logotipo operacional.pt

O QUE ANDAM OS MILITARES A FAZER?

Por • 22 Abr , 2015 • Categoria: 11. IMPRENSA Print Print

De quando em quando em Portugal passam-se coisas estranhas, daquelas que não lembram a ninguém, ou pelo menos não deviam. Depois, discretamente, tudo continua com o “normal funcionamento das instituições”! Vem este desabafo a propósito da “comunicação institucional” envolvendo o envio de militares portugueses para o Iraque, país que mais uma vez tem o condão de criar embaraços em Portugal.

Tropas portuguesas no Afeganistão. As decisões de empenhamento de das Forças Armadas nas missões exteriores nunca estiveram, até agora, a coberto de qualquer segredo militar ou político.

Tropas portuguesas no Afeganistão em 2012. As decisões de empenhamento das Forças Armadas nas missões exteriores nunca estiveram, até agora, a coberto de qualquer segredo militar ou político.

Um americano em Portugal

Foi notícia por estes dias – Diário de Noticias, 21ABR2015 – que um alto representante da administração americana, o embaixador Brett McGurk, de passagem por Portugal, deu uma entrevista na televisão pública portuguesa – RTP1, 16ABR2015 – onde anunciou que militares portugueses iam ministrar instrução ao Exército Iraquiano e que tal era um contributo muito apreciado pelos EUA. Em aparente resposta ao “Diário de Notícias” o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, por sinal a partir de Washington, informou através da LUSA que realmente era verdade e que «…decisão sobre o envio de militares portugueses para o Iraque foi tomada na reunião de 16 de dezembro de 2014 do Conselho Superior de Defesa Nacional, tendo na altura sido avançada a contribuição de Portugal com um contingente de “até 30 militares” durante este ano…». Ainda no despacho da LUSA pode ler-se: «…como decorreu de uma declaração do Conselho Superior de Defesa Nacional (CSDN), as forças armadas portuguesas vão facilitar a preparação e capacitação das forças armadas iraquianas perto de Bagdad. Esse é um esforço muito concreto na formação do exército iraquiano, que é uma das estratégias no combate ao ISIS … …O ministro dos Negócios Estrangeiros não revelou outros pormenores sobre a missão, confirmando apenas que estão envolvidos 30 militares e que a sua partida está iminente… …”Está publicada a parte que deve ser conhecida. Os militares já estão a ser preparados para esta missão”, disse Rui Machete…».

Nesta notícia decorrente das declarações do ministro há aspectos que merecem alguma reflexão.

Secretismo inédito

A “Nota informativa” do CSDN de 16/12/2014, refere sobre este tema “«…o Conselho analisou e deu parecer favorável a uma missão de assistência e apoio, no âmbito OTAN e à possibilidade de participação na coligação multilateral no Iraque, no quadro da formação e treino militar…». Em português, a possibilidade de participação é o mesmo que participar? E como tem sido noutros casos? Vamos ver:

A “Nota informativa” do CSDN de 24/03/2014, refere, «…O Conselho deu parecer favorável à proposta do Governo sobre o empenhamento de Destacamentos das Forças Armadas em missões no exterior do território nacional, em 2014, de que se sublinham:

• O reforço de 5 militares na missão de treino da União Europeia no Mali;

• A redução de 60 militares na missão da OTAN no Afeganistão;

• As seguintes novas missões:

o Missão de policiamento do espaço aéreo da Lituânia, no âmbito da OTAN, com o emprego de 6 F16 e um efetivo de 70 militares, durante 4 meses;

o Missão de apoio na República Centro Africana, no âmbito da União Europeia, com o emprego de uma aeronave C-130 e 47 militares, durante 1 mês, ficando os meios estacionados em Libreville, no Gabão;

o Missão de apoio às operações de segurança para neutralização das armas químicas da Síria, no âmbito das Nações Unidas, com o emprego de uma aeronave P3C e um efetivo de 22 militares, no Mediterrâneo.»

Claro que podíamos dar muitos outros exemplos, e até alguns de detalhe quase exagerado dados os efectivos em presença, como o decorrente do CSDN de 6 de Fevereiro de 2013 que refere, na respectiva “Nota informativa”: «…Há a acrescentar o destacamento de sete militares, para integrarem a Missão de Treino da União Europeia na República do Mali, com a duração prevista de um ano e meio…».

Perante esta falta de informação actual, contrária ao que vinha sendo seguido desde há anos, e bem, muitas perguntas se podem colocar, mas parece-nos que as duas primeiras seriam:

1. Porquê, neste caso concreto, não divulgar publicamente a missão?

2. Porquê a alusão à NATO se quem está a combater o ISIL é uma coligação “ad-hoc” liderada pelos EUA (Operação Inherent Resolve)? Ou então o comunicado foi mal redigido e essa seria outra missão (a do Exército na Lituânia? Da Força Aérea na Roménia?). Aliás o comunicado não se refere a nenhuma missão liderada pelos EUA, como é a presente.

Meias-verdades ou mesmo…?

A NATO não lançou qualquer operação de formação do Exército Iraquiano, embora vários países da NATO lá estejam, na operação Inherent Resolve, que é americana, envolve unidades de combate e centros de formação e treino.

Interessante analisar o que fazem a este respeito os espanhóis (note-se que segundo o “Diário de Notícias” de 21ABR15, embora se desconheça se isto é informação confirmada oficialmente ou não, os portugueses vão ficar numa base cuja responsabilidade de segurança, e certamente logística, é espanhola e americana). A propósito de uma visita do Ministro da Defesa ao Iraque, em 7 de Março de 2015, à Base de Besmayah (a 30 km de Bagdade) «…realizó ayer una visita al contingente desplegado en Irak como parte de la coalición internacional de lucha contra Daesh… … España, bajo el mando del coronel Julio Salom, tiene actualmente 250 militares desplegados en la coalición internacional para la lucha contra el Daesh que permanecerán seis meses en Irak… … De los 250, hay siete mandos en el Cuartel General de Kuwait, dos en el Cuartel General terrestre de Bagdad, dos en el Cuartel General de Operaciones Especiales en Bagda, 30 militares del Mando de Operaciones Especiales en la Unidad de Adiestramiento de Operaciones Especiales en la capital, 204 militares de la Brigada de la Legión como Unidad de Adiestramiento y Fuerza de Protección.

A ellos, se les unen cinco militares del Ejército del Aire como equipo de control aerotáctico (TACP).

España lidera el Building Partner Capability (BPC) de Besmayah, uno de los cuatro centros de estas características desplegados por la coalición en Irak. Los otros tres están liderados por Alemania (en Erbil), Australia (Taji) y Estados Unidos (Al Asad).

El cometido principal de estos BPC es adiestrar a 12 brigadas iraquíes que se incorporarán a las unidades actualmente desplegadas en las operaciones contra el Daesh. Cada BPC debe adiestrar tres brigadas en ciclos de adiestramiento de siete u ocho semanas cada uno.

La unidad de operaciones especiales ya está enseñando a los iraquíes en cursos de francotirador, comando, selección y comunicaciones. El 7 de marzo está previsto que el BPC de Besmayah alcance su capacidad operativa plena y lidere la formación, labor que hasta ahora comparte con Estados Unidos…».

Transparência

Note-se ainda como este ministério do país vizinho anunciou a missão, modo aliás que não difere muito em termos técnicos do habitualmente seguido pelo CSDN no sentido que detalha a força, embora muito diferente na transparência e divulgação pública, que passa desde logo pelo Parlamento, o que a nossa lei não obriga, bem sabemos:

«…España ha decidido integrarse en la coalición internacional para la lucha contra el Daesh, acudiendo al llamamiento de las Naciones Unidas. En este contexto, el ministro de Defensa compareció en el Congreso de los Diputados el 22 de octubre de 2014 para pedir autorización en el envío de instructores en apoyo a las Fuerzas Armadas iraquíes. El Consejo de Ministros del 26 de diciembre de 2014 autorizó la participación de las Fuerzas Armadas españolas en cometidos de “adiestramiento y capacitación” de las Fuerzas Armadas iraquíes. Con un número máximo en torno a los 300 efectivos, el personal se integra en los cuarteles generales de la coalición, unidades de adiestramiento para una Brigada de las Fuerzas Armadas iraquíes y unidades de apoyo y protección de la fuerza…» E continua detalhando os componentes da força espanhola.

Não se percebe a não divulgação pública das decisões tomadas no CSDN como a falta de informação sobre a força não tem qualquer razoabilidade nem é seguida por países aliados e amigos. Todos os governos assumem esse compromisso com os eleitores, informar sobre o que mandam fazer às suas Forças Armadas, salvaguardando naturalmente questões de segurança, as quais aqui, como é evidenciado acima – e vários outros exemplos podiam ser dados – não se colocam. Não estamos perante uma missão secreta de resgate de reféns ou de evacuação de cidadãos de um país em convulsão com ameaça imediata sobre vidas humanas, que justifiquem a afirmação, contraditória aliás, do ministro dos negócios estrangeiros português …”Está publicada a parte que deve ser conhecida. Os militares já estão a ser preparados para esta missão”. Se houvesse necessidade de secretismo não se devia então falar sobre ela e muito menos informar que a força está quase preparada! E aqui levanta-se mais uma vertente desta problemática.

Informação pública militar & jornalismo de defesa

Os militares naturalmente receberam ordem da tutela para não divulgar a preparação da força, ao contrário do que sempre fazem – o Ministério da Defesa Nacional e não o Ministério dos Negócios Estrangeiros note-se, é quem define a política de informação pública das Forças Armadas. Embora fosse um “segredo de polichinelo” no meio militar – há sempre um amigo que está na força e acaba por falar, há mudanças de unidade para integrar o contingente em preparação, reuniões, etc, etc – a realidade é que as Forças Armadas cumpriram, o Exército em particular, e conseguiram manter o segredo durante meses.

Se o embaixador americano não viesse dar esta entrevista à RTP – quem gosta de teorias da conspiração pode dizer que foi propositado para “apressar” Portugal, mais preocupado politicamente com as questões relativas à Base das Lages – que não levou, aliás, a nenhuma tomada pública de posição pelo governo; se o “Diário de Notícias” não “pega no caso”, pode questionar-se, quando seria divulgada a nossa efectiva participação no Iraque?

Por outro lado, o modo como a agência LUSA transmitiu as declarações do MNE parecem no mínimo pouco informadas, limitando-se a transcrever o que foi dito sem qualquer questão que levasse ao esclarecimento, por exemplo, do aqui referido sobre motivos do segredo e alusão/confusão com a NATO.

Conclusão

No CSDN foi tomada a decisão de não divulgar esta missão no Iraque ao contrário de todas as outras missões exteriores. Se a iniciativa foi do Presidente da República ou do governo certamente nunca saberemos, e o mais provável também é que nunca seja divulgado o motivo.

Não deixa de ser curioso que o Iraque tem sido, desde a nossa intervenção em 2003 com a Guarda Nacional Republicana, motivo de decisões estranhíssimas. Desde logo as decorrentes do Presidente da República de então ter uma opinião diferente do governo sobre o conflito, mas também outras que passaram despercebidas, como o regresso inopinado dos últimos militares do Exército que ali estavam em Janeiro de 2009, abandonando a missão de treino da NATO que então ali funcionou.

A transparência nesta temática da Defesa Nacional e Forças Armadas em Portugal tem um longo caminho a percorrer para nos equipararmos às democracias ocidentais e por vezes, como no caso presente, parece que regredimos.

Os serviços de informação pública militares cumprem, como se vê com rigor, as directivas políticas, o que naturalmente é típico dos regimes democráticos, mas pode ter efeitos perniciosos na imagem que a opinião pública tem das Forças Armadas, julgando-as inactivas e desnecessárias.

A quase ausência na imprensa portuguesa de jornalistas especializados em questões de Defesa Nacional e Forças Armadas, conhecedores de todas as suas envolventes – em vários países são tantos que até têm associações profissionais – e a pouca atenção que editores e directores prestam a esta temática, proporcionam alguma “impunidade” quer dos agentes políticos, quer por vezes também dos militares, numa área que é de superior interesse nacional.

As Forças Armadas, mais uma vez, actuando como vector da política externa portuguesa vão ser empenhadas num teatro de operações exterior onde riscos não faltam. Não está aqui em causa uma qualquer decisão administrativa, estamos a falar de enviar uma força, com Estandarte Nacional, para uma guerra que está a ser travada contra um “Estado” responsável pelas maiores barbáries que há nota em muitos anos, fazendo-o de modo continuado. Os nossos militares correm os riscos inerentes, podem ter que matar ou ser mortos ou feridos. Servem também para isso mesmo, portanto nada de invulgar para os que partem. Foram treinados, muitos têm experiências similares anteriores e espera-se que estejam pelo menos razoavelmente equipados. O Estado tem obrigação de criar as condições materiais ideais para que cumpram as missões e tem também, no nosso entender, a obrigação moral, patriótica, de mostrar aos portugueses o que andam os seus militares a fazer.

 

"Tagged" como: , , , , , , ,

Comentários não disponíveis.