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INVASÃO DE PLAYA GIRÓN (CUBA): O 1º BATALHÃO DE PÁRA-QUEDISTAS DA BRIGADA DE ASSALTO 2506 (1ª PARTE)

INTRODUÇÃO / NOTA DO AUTOR

Neste artigo vamos relembrar a gesta de uma unidade pára-quedista, maioritariamente composta por cidadãos cubanos exilados nos EUA, e que integrou os elementos de manobra da BRIGADA DE ASSALTO 2506 na histórica invasão de Playa Girón (1), em 17 de Abril de 1961: o 1ºBATALHÃO DE PÁRA-QUEDISTAS.

A invasão de Playa Girón (também conhecida por “Baía dos Porcos”) que este ano comemora o seu 48º aniversário (a data é festejada tanto em Cuba… como nos EUA!), foi uma operação militar de grande envergadura em que cerca de 1500 paramilitares anti-castristas, treinados, equipados e orientados pela Agência Central de Inteligência – CIA(2) tentaram tomar o poder em Cuba, derrubando o “Governo Revolucionário” de Fidel Castro.

A operação, com apenas três dias de combates, foi um fiasco, tendo o grosso dos “brigadistas” sido capturados pelas unidades regulares das Milícias Nacionais Revolucionárias, Exército Rebelde e da Policia Nacional Revolucionária.

ENREDO HISTÓRICO

Depois de alguns meses de intensa actividade militar (1956-1959) contra as Forças Armadas do Presidente Fulgêncio Batista y Zaldívar (um ex-sargento de transmissões que liderou um golpe de estado em Março de 1952, derrubando o Presidente Carlos Prio Socarras), as colunas guerrilheiras chefiadas pelo advogado Fidel Alejandro Castro Ruz, descem a mítica Sierra Maestra e iniciam a sua caminhada para a vitória total.

Este triunfo consolida-se em 1 de Janeiro de 1959 e os “barbudos” tomam as rédeas do poder e da administração central.

Para os EUA, país habituado a intervir em Cuba desde o princípio do século XIX, este facto significou não só uma derrota moral como também a perda de Cuba como colónia.

Confrontada com as reformas radicais do Governo Revolucionário (reforma agrária; expropriações; nacionalizações; campanhas de alfabetização; generalização de assistência médica; elevada consciência política; forte espírito de independência nacional) e temendo que estas reformas se tornassem uma fonte de inspiração para outros países da América Latina, a administração norte-americana enerva-se e opta pela hostilização aberta e grosseira: corte da quota açucareira, proibição do fornecimento de petróleo e derivados, corte de créditos, etc.

Após um curto encontro do Primeiro-Ministro Fidel Castro com o Vice-Presidente Richard Nixon, em Nova Iorque (1959), em que este o tratou com arrogância e o classificou como “comunista”, porque interpretou como um desafio as suas afirmações de que «…Cuba podia manter boas relações com esse país (os EUA), porém sem submissão…», o Presidente Dwight D. Eisenhower não perde tempo, e ordena o planeamento de acções armadas encobertas e a preparação de uma força de combate para invadir a Ilha e derrubar o seu “Governo Revolucionário”.

Entretanto as tensões agravam-se, e os dois países acabam por cortar relações diplomáticas em 3 de Janeiro de 1961.

Distintivo de identificação da BRIGADA DE ASSALTO 2506 (Reprodução comemorativa) [1]

Distintivo de identificação da BRIGADA DE ASSALTO 2506 (Reprodução comemorativa)

APRESTAMENTO DA FORÇA DE COMBATE

Recrutando voluntários no seio da comunidade cubana de exilados nos EUA, a CIA utilizou como base de operações e treino da futura força invasora, diversos locais. Com este exclusivo propósito foram utilizados os seguintes:

INFANTARIA: Louisiana e Miami (EUA); Useppa – Fort Gullick (zona do Canal do Panamá); herdade/fazenda “Helvetia” (Base TRAX) – a base principal e Quetzaltenango (Garrapatenango) em território da Guatemala.

MARINHA: Nova Orleans (EUA) e Ilha de Vieques (Porto Rico).

FORÇA AÉREA: Puerto Cabezas (Happy Valley) em território da Nicarágua; Retalhuleu (REU) em território da Guatemala; Opalocka – Miami (EUA).

TROPAS PÁRA-QUEDISTAS: herdade/fazenda “La Suiza” (Halcón) e Quetzaltenango e/ou Garrapatenango (3) em território da Guatemala.

Com uma orgânica decalcada dos manuais das Forças Armadas dos EUA, constituiu-se uma unidade de escalão Brigada que algum tempo depois adopta a designação oficial de BRIGADA DE ASSALTO 2506 (4).

Para desenvolver o seu plano de ataque, os “brigadistas” obtiveram avultados recursos humanos e materiais:

– Pessoal combatente: 1511 homens;

– Carros de combate M-41 Walker: 5 unidades;

– Viaturas de 2 ½ toneladas equipadas com metralhadoras de calibre 12,7mm: 10 unidades;

– Veículos ¼ tonelada, tipo “Jeep”: 3 unidades;

– Morteiros 106,7 mm: 4 unidades;

– Morteiros 81mm: 15 unidades;

– Canhões S/R 75mm: 6 unidades;

– Canhões S/R 57mm: 15 unidades;

– Lança-chamas: 8 unidades;

– Metralhadoras calibre 50mm: 44 unidades.

Efectivos do 1º BATALHÃO DE PÁRA-QUEDISTAS da Brigada de Assalto 2506 durante a fase de instrução em território guatemalteco. (Foto de arquivo)

Efectivos do 1º BATALHÃO DE PÁRA-QUEDISTAS da Brigada de Assalto 2506 durante a fase de instrução em território guatemalteco. (Foto de arquivo)

Para além do material apontado, a Brigada dispôs ainda de razoável quantidade de lança-granadas de 88,9mm, metralhadoras de 7,62mm, carabinas M-1, pistolas-metralhadoras M-3 e emissores/receptores PRC-10.

A sua orgânica-base assentou nos seguintes elementos de manobra (os batalhões – que dispunham entre 165 e 177 homens – e, as companhias seriam reduzidos nos seus efectivos) :

1º BATALHÃO (PÁRA-QUEDISTAS): comandado por Alejandro E. del Valle Martí;

– 2º BATALHÃO (INFANTARIA): comandado por Hugo Soeiro Rios;

– 3º BATALHÃO (INFANTARIA): comandado por  Noelio Monteiro Diaz;

– 4º BATALHÃO (MOTORIZADO); comandado por Valentín F. Bacallao Fonte;

– 5º BATALHÃO (INFANTARIA): comandado por Montero Duque;

– 6º BATALHÃO (INFANTARIA); comandado por Francisco Montiel Rivera;

– BATALHÃO ESPECIAL (UNIDADE DE CHOQUE): comandado por Higino Diaz Ane (Nino);

– BATALHÃO DE ARMAS PESADAS ESPECIAIS: comandado por Roberto Perez San Román;

– COMPANHIA DE CARROS DE COMBATE: comandada por Rodolfo Diaz Hernandez;

– COMPANHIA DE POLÍCIA MILITAR: comandada por Ramon L. Pineiro Galban;

– COMPANIA DE ESTUDANTES: comandada por Erneido Andres Oliva Gonzalez;

– COMPANHIA DE MORTEIROS MÉDIOS: comandada por Arturo F. Comas Menendez.

A CIA independentemente de ter criado esta estrutura militar de forças invasoras e de chamar a si a responsabilidade da nomeação de um governo civil que ocuparia parte (ou todo) do território de Cuba, formou também um agrupamento aéreo (com mais de 150 membros entre pilotos, mecânicos e radiotelegrafistas, comandados pelo capitão Manuel Villafaña Martínez) e outro naval a que designaram por “Agrupamento Táctico Naval”.

O “Agrupamento Aéreo”, sedeado no aeroporto de Puerto Cabezas (Nicarágua), era constituído por três grupos: Grupo de Aviões de Combate (16 B-26); Grupo de Aviões de Transporte (8 C-46 Commando e 6 C-54 Skymastar) e Grupo de Aviões de Salvamento e Resgate (com dois PBY “Catalina”).

O “Agrupamento Táctico Naval” integrava cinco navios mercantes armados (baptizados com os nomes de Houston; Atlantic; Rio Escondido; Caribe e Lake Charles), duas unidades de guerra tipo LCI (Landing Craft, Infantry) da Marinha dos EUA, modificadas e armadas (Blagar e Bárbara J.), três barcaças tipo LCU (Landing Craft, Utility) para transporte de material pesado, carros de combate e viaturas de rodas pesadas, e quatro barcaças tipo LCVP (Landing Craft, Vehicle, Personnel) para transporte e desembarque de pessoal.

Distintivo de identificação do 1º BATALHÃO DE PÁRA-QUEDISTAS da Brigada de Assalto 2506. (Col. H.Pugh via autor) [2]

Distintivo de identificação do 1º BATALHÃO DE PÁRA-QUEDISTAS da Brigada de Assalto 2506. (Col. H.Pugh via autor)

1º BATALHÃO DE PÁRA-QUEDISTAS

O único elemento de manobra da Brigada de Assalto 2506, apto a fazer uso da “terceira dimensão”, foi o 1º BATALHÃO, cujo comando foi confiado ao capitão ALEJANDRO E. DEL VALLE MARTÍ, personalidade muito respeitada e admirada por todos os seus subordinados e demais “brigadistas”.

Depois dos clássicos testes médicos e físicos supervisionados por militares do corpo médico do US Army, iniciam a sua instrução específica nos terrenos de uma herdade (uma plantação) denominada “La Suiza” (Halcón) na República da Guatemala; mais tarde mudam o seu local de treino e manobras para Garrapatenango.

O improvisado Curso de Pára-quedismo, bem como toda a instrução táctica aeroterrestre, seguiram os padrões que vigoravam nas Forças Armadas norte-americanas. No final da instrução aeroterrestre, não foi atribuído nem prevista a atribuição de um distintivo de qualificação pára-quedista (o símbolo mais apreciado para quem salta em pára-quedas), devido ao carácter reservado da operação em que iam ser empenhados.

Para o seu empenho em combate, o 1º BATAHÃO DE PÁRA-QUEDISTAS tinha a seguinte orgânica e respectivos comandantes:

– Comandante do Batalhão: Alejandro E. del Valle Martí;

– Companhia “A”: Tomás Cruz Cruz (5);

– Companhia “B”: Juan M. Quintana de la Torre;

– Companhia “C”: Nestor Pino Marina (6);

– Secção de Canhões S/R 57mm: Florêncio de Peña Flores (7);

– Secção de Morteiros 81mm: Ramon R. Vicens Valdez (8).

O local seleccionado para o desembarque foi a Baía dos Cochinos, 100 milhas a Oeste de Trinidad. (Foto Turismo de Cuba) [3]

O local seleccionado para o desembarque foi a Baía dos Cochinos, 100 milhas a Oeste de Trinidad. (Foto Turismo de Cuba)

«OPERAÇÃO PLUTO» – OBJECTIVOS PRINCIPAIS

Este plano assentava na realização de um desembarque naval em três pontos da Bahía dos Cochinos (Playa Larga que recebeu o nome de código “Praia Vermelha”; Playa Girón que recebeu o nome de código “Praia Azul” e Caleta Verde que recebeu o nome de código “Praia Verde”) e, simultaneamente na projecção do 1º BATALHÃO DE PÁRA-QUEDISTAS.

O local para o desembarque naval cuidadosamente escolhido pelos estrategas do Pentágono, e depois de analisadas outras possibilidades, foi a Bahía dos Cochinos (próximo dos pântanos de Ciénaga de Zapata), 100 milhas a Oeste de Trinidad, porque, entre outras vantagens «…a pista do aeroporto permitiria mostrar (ao mundo) que os ataques aéreos tinham origem em Cuba.»

O plano de operações imposto aos “brigadistas” dizia o seguinte:

«…Iniciando as operações à hora “H” do dia D (17ABR61), a Brigada estará empenhada em desembarques anfíbios e lançamento de pára-quedistas, tomará, ocupará e defenderá uma cabeça-de-ponte nas praias, nas áreas da Bahía dos Cochinos e Playa Girón, nos pântanos de Ciénaga de Zapata, por forma estabelecer uma base a partir da qual possam ser levadas a efeito operações terrestres e aéreas contra o Governo Revolucionário de Cuba

A principal missão da Brigada de Assalto 2506 era unir ambas as forças (do desembarque anfíbio/naval e pára-quedistas) e consolidar uma cabeça-de-ponte, onde se instalaria um «GOVERNO PROVISÓRIO» que seria reconhecido imediatamente pelos EUA e pela Organização dos Estados Americanos (OEA).

O aprovado plano incluía, ainda, vários golpes a desferir pelo “Agrupamento Aéreo” dois dias antes (D-2/15ABR61) do início do desembarque naval, com a finalidade de destruir a insípida Força Aérea Rebelde de Fidel Castro, ainda em terra, e obter o domínio dos céus na zona de operações.

Este prelúdio do ataque a Playa Girón, recebeu o nome de código de «Operação Puma», concretizando-se com bombardeamentos surpresa ao aeroporto de Ciudad Libertad, Base Aérea de San António de Los Baños e aeroporto “António Maceo” de Santiago de Cuba. Curiosamente as aeronaves envolvidas nestes bombardeamentos tinham pintadas as insígnias da Força Aérea Rebelde, para se poder “provar ao mundo” que tudo não passava de uma revolta interna contra Fidel Castro.

CENTRAL AUSTRÁLIA: aeronave ao serviço da Brigada de Assalto 2506 abatida pela defesa anti-aérea do Exército Rebelde. (Foto extraída diário GRANMA) [4]

CENTRAL AUSTRÁLIA: aeronave ao serviço da Brigada de Assalto 2506 abatida pela defesa anti-aérea do Exército Rebelde. (Foto extraída diário GRANMA)

O 1º BATALHÃO DE PÁRA-QUEDISTAS seria largado em três zonas de lançamento (ZL) distintas, ou seja sobre cada uma das seguintes três estradas principais (de Playa Larga a Central Austrália, de Covadonga a San Blas e de Yaguaramas a San Blas) que atravessam os temidos pântanos de Ciénaga de Zapata:

– em LA HORQUITA (frente a Yaguaramas);

– em JOCUMA (frente a Covadonga);

– na estrada que liga a CENTRAL AUSTRÁLIA (fábrica de açúcar) a Playa Girón.

Um DESTACAMENTO DE PÁRA-QUEDISTAS teria a missão de tomar um aérodromo e da povoação de SOPLILLAR que se situa muito próximo de Playa Girón.

Ainda no âmbito da «Operação Pluto» foi treinado um grupo de 168 «Comandos» do Batalhão Especial, com o objectivo de desembarcarem na Província de Oriente (Pinar del Rio) simulando um falso ataque (9). Este plano foi ao pormenor de prever equipamento sonoro especial para produzir um ruído idêntico ao de uma grande batalha, promover acções de sabotagem em toda a ilha, sendo o resultado destas acções propagandeadas numa emissora controlada pela US NAVY conhecida por «Rádio Swan» e instalada numas pequenas ilhas (Ilhas Swan ou Islas del Cisne) em frente da zona costeira da República das Honduras.

As aeronaves envolvidas nos bombardeamentos tinham pintadas as insígnias da Força Aérea Rebelde para se poder "provar ao mundo" que tudo não passava de uma revolta interna contra Fidel Castro. (Foto extraída do jornal cubano JR) [5]

As aeronaves envolvidas nos bombardeamentos tinham pintadas as insígnias da Força Aérea Rebelde para se poder "provar ao mundo" que tudo não passava de uma revolta interna contra Fidel Castro. (Foto extraída do jornal cubano JR)


O DIA “D” (17ABRIL)

Base Aérea de Puerto Cabezas (Nicarágua): o capitão ALEJANDRO del VALLE inspecciona pessoalmente os seus homens que em uniforme camuflado, se perfilam equipados com todo o seu armamento orgânico e os indispensáveis pára-quedas. Palavras de grande ânimo, últimas recomendações e começa o embarque nas primeiras cinco aeronaves de serviço: os veteranos C-46 COMMANDO.

O padre Carrillo, (que participou na invasão como membro do 1º Batalhão de Pára-quedistas) abençoa os “guerreiros alados”. As portas são encerradas, procedimentos de segurança revistos e, depois de curta espera que mais pareciam dias, foi dada ordem de descolagem.

Ao amanhecer do dia “D” (17ABR61), pelas 01H55, o 1º BATALHÃO DE PÁRA-QUEDITAS é lançado, com os seus aviões de transporte sob séria ameaça aérea; afinal, a incipiente Força Aérea “castrista” não tinha sido totalmente destruída!

Luz verde: na frente Oeste (Playa Larga), Alejandro del Valle lança o seu equipamento pesado e abandona a aeronave, seguido de todos os seus homens. Aterram debaixo de intenso tiroteio, tendo sofrido algumas baixas ainda durante a descida.

Por erro de lançamento, tinham caído na rectaguarda de uma unidade de milicianos de Fidel Castro: o BATALHÃO 339 das Milícias Nacionais Revolucionárias (MNR) de Cienfuegos, a primeira unidade a resistir à invasão sob o comando do capitão Ramón Cordero Reyes.

Na frente Leste os pára-quedistas foram melhor sucedidos: aterram, sem oposição, e ocupam as posições destinadas a bloquear as estradas de San Blas e Covadonga e de San Blas a Yaguaramas.

Os meios de desembarque da Brigada de Assalto 2506 foram surpreendidos por uma reacção determinada e feroz por parte das forças leais a Fidel Castro Ruz. (Foto arquivo imprensa cubana) [6]

Os meios de desembarque da Brigada de Assalto 2506 foram surpreendidos por uma reacção determinada e feroz por parte das forças leais a Fidel Castro Ruz. (Foto arquivo imprensa cubana)

Entretanto, no desembarque naval, o desastre começa a desenhar-se: nas primeiras horas, a aviação de Fidel Castro consegue abater sete B-26 e neutralizar, perto de Playa Larga, os navios Houston e Rio Escondido que transportavam o armamento e munições destinado às forças em terra. Contudo, o auto-denominado “Exército de Libertação Nacional” tinha conseguido tomar, nas primeiras horas de combate, e como estava previsto, as principais praias da Bahía de Cochinos.

INVASÃO DE PLAYA GIRÓN (CUBA): O 1º BATALHÃO DE PÁRA-QUEDISTAS DA BRIGADA DE ASSALTO 2506 (2ª PARTE ) [7]