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O “10 DE JUNHO” COMO DIA DAS FORÇAS ARMADAS

Portugal é como sabemos um país dado a originalidades e onde não raras vezes somos confrontados com situações difíceis de explicar pela falta de razoabilidade. Acontece em muitos aspectos da nossa vida como país e também na área “politico-militar”. Agora que se aproxima o “10 de Junho” vamos tentar explicar o que é, hoje, o “Dia das Forças Armadas” e como aqui se chegou.

Ni período da Guerra do Ultramar o "10 de Junho" era uma jornada de exaltação patriótica, militares e seus familiares eram homenageados. [1]

No período da Guerra do Ultramar o "10 de Junho" era uma jornada de exaltação patriótica, militares e seus familiares eram homenageados.

No período que antecedeu o 25 de Abril de 1974, a 10 de Junho, mais concretamente a partir de 1963 – dois anos depois do inicio da luta anti-subversiva em Angola – realizava-se uma cerimónia militar, na Praça do Comércio / Terreiro do Paço, em Lisboa. Foi até 1973 o ponto alto das comemorações do Dia de Camões, de Portugal e da Raça, Feriado Nacional, e ocasião para homenagear os portugueses que combatiam em África. Esta enorme parada militar ficou na memória de muitos uma vez que ali se impunham condecorações por feitos em combate. Às unidades que se haviam distinguido, aos militares de todas as patentes quer aqueles que cumpriam o serviço militar obrigatório quer os dos quadros permanentes e aos familiares daqueles que morrendo no campo de batalha, recebiam as distinções a título póstumo.
Doloroso para uns, motivador para outros, era um dia de exaltação patriótica.
Semelhante aliás ao que a generalidade dos países fazem, não faltando exemplos do reconhecimento público àqueles que combatem pelo seu país e aos seus familiares. Para aqueles que julgam ser isso coisa do passado ou de países atrasados, recorda-se que depois do casamento do neto da Rainha de Inglaterra, em Abril de 2011, a sua mulher, foi colocar o bouquet de flores que havia usado na cerimónia, no túmulo ao Soldado Desconhecido.
Aqueles que morrem em operações ao serviço do seu país, não devem, não podem, ser confundidos com regimes ou simpatias partidárias. Aqueles que caíram no antigo Ultramar Português bem assim como os que depois de 1991 morreram em países estrangeiros nas novas missões das Forças Armadas Portuguesas, eles e as suas Famílias, de todos, merecem público reconhecimento. Estavam lá em nome de Portugal.

Os feitos em combate na defesa do Ultramar eram lembrados anualmente Cerimónia Militar do 10 de Junho em Lisboa. [2]

Os feitos em combate na defesa do Ultramar eram lembrados anualmente Cerimónia Militar do 10 de Junho em Lisboa.

Cerimónias militares comemorativas
Depois de Abril de 1974, a identificação do “10 de Junho” com a guerra em África levou os novos governantes (militares e civis) a cancelarem a cerimónia militar e as comemorações do “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas” (designação oficial desde 1978), foram “desmilitarizadas”. Sendo o 10 de Junho a data da morte de Camões, embora este fosse apelidado de “defensor do colonialismo” por alguns, ainda assim, com a normalização política que se ia verificando, o seu nome foi mantido.
Neste período pós-revolucionário, a data do 25 de Abril, levado a cabo por uma parte das Forças Armadas mas rapidamente identificado com estas, passou a ser, juntamente com o 25 de Novembro (data em que as forças ditas revolucionárias foram derrotadas pelas ditas democráticas), a data em que as Forças Armadas efectuavam uma grande cerimónia militar. Mas não só, o Estado-Maior General das Forças Armadas organizou em 1978 (Lisboa – Estádio do Restelo), um 1.º Festival de Bandas Militares, certamente inspirado pelos grandes “tatoos” militares ingleses, e que foi descrito como “…uma esclarecedora mensagem a nível Nacional e, sobretudo, num poderoso traço de união entre as corporações militares e militarizada… …a mensagem de agrado e necessidade que o Festival mostrou possuir, foram equacionados e resolvidos pela unânime crítica elogiosa que, de todos os quadrantes da comunicação social, publicamente nos chegaram. E, isto tudo… …um gasto total que não atingiu os 200 contos…”, em “Nota de Fecho ” da Revista Baluarte (do EMGFA) pelo capitão-tenente Manuel Pinto Machado. Em 1979 o Festival realizou-se no Porto (Estádio das Antas) e repetiu-se depois em outras cidades (Coimbra em 1980;Évora em 1981; voltou a Lisboa em 1982, para coincidir com um grande evento internacional; Setúbal em 1983; Braga em 1984; Faro em 1985; Viseu em 1986; Tomar em 1987; Funchal em 1988; Maia em 1989; Setúbal em 1990; Guimarães em 1991; Ponta Delgada em 1992; Vila Real em 1993 – ano em que se passa a designar “Festival Militar”; Porto em 1994; Caldas da Rainha em 1995), mas note-se bem que apesar da grande visibilidade pública destes eventos não eram o “Dia das Forças Armadas”. Estes “tatoos”, que eram muito mais do que um Festival de Bandas Militares, uma vez que incluíam demonstrações dos três ramos e das forças de segurança (Guarda Nacional Republicana, Policia de Segurança Publica e Guarda Fiscal), não tinham data fixa, realizaram-se habitualmente em Junho ou Julho e ocupavam vários dias. Os Ramos, por seu lado, assinalavam os seus dias festivos também em Julho (1 – Força Aérea; 8 – Marinha; 25 – Exército), havendo por isso uma grande concentração de cerimónias militares de carácter nacional num espaço de tempo muito reduzido.
Certamente para tentar alterar este estado de coisas, em 1984 por decisão do Conselho de Chefes de Estado-Maior, iniciou-se o procedimento de assinalar rotativamente no dia de um dos ramos, o Dia das Forças Armadas, cabendo a “primeira edição” desta nova modalidade, à Marinha, em Setúbal, com a presença do Presidente da República. Em 1985 coube ao Exército, em Mafra, igual comemoração, em 1986 à Força Aérea em Monte Real e assim sucessivamente, ano após ano, num sistema rotativo, muitas vezes fora de Lisboa, até ao ano de 2002.
As cerimónias do 25 de Novembro foram sendo remetidas para o interior dos quartéis e em breve deixaram de ter lugar. A 25 de Abril, anualmente, mantiveram-se durante muitos anos as “Comemorações Militares” com uma parada dos três ramos, ocasião para o CEMGFA dirigir uma mensagem pública às Forças Armadas, com a presença do Presidente da República. Passada mais de uma década também esta cerimónia comemorativa foi remetida apenas para o interior da Assembleia da República, tendo-se apenas voltado a este “figurino” de uma grande parada militar em Lisboa, no 30.º aniversário, em 2004.

Nos anos 80 e inicio dos anos 90 do século XX as cerimónias militares do Dia das Forças Armadas, percorreram o país.... [3]
Nos anos 80 e inicio dos anos 90 do século XX as cerimónias militares do Dia das Forças Armadas, percorreram o país….

....e desenvolviam um enorme conjunto de actividades de grande impacto na população. [4]
….e desenvolviam um enorme conjunto de actividades de grande impacto na população.

Dia das Forças Armadas
Em 2003 por resolução do Conselho de Ministros de 7 de Fevereiro, “É instituído o Dia das Forças Armadas, cuja celebração ocorrerá a 24 de Junho, data em que se evocam os aniversários da Batalha de São Mamede e do nascimento do Condestável D. Nuno Álvares Pereira. As cerimónias e actividades do Dia das Forças Armadas realizam-se no sábado imediato posterior àquela data, sempre que a mesma não coincida com este dia da semana“.
O mesmo documento legal que foi publicado em Diário da República, explicava os objectivos deste evento e os motivos da data: “A criação, em novos moldes de um Dia das Forças Armadas visa precisamente realçar essa ideia de conjunto e, em obediência ao espírito da reforma que o Governo quer propor à sociedade portuguesa, significar que umas Forças Armadas conjuntas e integradas representam mais do que a soma dos seus componentes… … A escolha da data de 24 de Junho tem um duplo significado histórico. Nesse dia, travou-se a Batalha de São Mamede, que marca uma fronteira primordial da nossa vida como nação independente. Esse é, também, o dia em que, em 1360, nasceu D. Nuno Álvares Pereira. Assim, não só se faz alusão a esse momento de afirmação nacional que foram as nossas primeiras lutas pela independência, como se evoca uma figura ímpar, de homem e de militar, que foi o Santo Condestável, cuja brilhante acção de comando permitiu alçar ao trono a dinastia de Avis.
Primeiro, Guimarães (2003), depois Viseu (2004) e por fim Estremoz (2005), foram as cidades que receberam esta Cerimónia Militar na qual, perante o Presidente da República, o CEMGFA usava da palavra. Na última destas cerimónias o Ministro da Defesa de então ( Luís Amado) decidiu também discursar e a cerimónia teve assim um protagonismo dividido.

O primeiro Diadas Forças Armadas versão 2003/2005 tinha um programa modesto. Esperava-se a prazo que o "Dia" dos ramos perdessem relevância e este assumisse grande impacto nacional.
O primeiro “Dia das Forças Armadas” tinha um programa modesto. Esperava-se a prazo que os “Dia” dos ramos perdessem relevância e este assumisse grande impacto nacional.

Estremoz, 2005. O último Dia das Forças Armadas comemorado de modo autónomo. [5]
Estremoz, 2005. O último Dia das Forças Armadas comemorado de modo autónomo.
Estremo, 2005. Neste formato o Presidente da República estava presente mas não usava da palavra. Cbia ao CEMGFA a alocução e em 2005 o MDN também discursou, retirando-lhe esse "exclusivo". [6]
Estremoz, 2005. Neste formato o Presidente da República estava presente mas não usava da palavra. Cabia ao CEMGFA a alocução e em 2005 o MDN também discursou, retirando-lhe esse “exclusivo”.

10 de Junho, Dia das Forças Armadas?
Em 2006 com a chegada à Presidência da República de Aníbal Cavaco Silva, nova alteração neste cerimonial tem lugar. Como já aqui referimos em tempos nestas páginas, “…alguma coisa mudou na divulgação pública das Forças Armadas. Um desses aspectos foi o empenhamento da Presidência na organização da participação das Forças Armadas no Dia de Portugal de Camões e das Comunidades Portuguesas… … Cavaco Silva inicia uma nova época, em boa verdade há muito desejada pelos militares, de associar as FFAA ao Dia de Portugal com todo o simbolismo que isto acarreta. Mais, assumiu a divulgação activa das suas funções de Comandante Supremo das Forças Armadas. A exposição mediática da instituição aumentou consequentemente e sem dúvida o conhecimento que os portugueses têm das Forças Armadas e das missões que desempenham. Desde logo com as visitas a alguns dos teatros de operações exteriores onde os militares portugueses se encontram – embora se saibam as limitações que as próprias forças multinacionais colocam a estas visitas, o Afeganistão ainda está em falta – e também com visitas a unidades, sempre bem divulgadas e, acima de tudo, o «10 de Junho» com uma cerimónia militar de grande dimensão. Ao contrário, o Dia das Forças Armadas, sempre teve muitas resistências e pautava-se pelo mínimo que conferisse dignidade ao evento“.
Não sendo “de jure” o Dia das Forças Armadas – esse por incrível que possa parecer continua a existir mas não é comemorado, cá está uma das particularidades nacionais – acaba por ser na prática o dia em que o conjunto Marinha, Exército e Força Aérea, e desde 2010, também os “antigos combatentes”, são homenageados pela mais alta figura do Estado que também é por força da lei, Comandante Supremo das Forças Armadas.

Desde 2006 que apenas o Presidente da Republica discursa na Cerimónia Militar do 10 de Junho [7]
Desde 2006 que apenas o Presidente da República discursa na Cerimónia Militar do 10 de Junho
Em Faro no 10 de Junho de 2010, pela primeira vez desde o fim da Guerra do Ultramar os antigos combatentes participaram na cerimónia desfilando. [8]
Em Faro no 10 de Junho de 2010, pela primeira vez desde o fim da Guerra do Ultramar que terminou em 1975, os antigos combatentes participaram na cerimónia militar.

Exposição mediática
A homenagem ganha expressão nacional pela exposição mediática que lhe é conferida. Esta no entanto, do nosso ponto de vista, terá muito a melhorar. A cerimónia militar tem ampla cobertura nacional – o que é positivo – mas o formato escolhido deverá ser aperfeiçoado. Nomeadamente na televisão pública, a RTP, que cobre o evento em directo com meios técnicos e humanos importantes, mas com resultados aquém do que será possível com este forte empenhamento. Desde logo porque, nos últimos anos, tem sido opção (militar?) colocar 4 porta-vozes a falar “à vez” com um jornalista, estando este – pelo que se tem visto – pouco familiarizado com as questões militares. O resultado é que grandes blocos de tempo da cerimónia militar não são mostrados nem explicados – afinal o que se está a passar no terreno? – estando a reportagem centrada nesta “mesa redonda” com entrevistas a decorrer regra geral sobre assuntos de cariz politico-militar com os porta-vozes numa quase competição para “puxar” pelo seu ramo e demonstrar a justeza das sua opções em compras de material ou execução de missões. Não raramente o jornalista de serviço pede ainda aos militares que comentem as afirmações do Presidente da República no seu discurso…como se deve calcular, qual será a resposta?
Isto será perfeitamente evitável no nosso entender se estiverem reunidas três condições simples:
1. Deve haver um porta-voz militar único;
2. Deve ser explicado o que está a acontecer na cerimónia e para isso nada mais simples do que colocar o som do “speaker” da cerimónia ligado à transmissão televisiva quando necessário e, aqui sim, se houver algo que não seja entendível, o porta-voz militar pode explicar do que se trata; Isto é notório no desfile, umas das partes mais interessantes da cerimónia para quem “gosta disto”, em que é imprescindível o espectador saber em casa quem está a desfilar e não andarem com a imagem literalmente a saltar para a frente e para trás não se sabendo se a imagem corresponde ao som ou não;
3. Previamente gravar com alguns dos intervenientes (o comandante das forças em parada, um sargento porta-guião heráldico, um soldado atirador de infantaria, ou outros) pequenas peças de reportagem, em que estes militares respondam a questões simples sobre as suas missões, de modo a estas peças poderem preencher tempos mortos e evitar a tal “conversa politico-militar” que pode ter interesse debates em estúdio mas não aqui.

O Apagamento Público das Forças Armadas
O “10 de Junho” é e pode ser ainda mais um eficaz momento de divulgação da “coisa militar” em Portugal e contribuir para a criação de uma forte ligação entre os portugueses e as suas Forças Armadas. Não é difícil perceber com o fim do Serviço Militar Obrigatório, passando agora pelas fileiras uma minoria de jovens portugueses, esses laços se vão rapidamente esbatendo.
Paradoxalmente no entanto este novo formato de comemoração pode estar por outro lado a reforçar o “apagamento” progressivo das Forças Armadas, por via do seu silenciamento institucional. Na realidade nos dias de hoje, quando se caminha para o “conjunto” e em que toda a legislação aponta nesse sentido, o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas “foi calado”! Em nenhuma ocasião anual o CEMGFA usa da palavra numa cerimónia pública de âmbito nacional, facto que só acontece desde que o Dia das Forças Armadas deixou de se comemorar. Aquele que é o principal conselheiro militar do Ministro da Defesa Nacional e tendencialmente o comandante das Forças Armadas, não tem essa oportunidade: transmitir ao país, como o fazem por exemplo os chefes dos Ramos – e alguns como o da Marinha mais do que uma vez por ano (Dia da Marinha e Abertura do Ano Operacional) – aquilo que é a sua visão sobre as Forças Armadas.

A comunicação directa do CEMGFA com a opinião pública de um modo institucional está agora limitada aos conteúdos da página na internet do EMGFA. [9]

A comunicação directa do CEMGFA com a opinião pública de um modo institucional faz-se hoje (apenas) através dos conteúdos da página na internet do EMGFA. Pode ser uma boa ferramenta mas será suficiente?

Desde 2006, com o novo formato “10 de Junho”, apenas o Presidente da República discursa. Não deixa de ser curioso por exemplo que em 24 de Junho de 2009, uma única vez nos seus dois mandatos como CEMGFA (2006 a 2011), o General Valença Pinto sentiu a necessidade de assinalar o Dia das Forças Armadas e divulgou publicamente uma mensagem “por ocasião do Dia das Forças Armadas”, na qual abordava o momento que então as Forças Armadas viviam quer no âmbito externo quer interno, nomeadamente as reformas em curso na sua organização.
Há quem ache bem e há quem ache mal. Uns pensam que compete aos políticos e apenas a eles a defesa pública da “coisa militar”; outros, ao contrário, que os militares têm a obrigação para com os seus compatriotas de o fazer directamente, sem intermediários a filtrar aquilo que pensam. Nós estamos neste último grupo e achamos mesmo que parte importante do apagamento das forças armadas da cena pública – os exemplos são muitos e certamente voltaremos a este tema – se deve também a ser a primeira destas visões a quem tem vingado nas últimas décadas nas mais variadas ocasiões.

Miguel Silva Machado


Sobre este tema leia também: SOBRE O “10 DE JUNHO MILITAR” E A RTP [10]