Desta forma pode-se já afirmar que a operação de Quipedro teve real significado – no seu fulgurante desenlace – constituiu penetrante dardo cravado em pleno coração da organização terrorista no Congo, onde a cafeicultura constitui uma das principais fontes de receita da área setentrional angolana e, por isso mesmo sujeita, às vicissitudes da vaga subversiva.
Continuando o relato, verifica-se que no dia imediato a Companhia continuou a sua progressão mais para Norte, onde procedeu à destruição de várias choupanas e à sua remoção para fora da povoação, para dar início à preparação duma pista (que baptizou significativamente de «QUI-PÁRAS»), para utilização dos aviões carregados do seu reabastecimento e estabelecimento de comunicações.
Nesses 500 metros de terreno, rapidamente alisado e preparado, aterrou, mais tarde, o tenente-coronel Neto, num Dornier, depois de lançar de pára-quedas o major Alcino, Comandante do Batalhão, que vinha de viva voz felicitar o seu pessoal pelo bom êxito da operação.
Depois deste trabalho de construção, objectivo primordial, começaram as acções de limpeza, dividindo-se os pelotões 1º e 3º, comandados pelos tenente Ruivinho e Proença, em direcção ao rio local. O primeiro estabeleceu contacto com o destacamento de Cavalaria enquanto o outro procedeu a uma exploração que durou 14 horas através dos capinzais, onde estiveram sujeitos a toda a casta de ciladas, que só não se verificou pela desorientação causada nos rebeldes com o efeito inesperado dos “boinas verdes”.
No terceiro dia após o lançamento deu-se a substituição de Companhia de Pára-quedistas em Quipedro, por forças do Exército.

Militares pára-quedistas limpam o terreno e constroem,num tempo recorde, uma pista improvisada de aviação que carinhosamente é baptizada de «QUI-PÁRAS».

Militares pára-quedistas limpam o terreno e constroem,num tempo recorde, uma pista improvisada de aviação que carinhosamente é baptizada de «QUI-PÁRAS».

De salientar que nessa manhã, os 2º e 4º pelotão, comandados pelo tenente Mansilha e sargento Fonseca, tinham realizado idênticas acções de patrulhamento e vigilância, tendo um deles conseguido fazer um prisioneiro, que declarou não comer há 4 dias, pois a maior parte da sua alimentação principal não pudera ser evacuada das sanzalas.
Finalmente é curioso referir, que o 1º e 3º pelotão fizeram a marcha de “Qui-Páras”, para Quipedro sem serem molestados, não se verificando o mesmo com os elementos avançados do Destacamento de Cavalaria que se deslocou em coluna auto, em sentido inverso, já que além de terem sido recebidos com intensa fuzilaria, encontraram a picada obstruída.
Há uma explicação plausível para o facto. As forças pára-quedistas deslocaram-se a pé, em articulação adequada, fluída e elástica, acautelando as ciladas traiçoeiras, enquanto as viaturas têm de se imobilizar. É precisamente quando os seus ocupantes são obrigados a pôr o pé e terra, que os rebeldes atacam traiçoeiramente e fazem vítimas.
Convém aqui especificar que os rebeldes, naquelas inóspitas paragens, usam uniformes constituídos por calções azuis, com listas brancas ou vermelhas; têm preparação militar, pois devem estar enquadrados por agitadores profissionais estrangeiros ou renegados e dispõem de material e armamento moderno, com armas automáticas. Nesta altura de guerrilha confirma-se igualmente a sua astúcia na preparação de emboscadas e, ao mesmo tempo, o conhecimento que têm do aproveitamento das dobras do terreno. A par destas formações organizadas, existem, como é óbvio, as hordas de indígenas menos evoluídas que só dispõem de catanas e canhangulos que, sendo só eficientes a pequena distância, têm contudo efeitos terrivelmente devastadores. Seja como for todos se irmanam na sua ferocidade, revelada em actos de vandalismo, que trazem à superfície os primitivos instintos de selvajaria e barbárie.»

Militares de uma unidade regular do Exército confraternizam com um pára-quedista em Quipedro. A chegada desta unidade permitiu a recuperação da 1CCP para ser empenhada noutras missões de combate.

Militares de uma unidade regular do Exército confraternizam com dois militares paraquedistas; ao centro, com equipamento de ginástica, o então 2.º sargento paraquedista Manuel Agapito. A chegada desta unidade do Exército a Quipedro permitiu a recuperação da 1CCP para ser empenhada noutras missões de combate.

RESULTADOS PÓS-COMBATE OBTIDOS PELAS TROPAS PÁRA-QUEDISTAS / FORÇA AÉREA(5):
No plano técnico – Neutralização, pelos bombardeamentos aéreos preparatórios e pela acção das aeronaves de protecção de acções imediatas do inimigo;
Forças pára-quedistas colocadas na área prevista, sem baixas ( foi registada uma única fractura);
Reorganização rapidíssima após chegada ao solo dos “páras”;
Reabastecimento aéreo imediato;
Construção em tempo recorde de uma pista improvisada («QUI-PÁRAS»).
No plano táctico – Total surpresa sobre as forças inimigas;
Considerável efeito psicológico e sua debandada;
Auxílio na progressão das forças regulares do Exército;
Junção com as forças regulares do Exército;
Recuperação integral das Forças Pára-quedistas por via aérea.

QUIPEDRO (ANGOLA), 11AGO-21AGO61: A MISSÃO FOI CUMPRIDA COM ÊXITO TOTAL.

António E. Sucena do Carmo – AGO/NOV de 2011.

NOTAS:
(*) O logotipo alusivo ao 50º Aniversário do primeiro salto em combate (não oficial) é da autoria de António E.S. Carmo, tendo sido executado graficamente por Everaldo Guilmann. Registado, o seu uso não é permitido sem autorização expressa do sítio electrónico «operacional.pt» e do autor.

(**) As fotografias reproduzidas pelo autor são da colecção privada do Coronel Pára-quedista Manuel Claudino Martins Veríssimo, sendo alusivas à Operação «NEMA»/Quipedro.
(1) Segundo testemunhos militares da época, o primeiro lançamento em combate por meio de pára-quedas chegou a estar previsto para a região de Nambuangongo.
(2) Mais tarde foram gradualmente substituídos pelo conjunto de pára-quedas de origem francesa EFA/TAP 665 e EFA/TAP 669.
(3) O autor está a elaborar esta listagem com os nomes completos e respectivos números de pára-quedista militar de todos os intervenientes do primeiro salto em combate da 1CCP.
(4) O Tenente Pára-quedista Manuel Claudino Martins Veríssimo foi o oficial responsável pela balizagem e colocação das telas com a letra “T” na ZL de Quipedro.
(5) Apontamentos manuscritos do Major-General Pára-quedista José M. G. Ramos Lousada, oficial-general responsável pela elaboração da história oficial do BCP 21.
SUPORTE DOCUMENTAL:
– MACHADO, Miguel A. Gabriel da Silva e António E.S. Carmo, TROPAS PÁRA-QUEDISTAS PORTUGUESAS 1956-1993, Edição dos Autores, Lisboa, 1993, ISBN 972-95847-0-2
– HISTÓRIA DAS TROPAS PÁRA-QUEDISTAS PORTUGUESAS, Volume 1, CTAT, s/data, Tancos, Edição do CTAT/BAI
– LOUSADA, José M.G. Ramos, APONTAMENTOS SOBRE A HISTÓRIA DO BCP 21 (ANGOLA), 1994 (manuscrito)
– CARDOSO, Edgar Pereira da Costa, PRESENÇA DA FORÇA AÉREA EM ANGOLA, Edição da SEA, 1963
– Arquivo privado de Miguel Silva Machado & António E. S. Carmo
– Jornal “A PROVÍNCIA DE ANGOLA”, Agosto de 1961
– Jornal “O Comércio”, Agosto de 1961

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