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MAIS “BOTAS NO CHÃO”, MENOS PESSOAL “NO RESTELO”!

Por • 3 Set , 2012 • Categoria: 08. JÁ LEMOS E... Print Print

Quer isto dizer que as mudanças que se venham a fazer nas Forças Armadas deverão ter como objectivo deslocar pessoal para as unidades operacionais dos três ramos e não aumentar os efectivos nos estados-maiores. Será isto possível?capa-fundacao-oliveira-martins
Vem este texto a propósito de um documento intitulado «Defesa Nacional – Uma análise integrada – Fevereiro de 2012», que circula pela internet e que terá sido elaborado por uma “Fundação Oliveira Martins“. Até já foi citado em editorial do “Diário de Noticias” (24AGO12 – “Os números e a realidade“) para justificar a suposta desproporção entre os efectivos militares portugueses e de alguns países aliados.

A ideia de um estudo comparativo com países aliados é certamente boa. Mas como bem sabemos as comparações parciais podem servir para se provar alguma coisa que se pretenda antecipadamente, mas não será a melhor maneira se chegar a uma solução séria. É aliás muito usual em Portugal este tipo de situações, comparar o detalhe estrangeiro que interessa e esquecer o universo sem o qual o detalhe nunca seria o que é.

Olhando para o citado documento, lêem-se uns comentários simpáticos sobre as Forças Armadas – «existem evidências de que a performance operacional dos nossos militares se encontra num nível elevado» – mas logo «infelizmente, o mesmo não se passa em termos de gestão e afectação de recursos humanos e financeiros».

Depois dizem ao que (supostamente) vêm, o que em linhas gerais será comparar indicadores portugueses com estrangeiros escolhidos pelos autores e «Propor um redimensionamento do Sistema de Forças Nacional, com ideias concretas sobre a reutilização dos recursos que ficariam disponíveis». Assim dito, criou-nos boas expectativas. A leitura no entanto, logo muito cedo, não podia ser mais decepcionante.

Vão aparecendo as banalidades do costume timbradas com umas frases actuais – pooling and sharing, como se quem não tem nada para dar possa receber seja o que for – e ideias antigas com novas roupagens mas muitas delas de alcance claro, criar novos lugares (civis) e entregar trabalho a entidades externas:
«Modernizar a estrutura do MDN…outsourcing»;
«Criar uma equipa permanente para intervenção junto da NATO»;
ou
Criar uma «força de acção rápida para missões de interesse público» (já não bastava a GNR ter uma destas estruturas, agora também as Forças Armadas);
«Atribuir maior prioridade à Formação para a Cidadania». Esta medida, então é de bradar aos céus…haverá lugar em Portugal onde este ensino seja mais marcante e praticado que na instituição militar? Ou isto pressupõe a contratação de professores exteriores? Quem?

Adiante, a parte respeitante ao Sistema de Forças, aquela que nos despertou a atenção porque é normal nos países aliados serem difundidos os planos respectivos e, tratando-se de um estudo comparativo, ficou-nos essa expectativa, de ver comparadas capacidades efectivas e/ou necessárias.
Mas, surpresa:
«Novo equilíbrio entre pessoal civil e militar – reforço de civis origina custos menores e racionalização de métodos de trabalho – continuidade». Quer dizer, quando os países aliados estão a cortar o número de civis nas suas estruturas da Defesa, nós vamos aumentar a sua percentagem? A título de exemplo, o Reino Unido espera cortar 25% deste pessoal nos cargos de “staff”; Espanha vai cortar 600 civis mas espera deixar de necessitar de 5.000; Itália vai cortar 10.000 em 30.0000. Ora se é “voz corrente” em certos meios que em Portugal há oficiais e sargentos em excesso fruto da redução do número de soldados que se vem concretizando ano após ano e de modo mais marcante desde o fim do SMO, porque não utilizar estes quadros em funções na Defesa Nacional. Sendo certo que os civis dão mais continuidade nos lugares, isso nem sempre é positivo e têm a desvantagem de serem praticamente inamovíveis mesmo não sendo necessários num determinado lugar. Aos militares basta passar-lhes uma guia-de-marcha e determinar-lhes outra colocação. Não se veja aqui qualquer preconceito contra os civis da Defesa Nacional e Forças Armadas, são certamente necessários e úteis, agora não se queira é “despedir” militares quando eles podem e devem ser usados em cargos que podem perfeitamente desempenhar. Isto se se provar que são necessárias mais pessoas em lugares de “staff”. Estude-se o assunto com seriedade (*).

Aqui, mais uma vez, no sistema de forças – não se concretiza nada – mas faz-se apelo à «Aquisição de serviços não nucleares – Outsourcing».
Seguem-se no entanto duas verdades sobre as quais estamos em completo acordo.
«Novas tecnologias potenciam redução de efectivos»;
«Estrutura do Orçamento (conter o peso dos custos com pessoal, aumentando as disponibilidades para treino, intervenção e equipamento)».
E um aspecto que só vendo a proposta em concreto (que não aparece) se poderá emitir uma opinião:
«Organização e simplificação da cadeia de comando».

Segue-se depois um grande volume de informação que não é possível comentar com seriedade. São os «Indicadores comparativos» de Portugal com alguns países aliados, com destaque para Espanha, Holanda e Reino Unido, mas em algumas ocasiões, não se percebe bem porquê, aparecem outros como França, Grécia e Alemanha.
E não é possível comentar com seriedade desde logo porque no respeitante a Portugal os dados reportam-se a 2009 (ao Anuário Estatístico da Defesa Nacional). Não é sério analisar efectivos e orçamentos em 2012 com dados ainda não afectados pelas medidas anti-crise e pelas medidas da “troika”, parte das quais já foram implementadas no meio militar, nomeadamente cortes de efectivos, promoções e orçamentos. Não é por outro lado referido muitas vezes a que ano se reportam os dados dos países comparados. Outros dados nacionais são aludidos como sendo do “Military Balance” de 2010 (se Portugal não tem elementos estatísticos oficiais – os últimos são efectivamente de 2009, como os tem o Military Balance? São certamente estimativas).

Note-se ainda que os países com os quais se fez a comparação têm uma dimensão muito diferente da nossa em todos os aspectos, militares, demográficos, económicos e outros. São, todos, potências médias (o Reino Unido até é uma potência nuclear!) com forças armadas de dimensão e capacidades muito mas muito superiores às nossas. Foi-se comparar o incomparável em vez de optar por países europeus de dimensão semelhante à nossa.

Mas decorrentes destas estranhas comparações, aparecem no entanto as primeiras propostas concretas:
«Aumento do número de civis de 21 para 25%»
«Aumento dos salários, por via do aumento do número de pessoal qualificado» e
«com base na presente simulação, propõe-se um redimensionamento do quadro de efectivos de 44.000 para cerca de 28.000 (incluindo civis)».

Ou seja, havendo uma carência de soldados nas Forças Armadas Portuguesa – fruto de reduções consecutivas desde 2004 – e eventual excesso de pessoal dos quadros permanentes e de postos mais elevados – a solução é exactamente aumentar o número de pessoal qualificado. Nós precisamos é de mais “botas no chão” – militares nas unidades operacionais – não de mais pessoal nos lugares de comando e direcção.

E lá vem a conversa habitual, tanta vez dita pelos responsáveis da Defesa e tantas vezes com efeito contrário:
«A introdução de um programa de libertação de recursos nas Forças Armadas permitiria remunerar e qualificar melhor os recursos efectivamente necessários e libertaria orçamento para investir em equipamentos, conservação e treino».

Digam-me o que se poupou para investir quando se implementou os 4 meses de “tropa”? Quando se alienaram dezenas e dezenas de instalações militares, muitas nas principais cidades de Portugal? Quando se transferiram as tropas pára-quedistas para o Exército? Quando se extinguiu o serviço militar obrigatório?

Não só não se poupou nada como daqui não decorreu qualquer investimento em termos de remuneração, qualificação e de equipamento é discutível. Como se fosse possível “remunerar melhor” os militares deixando de fora os outros servidores públicos!

Os números desta secção do documento são de tal ordem irrealistas, que às tantas propõe-se que em 10 anos a Marinha fique com 5.000 efectivos (actualmente terá cerca de 9.500, mas no estudo dizem que tem 10.300). Compararam-se efectivos com outras marinhas e chegou-se a este número, 5.000. Esquecendo que neste caso talvez fosse melhor comparar então, o número de navios que devemos ter para proteger uma determinada área de oceano, comparando aqueles (n.º de navios) e esta (área) com os tais outros países. Quem está atento à imprensa especializada internacional não terá dúvida, mesmo empiricamente, em apostar que o número de navios da nossa Marinha devia era aumentar!

O resultado final das comparações apontam para uma redução acentuada de efectivos e a redução/despedimento de 16.500 militares, motivo porque se sugerem as seguintes ocupações para esta “mão-de-obra” disponível:
«Segurança de instalações (escolas, tribunais, org. públicos); Formação de Segurança; Serviços de Informação da República; Polícia Judiciária; Protecção Civil; Florestas; Actividades de Apoio Social; Apoio a entidades de natureza social; Cuidados de Saúde; Jovens em Risco; Países sub-desenvolvidos e em desenvolvimento; Extensiva a Civis; Treino para jovens – Comportamental»
Como se pode ver isto é uma sugestão “realista” e de “fácil concretização” (ainda por cima nestes tempos de “pleno emprego”). Imagine-se, apenas, o que dirão os sindicatos respectivos perante a possibilidade de absorver os ex-militares nestas áreas?

Depois tem mais uns quadros, mas…afinal sobre o dito Sistema de Forças, nada aparece! Esperava-se que nos dissessem que capacidades devíamos ter (com os efectivos propostos por eles próprios), quantos quartéis-generais, qual a capacidade submarina e qual a capacidade oceânica da Marinha, por exemplo, e por aí adiante o mesmo para Exército e Força Aérea, mas nada.

Voltamos ao princípio, a ideia de um estudo comparativo com países aliados é certamente boa mas tem que ser bem feito e só assim servirá de inspiração para o caso nacional.

Simplificando muito (**), podemos dizer que só quando o novo Conceito Estratégico Militar for aprovado saberemos o que o poder político quer que as forças armadas façam. Será então possível definir qual o Sistema de Forças que o vai cumprir, quais as capacidades militares que devemos ter nas Forças Armadas. E que unidades (navios, batalhões, esquadras de voo) são necessárias para manter tais capacidades e assim chegar ao efectivo para as guarnecer. É assim que se fazem as contas e não começando pelos efectivos.


(*) Em 2005 foi feito um estudo, «Projecto de Reestruturação do EMGFA», logo depois “metido na gaveta”, que dizia ser possível, para as missões então atribuídas a este órgão, reduzir substancialmente o pessoal ali em serviço.

(**) O Ministro da Defesa Nacional actual aliás, em documento recente que foi divulgado, explica este ciclo: «…no intuito de conferir coerência a este processo de racionalização, já determinou o Governo a revisão da documentação enquadrante de Defesa Nacional, nomeadamente o Conceito Estratégico de Defesa Nacional, para que decorrente da sua aprovação, em tempo, seja iniciada a sequente revisão do Conceito Estratégico Militar, das Missões das Forças Armadas, do Sistema de Forças Nacional e finalmente do Dispositivo de Forças, num processo que se deseja coerente e rápido…»


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