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ESTÓRIAS DE MISSÃO DE UM OFICIAL DA FORÇA AÉREA: ANGOLA – 1992

Por • 19 Ago , 2015 • Categoria: 05. PORTUGAL EM GUERRA - SÉCULO XX Print Print

A presente série de artigos – esperamos seja o primeiro de vários – relembra pela pena dos seus protagonistas, neste caso o actual Tenente-Coronel da Força Aérea Portuguesa Paulo Gonçalves, missões e situações que poucos recordam em muitos desconhecem, mas que são parte integrante da história militar de Portugal.

Em Angola, no período da UNAVEM II, serviram entre Maio de 1991 e Janeiro de 1993, 350 observadores militares de diversos países, entre os quais 10 portugueses.

Em Angola, no período da UNAVEM II, serviram entre Maio de 1991 e Janeiro de 1993, 350 observadores militares de diversos países, entre os quais 10 da Força Aérea Portuguesa.

Terminada a guerra no antigo Ultramar Português em 1975, as Forças Armadas Portuguesas viraram as suas atenções para a eventualidade de um conflito na Europa, preparando-se para um empenhamento no âmbito da OTAN(1). No início dos anos 90 do século XX quando muitos países aliados empenhavam fortes contingentes em missões de apoio à paz, o poder político em Portugal mantinha “a tropa nas casernas”. O Processo de Paz em Angola e a intervenção internacional na Ex-Jugoslávia haveria de, timidamente, iniciar a participação de militares portugueses, nas missões de paz e humanitárias.

Regra geral, em livros e conferências, o trabalho destes militares ocupa na melhor das hipóteses, um par de linhas ou uma referência de segundos, passando-se logo para os números mais significativos das chamadas Forças Nacionais Destacadas, em Moçambique, Bósnia, Angola, Kosovo, Timor-Leste, somando milhares, voltando-se depois, nos últimos anos, a números mais modestos muitas vezes apenas simbólicos.

Mas afinal o que fizeram os pioneiros nessas missões internacionais? Que riscos correram, muitas vezes empenhados a título individual sem qualquer apoio nacional no terreno? Qual foi o seu contributo para a imagem de Portugal nos lugares onde cumpriram as suas missões e para a resolução dos conflitos em causa? A sua experiência foi aproveitada para as missões subsequentes?

ESTÓRIAS DE MISSÃO DE UM OFICIAL DA FORÇA AÉREA: ANGOLA – 1992

No dia 29 de Maio de 2015, o presidente da UNITA(2) – Isaías Samakuva – afirmou ser necessário que o partido no poder, o MPLA(3), e a oposição tivessem um diálogo mais aberto, com vista a encontrarem novas soluções para o país. Um discurso político coerente, pleno de crítica construtiva, buscando o bem comum angolano. Mas nem sempre foi assim. Em 1975, depois de assinados os acordos de Alvor – no Algarve – onde foi decidido a independência e a partilha de poder angolanos, o MPLA, a UNITA e a FNLA(4) envolveram-se num conflito armado, que levaria décadas a resolver.

Em 1992, quando tudo parecia estar resolvido, os angolanos tiveram, pela primeira vez, a oportunidade de exercer o direito ao voto. É aqui que começa esta estória de missão, que levou dez oficiais da Força Aérea Portuguesa, ao serviço da ONU(5), a participar no apoio ao ato eleitoral angolano.

Em Angola, as Nações Unidas estavam representadas pela missão UNAVEM II(6), a qual tinha a liderança política dos assuntos angolanos na comunidade internacional. Contudo, como acontece noutras partes do mundo, é o Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, que é a entidade dentro da ONU que lida com a organização técnica dos atos eleitorais. Cientes da dimensão territorial de Angola e do fato de que os acessos terrestres ou eram inexistentes ou estavam minados, O PNUD identificou que este processo eleitoral iria necessitar de algo diferente dos anteriores. Desta forma, foi oficialmente decidido que as Primeiras Eleições Livres Angolanas 1992 (foi assim que o processo ficou conhecido) seriam servidas pela maior campanha aérea que a ONU alguma vez havia lançado, para um ato eleitoral. Sob a tutela da UNAVEM II, o PNUD contratou 40 helicópteros M-17 e 10 aviões (Antonov-26, Hércules C-130, Beechcraft e King Air), maioritariamente operados por tripulações russas. Os custos, rondando os 40 milhões de dólares, foram suportados por doadores internacionais. Tudo isto a somar aos já existentes 14 helicópteros e dos 2 aviões que a UNAVEM II operava normalmente.

Mas o planeamento da atividade de todos estes meios aéreos era um sério desafio, pelo que o PNUD solicitou a Portugal o envio de uma equipa de 10 gestores de operações aéreas para Angola.

Às 18H20 do dia 16 de Setembro de 1992, um um C-130 da Força Aérea descolou do aeroporto militar de Figo Maduro (Aeródromo de Trânsito N.º1), com destino a Luanda. Levava como passageiros um grupo de 5 Pilotos Aviadores e 5 Controladores de Tráfego Aéreo, com a finalidade de apoiar o PNUD na organização da campanha aérea para as eleições angolanas. A viagem irá durar 21 horas, com duas paragens, de uma hora cada, para reabastecimento, em Cabo Verde e em São Tome e Príncipe.

Após uma curta, mas expressiva, paragem em Luanda, onde recebemos a explicação um pouco mais detalhada do que nos era solicitado, partimos para os nossos destinos de operação. Iríamos operar isolados uns dos outros, cobrindo a maior quantidade de território angolano possível. Calhou-me em sortes a (enorme) Província do Moxico, no extremo Leste do País, com sede em Luena (a antiga cidade do Luso). Luena, ficava a cerca de 1250 quilómetros de Luanda e, após voar cinco horas num King Air ao serviço da ONU, aterrámos em Luena, na pista do antigo Aeródromo de Manobra 44.

A situação de segurança estava complicada. Explicaram-me que havia um aquartelamento da UNITA e outro das FAPLA/MPLA(7) fora da cidade, contendo cada um cerca de 8.000 homens em armas. As feridas da guerra civil estavam longe de ter cicatrizado e as escaramuças eram constantes. No dia em que cheguei, morreram 15 civis em Luena, vítimas colaterais destes incidentes que, em certas alturas, tinham dimensão de confronto aberto.

Em Luena, esperava-me uma pequena frota de aeronaves, constituída por três helicópteros russos modelo MI 17 e um Cessna Caravan (namibiano). Dois dos helicópteros estavam caracterizados como UN mas eram alugados à Aeroflot(8), o terceiro era militar e mantinha a camuflagem original do Exército Vermelho. Contava ainda com apoio pontual – a pedido – de um C-130 alugado à TransAfrik(9). No chão, aguardavam-me 11 tripulantes de aeronaves (10 russos e um namibiano) e 5 funcionários do PNUD (dois internacionais e três angolanos). Um dos MI 17 haveria depois de destacar para o Cazombo, no extremo Este de Angola (anteriormente conhecido pela tropa portuguesa como o “Quadrado da Morte”) com um oficial controlador da FA, para cobrir as necessidades eleitorais daquela remota região.

A forma como as Nações Unidas alugam os serviços dos meios aéreos não militares, é relativamente simples. Lançam um concurso público e quem levar menos dinheiro faz negócio. Em muitos teatros de conflito, esta escravidão à vertente economicista tem consequências sérias, com os meio aéreos a não estarem à altura da missão que lhes é exigida. No caso das eleições angolanas, o contrato dos helicópteros tinha sido ganho por uma firma canadiana, que sob contratou um agente russo, o qual colocou os meios no terreno. No meio destes esquemas todos, havia corrupção e desvio de dinheiros. A firma canadiana recebia as verbas da ONU e dava ao agente russo a parte que lhe competia. Daí para baixo as coisas começavam a complicar-se. O dinheiro prometido às tripulações não era aquele que efectivamente lhes era entregue e, a partir de uma certa altura, passaram a não receber vencimento. O tal agente russo ficava com o dinheiro para ele. Em resultado, as tripulações entraram em greve dias antes do dia das eleições, com montanhas de coisas para levar para as assembleias de voto. Em Luena tentei fazer de tudo para que as minhas tripulações entendessem que o problema não podia ser resolvido ao nível da ONU, porque o contrato era com a firma canadiana, que tinha feito os pagamentos certos e a tempo e horas. Se havia uma questão nacional russa a resolver isso passava ao lado da ONU. Embora tivessem entendido, as tripulações não queriam voar porque não estavam a ser pagas. Não havia qualquer hipótese de lhes dar dinheiro pelo que consegui a colaboração deles através de um compromisso de se fazer pressão junto das autoridades em Luanda, e aguardente local – Cachipembe – à borla. Ainda os tentei avisar da forma duvidosa como aquela beberagem era feita, mas para eles pouco importava e as serenatas foram um sucesso.

As minhas funções tinham um “menu inicial” muito receado de tarefas, que iam desde a participação em reuniões eleitorais com o objectivo de planear a actividade aérea e a gestão de combustíveis; passando pela segurança de voo e a ligação entre as tripulações e a estrutura ONU. Mas a minha descrição de tarefas, não referia só questões aeronáuticas. Havia que dar o apoio considerado necessário à missão e, no dia seguinte à minha chegada, fomos ao rio encher os depósitos de água para os banhos do pessoal. Depois de abastecer num local remoto, dirigimo-nos a uma área mais frequentada pelos locais, e decidimos dar um mergulho no rio Luena. Um dos funcionários do PNUD avisou-me:

– Comandante, se cê deixar a carteira na margem do rio, provavelmente não vai passar nada. Mas se deixar o sabão, com certeza não estará mais lá, quando cê sair d’água.

Eu tinha reparado que toda a gente tinha a tendência de se coçar muito. Mas não tinha percebido que era uma questão de falta de higiene, sendo que os produtos de limpeza eram cobiçados por estas bandas. Tomei banho de olho posto no sabonete.

Aproveitei aquele dia sem actividade aérea para interagir com a população que, na generalidade era muito hospitaleira e curiosa de saber coisas de Portugal. Luena tinha na altura cerca de 40.000 habitantes e, tal como em todo o resto do país, fala-se o português como língua oficial. Contudo, o português é a segunda língua dos habitantes de Luena. Aquilo que as pessoas falam no dia-a-dia é o Côkwe (lê-se tchocué), uma das quatro línguas nacionais angolanas (Côkwe, Kikongo, Kimbundu e Umbundu). Para além das línguas nacionais, existem em Angola mais 39 línguas nativas e 71 dialetos. Mas somente o português e as quatro línguas nacionais têm direito a tempo televisivo. O Telejornal Nacional Angolano era feito nas nessas cinco línguas, com grande ênfase para as questões de esclarecimento eleitoral. Uma grande confusão para quem não está habituado. Fiz questão de aprender qualquer coisa em Côkwe:

– Como é que se diz: “Bom dia”? – Perguntei a jovem que tinha um sorriso do tamanho da lua balsâmica.

Chimene-mwanyi. – Respondeu o jovem.

– E como é que se diz: “Hoje estás bom?” – Voltei a perguntar.

Musono unapema. – Retorquiu o meu novo amigo.

– Chimene-mwanyi. musono unapema? Perguntei ao rapaz.

A reação foi uma explosão de satisfação com direito a aplausos e tudo. Eu teria dito aqui com a entoação correta e ele sentiu-se orgulhoso com o seu novo estudante. Durante o meu tempo em Luena, acabei por aprender mais umas frases soltas, que me ajudavam a quebrar o gelo. Os locais apreciavam muito que eu me dirigisse a eles em Côkwe.

Na altura, a simpatia do povo parecia não ter muita correlação com a das autoridades. Eu iria entender mais tarde que os representantes de ambas as fações (tanto dirigentes civis como militares) tinham para comigo um discurso cheio de rodeios, com cautelas muito exageradas na cedência de informação. A razão prendia-se com o fato de eu ter acesso todas as forças partidárias, obtendo e cedendo informação, a fim de coordenar as necessidades e dar o apoio aéreo que necessitavam. Eu era considerado um elemento de lida difícil, uma vez que sentiam que deviam dizer-me aquilo que eu queria, mas não estavam interessados que o “outro lado” soubesse essas coisas. Facilmente me via incluído nas listas de colaborador com a fação oposta, mas como necessitavam dos meios aéreos, preferiam não criar problemas, cedendo-me somente o essencial. Para agravar a situação, uma sondagem sobre as eleições lançava o pânico em Luanda, dando a vitória ao MPLA e uma reacção violenta da UNITA. As pessoas começaram a recear e a atuar pelo pior.

A província do Moxico, é a mais oriental e a maior província angolana, com 223.023 Km², que corresponde a duas vezes e meia maior do que Portugal. Voava-se diariamente do nascer ao pôr-do-sol, com várias saídas por dia por tripulação. Depois da segurança física da missão, a segurança de voo e a gestão dos combustíveis eram as minhas maiores preocupações.

Havia várias aeronaves em Luena que me recordavam permanentemente as responsabilidades da segurança de voo. No final da pista estava um MIG 21 que tinha sofrido acidente, e nas bermas laterais existiam mais destroços de aeronaves, que eram uma grande tentação para trazer recordações. Contudo, o constante perigo dos campos de minas inibiu qualquer iniciativa mais aventureira.

Havia de tudo, espalhado nas redondezas do aeródromo: helicópteros abatidos; aviões de transporte; caças a jato; muitas armas ligeiras; várias antenas radar com diferentes características, umas de vigilância planimétrica e outras de busca altimétrica. Radares que tanto poderiam estar relacionados com aterragem de precisão dos aviões ou com sistemas de disparo de misseis. Mas nem só aeronaves angolanas estavam abandonadas em Luena.

Um dia, ao passar em frente ao antigo Jardim Zoológico, reparei que estava uma aeronave lá dentro. A parte de zoologia há muito que tinha acabado. Aquilo não passava de uma zona verdejante, cercada por uma vedação de ferro, com uns quantos resquícios de edifícios lá dentro que não se percebia muito bem o que eram. Diziam as pessoas que os cubanos levaram tudo e até tinham comido a cobra jibóia do zoo. Exageros da “voz do Povo”, mas que costuma ter sempre um fundo de verdade. Mas voltemos à aeronave, era uma massa metálica apreciável, toda na cor original de alumínio, enfiada entre árvores que, entretanto, devem de ter crescido à sua volta. Havia umas marcas que me intrigavam na fuselagem. Eram Cruzes de Cristo muito sumidas. Eu estava perante um espólio de guerra da Força Aérea Portuguesa, deixado para trás aquando da descolonização. Era um bombardeiro bimotor – PV-2 Harpoon – absolutamente vandalizado por dentro. Senti pena por aquela aeronave ter acabado assim. Recordei-me de outras aeronaves da Força Aérea, em muito pior estado, bem mais próximo de Lisboa … Decidi não voltar mais àquele local.

Numa certa madrugada, após uma noite de intenso tiroteio na cidade, quando chegámos ao aeródromo tínhamos uma arma bi-tubo antiaérea a cerca de 20 metros da nossa posição, apontada aos helicópteros do PNUD. A arma estava abandonada mas aparentava estar municiada e pronta a disparar. Após questionarmos um funcionário governamental do aeródromo, fomos esclarecidos que alguém teria dito durante o tiroteio que o pessoal da ONU iria fugir de Luena. Foi então que o comandante local decidiu impedir a nossa saída, de modo a manter a cidade no mapa dos locais com uma presença internacional. A arma estaria guardada dentro de um dos dois hangares do aeródromo, que ficavam exactamente em frente ao local onde as nossas aeronaves estacionavam e, aparentemente, havia lá dentro mais material desse. A nosso pedido, alguém veio afastar a antiaérea, que estava montada num atrelado rebocável, e a operação aérea do PNUD continuou, intensa como sempre.

Contudo, depois do sucedido, decidi falar com o chefe do PNUD e, em coordenação as tripulações, fez-se um plano de evacuação credível. Escolhi o MI 17 militar para a evacuação do pessoal da ONU, porque era o meio com mais horas disponíveis; tinha motores mais potentes; tinha blindagem para armas ligeiras em várias partes do aparelho; e possuía dois depósitos de combustível suplementares internos, que quase lhe dobravam a autonomia. O Cessna Caravan descolaria direto para a Namíbia (país de origem) e os outros dois MI 17 deveriam transportar só carga e seguir-nos. Depois de estudar os locais de potencial conflito e o posicionamento das forças, decidimos que haveria três destinos diferentes: Luanda, Zâmbia ou Namíbia. A decisão do destino dependia da avaliação da situação de segurança que se fizesse na altura. Escolhemos as rotas e calculou-se consumos de combustível. Estabeleci um novo “stock de rotura” nos nossos níveis armazenados de combustível para aeronave JET A1. Mandei abastecer e guardar reservatórios transportáveis, com água e combustível para levar a bordo. Toda a gente foi instruída para construir uma “mochila de fuga”, ou seja, uma sacola transportável, com menos de 15 quilos com o seguinte conteúdo:

dinheiro; documentos (originais e em fotocópia); comida (ração); canivete; corda/cordão/cordel; pilhas; lanterna; rádio transístor (quem tivesse); bússola (quem tivesse); fósforos/isqueiro; remédios que estivessem a tomar; 1 rolo de papel higiénico; muda de meias e roupa interior; chapéu para o sol; artigos variados de primeiros socorros (ligaduras, pensos rápidos, desinfectante, garrote, etc.); saco cama; 1 lt. de água; comprimidos purificadores de água; esferográfica e bloco de apontamentos; e rádios transceivers – walk &talk.

Essa mochila deveria estar sempre à mão para levar em caso de evacuação. Planearam-se os kits de evacuação dos meios aéreos e da missão, seleccionando-se os documentos que deveriam ser transportados e aqueles que deveriam ser destruídos. Estabeleceu-se um critério de “quem chama quem”, um sistema de alerta, locais de encontro carros e rotas para seguir da cidade para o aeroporto. Estava tudo identificado e, caso houvesse um problema, estaríamos fora de Luena no prazo de 45 minutos. Como os meios aéreos passaram a estar quase totalmente abastecidos, passámos a ter restrições na quantidade de pessoas e carga que se poderiam transportar. Por vezes tivemos de ir aos locais mais distantes com menos pessoas para depois regressar e, sem desligar motores, voltar a embarcar passageiros e carga para os locais meios próximos. Os angolanos não entendiam muito bem o porquê dessas opções, mas nós não lhes explicamos as razões para não mostrar fragilidade.

Houve também o cuidado de disfarçar as estrelas vermelhas pintadas na fuselagem do MI 17 militar. Pintado de camuflado e com estrelas vermelhas, sem qualquer referência à ONU, eram características que poderiam trazer dissabores à tripulação, tanto no dia-a-dia, quanto no caso de uma possível evacuação para um outro País. Decidimos tapar a estrela por um plástico grande, de cor branca, colado com fita-cola industrial. No meio do quadrado de plástico pintaram-se as letras UN. Tivemos de repetir o procedimento mais duas vezes durante a missão, mas a coisa lá se ia aguentando.

Com a preocupação da gestão de combustível para as operações aéreas, agora acrescida com o nosso próprio plano de evacuação, solicitei reforço de combustível a Luanda. Para o efeito, teria de ter mais capacidade de armazenagem, pelo que fomos informados que iríamos receber depósitos extra. Efetivamente, nove dias antes das eleições, quando a actividade aérea estava a aumentar consideravelmente, recebemos um C-130 com material de apoio à nossa operação. A bordo vinham duas cisternas amovíveis (sacos/balões enormes feitos de lona plastificada) para guardar combustível – fuel bladders – com todo o equipamento de apoio, bem como dois militares americanos, que iriam instalar os bladders. Vinham também, tendas mesas e cadeiras, quadros didax e geleiras portáteis, camas de campanha, um telefone satélite portátil – deveria dizer antes “transportável” para o distinguir dos atuais conceitos, miniaturizados, de portátil – e todo um conjunto de artigos suficientes para montar um pequeno acampamento tático da ONU. Procurámos um local na zona da placa onde operávamos, para instalar o pequeno acampamento de apoio e os bladders. Teria de ser colocado fora do pavimento da placa, suficientemente afastado dos rotores dos helicópteros, do campo minado e de um depósito, a céu aberto, das famosas bombas russas de uso geral para aeronaves – Fugasnaya Aviatsionnaya Bomba (FAB) – de 250 quilos cada. As opções não eram muitas e todas elas chumbariam em qualquer inspecção aeronáutica no Ocidente. Os americanos olharam de volta e disseram:

– Este é o local onde, provavelmente, será menos dramático em caso de fogo. Tendas à direita, bladders à esquerda, extintores no meio!

Em seguida fizeram um furo no bladder menor (que serviria de reserva) de propósito para me ensinarem a remendar a lona. Embebia-se uma rosca de madeira num produto, enrolava-se um tecido apropriado e enroscava-se a rosca no furo até estancar a fuga. Ficava o coto de pau espetado para fora, a indicar que ali havia um furo. Simples e eficaz, mas só servia para furos, não era solução para rasgões. Reportei para Luanda:

Bladders instalados e operacionais, solicito 40.000 lt. de Jet fuel A.1.

Em seguida tivemos de resolver a questão da segurança do material e pessoal do PNUD no aeródromo. As luzes de pista tinham sido furtadas e a ONU comprou um sistema alternativo para Luena continuar a operar à noite. Desta forma, o PNUD estava disposto a pagar algum dinheiro extra para a segurança de pessoal e equipamento. Descobri que o aeródromo tinha um pelotão das Forças Armadas Angolanas atribuído para segurança. Nunca tinha visto aquela gente mas pedi para ser apresentado. Apareceu um capitão, o qual tinha um comportamento quase infantil junto do pessoal da ONU e de uma severidade quase brutal para com os seus homens. Chegamos a um acordo. Eu daria três rações de combate e três dólares por dia ao capitão, e passava a ter três homens armados a vigiar a zona ONU do aeródromo e o sistema de luzes, 24 horas por dia sete dias por semana. O capitão concordou. Reportei para o PNUD que concordou e começou-se a trabalhar dessa forma. No final, reparei que havia muito mais soldadesca às minhas ordens do que o inicialmente combinado. Provavelmente porque não tinham outras tarefas e nós sempre lhes dávamos qualquer coisa que sobrava das minhas próprias rações de combate. As rações de combate foram a origem de um incidente entre os nossos guardas, com consequências fatais. Nós tínhamos rações portuguesas (das antigas) e americanas (já do modelo liofilizado). Obviamente, as rações preferidas era as lusas, que continham latas de chispe, feijoada, bisnagas de leite condensado etc. Ninguém queria ficar com as americanas, que eram do tipo juntar água quente e comer. Numa certa altura fiquei sem rações portuguesas para todos e tive de dar rações americanas aos últimos da fila. Começou uma discussão muito feia, com alguém a roubar a caixa da ração portuguesa a outro e a sair disparado para a zona da pista. O militar que ficou sem a caixa largou atrás do ladrão, seguido de mais alguns camaradas. Ao fim de alguns minutos ouviram-se dois tiros os homens que tinham perseguido aquele que tentou roubar a ração portuguesa regressaram à placa, com um sorriso na cara e disseram:

Comandante, aquele já come mais ração portuguesa!

Nessa mesma noite, as novas luzes de pista foram usadas. De novo, ouviram-se disparos na nossa tropa. Um pobre coitado tinha tentado roubar umas luzes, mas a coisa correu-lhe muito mal…

Uma das situações mais ridículas que vivi naquela missão, foi o dia em que recebi a notificação de Luanda, que a carga do próximo C-130 de apoio logístico consistia de três viaturas Aro (a versão original romena do nosso PORTARO). Teria sido uma doação do Governo Romeno à ONU e Luena tinha sido contemplada com três unidades. Quando se abriu a rampa do C-130 da TransAfrik, o responsável pelo compartimento de carga, veio ter comigo e disse:

Comandante, não sei como vamos resolver isto mas eu tenho aqui dois carros para lhe entregar e está posto fora de questão regressar com eles, porque tenho outra carga para embarcar a seguir.

– Dois? – Perguntei. – Mas os meus papéis dizem três!

– Pois … os meus também … Mas só tenho dois carros para lhe entregar, e não sei de mais nada! – Retorquiu o load master com um sorriso insinuador.

Contactei o Chefe do PNUD e expliquei-lhe a situação.

Isto está a ficar fora de controlo! Alguém ficou com o terceiro carro, …, mas não vai ser aqui e agora que vamos resolver isso. Recebe os carros e não faças ondas – Disse o chefe.

Roger that! – Retorqui,- Onde é que eu assino?

Acabei por acordar com o load master que eu iria assinar a recepção dos carros, mas que ambos assinávamos uma pequena declaração lateral (sem valor legal absolutamente nenhum) que só tinham sido entregues duas viaturas e não três.

Nunca cheguei a saber se o terceiro carro teria ficado em Luanda? Ou se teria saído a meio do caminho numa qualquer pista de terra batida? De qualquer forma, provavelmente não iria servir grande coisa, porque o material era defeituoso. Uma das outras viaturas já vinha gripada e a última viria queimar a junta da cabeça do motor no prazo de uma semana. Quando saí de Luena estavam ambas atiradas para um canto, por falta de peças, nas traseiras da vivenda do PNUD.

A actividade aérea era bastante intensa. Em certas alturas, a mesma aeronave tinha de sair cinco vezes no mesmo dia. As tripulações (especialmente os russos) aparentemente ganhavam mais se voassem mais e a segurança de voo era considerada um “faits divers dos ocidentais”. Nas semanas mais próximas das eleições (12, 19 e 26SET), caíram três MI 17 na Província do Uíge, com mais de duas dezenas de fatalidades. Desconfiava-se de combustível contaminado mas nunca se souberam os resultados das investigações. Se os russos não ligavam à segurança de voo, eu, pelo contrário, levava-a muito a sério, porque tinha de dar satisfações a Luanda sobre o assunto.

Todos os dias, com o aproximar do pôr-do-sol, acabava a actividade aérea e eu ia para as reuniões de coordenação do dia seguinte com as comissões eleitorais. Discutia-se quem é que necessitava de ir para cada local; tentava-se equilibrar a satisfação das várias entidades políticas, o que nem sempre era fácil porque durante o dia havia confrontos bélicos entre eles; faziam-se as listas de passageiros e carga para cada meio aéreo, que eram acordadas e aceites por todos; e atribuíam-se as horas de embarque. Depois eu ia fazer o relatório da actividade que se tinha efectuado naquele dia, para enviar para Luanda. Constava nesse reporte para onde se tinha voado e o que é que se tinha levado; horas de voo e combustíveis gastos; ações de manutenção efectuadas nas aeronaves; e qualquer outro assunto que merece-se referência, acabando com solicitações de apoio logístico. Eis um exemplo de SITREP (em português porque os receptores eram lusófonos ao serviço da ONU):

LUEN 936 LUAN

28.09.92

TO:MR. ADAMO VALY,OIC, SRPA/LUANDA

FR:PAULO GONCALVES/ALO LUENA

SUB.: SITREP 28SET92 OPERACOES AEREAS ELEICOES/ANGOLA

RELACAO COMUNAS ONDE DISTRIBUICAO ATE MOMENTO DE MATERIAL E PESSOAL

KAMANONGUE: 17KITS, 11PAX, 500KG CARGA

LEUA: 13KITS, 08PAX, 500KG CARGA

CAMEIA: 13KITS, 04PAX, 500KG CARGA

LUACANO:08KITS, 05PAX, 300KG CARGA – FALTA UM (1) VOO PARA LAGO DE LOLO 01KIT+PAX

LUAU: 12KITS, 10PAX, NO CARGO – FALTA UM (1) VOO PARA MARCO 25 (ABASTECIMENTO ALIMENTAR)

CAZOMBO: 15KITS – FALTA TRANSPORTAR PARA LOCALIDADES PROXIMAS 14PAX, 300KG CARGA, E + 10 PAX, 500KG CARGA

L. NGUIMBO: 12KITS, 84PAX, 800KG CARGA

LUCHAZES: 03KITS, 05PAX, 300KG CARGA

MOXICO (SEDE): LUCUSSE – 01KIT, 14 PAX

CAMBATCHOQUE – 01KIT, 14PAX

KANUAKANGA – 01KIT, 14PAX

LUANGARICO – 01KIT, 14 PAX

LUXIA- 01KIT, 14 PAX

SAMUSSAGE – 01KIT, 14 PAX

NECESSIDADES:

01 – ENVIO URGENTE DE JET PARA AVIACAO, ESTIMATIVA USO 40 MT3. A UNAVEM DISPOEM NO MOMENTO 18 MT3, MAS EH EM TANQUE SUBTERRANEO DE DIFICIL OPERACAO POIS EH FEITO COM 1 TRAILLER CAPACIDADE 2 MT3.

02 – VINTE E CINCO (25) METROS DE CORRENTE (MEDIA) CORTADA A CADA 1,5 MT E 05 CADEADOS (MEDIO).

03 – LANTERNAS PARA OPERAÇÃO REABASTECIMENTO COMBUSTÍVEL AEROPORTO.

04 – IMPORTANTISSIMO ENVIAR DOIS (2) “JOELHOS” PAREA ENGATE NA SAIDA DA CISTERNA DE COMBUSTIVEL.

05 – REF. ULTIMO CRASH MI 17 NO UIGE – HELICOPTEROS RUSSOS MI 17 LUENA FORAM INSPECIONADOS E CONSIDERADOS OPERACIONAISD. COMBUSTIVEL EM LUENA INSPECIONADO. CONFIRMEM SE RESTRICOES DE VOO SOH SE APLICAM FROTA UIGE.

BEST REGARDS – PAULO

O controlo dos elementos das forças governamentais era, por vezes, problemático. Regularmente, Luena era invadida por militares das FAPLA, armados e ostensivamente arruaceiros. Estes soldados, no ativo, apresentavam-se muito mal uniformizados, misturando roupa e calçado civil com artigos militares, e reclamavam que o governo não lhes pagava os vencimentos, nem havia comida suficiente nos quartéis. A exteriorização das suas frustrações levava-os a disparar as armas, provocando desacatos que causavam baixas colaterais. Por vezes, esses tiroteios escalavam para troca de fogo com elementos da UNITA. Já os soldados da UNITA, apresentavam-se bem uniformizados, muito disciplinados e eram pessoas desconfiadas e de muito poucas falas. Enquanto os desmobilizados das FAPLA eram às centenas, quase não se via um desmobilizado da UNITA. Mas o mais grave, era que ambos os partidos desmobilização os combatentes podendo estes levar consigo as armas que lhes estavam distribuídas.

Quando um dia comentava, com o capitão das FAPLA que nos fazia a segurança, o facto dos combatentes serem desmobilizados com as armas (que eram vendidas no mercado local a preços irrisórios) este disse-me:

O mais grave é que enquanto os desmobilizados das FAPLA querem ir para casa, os da UNITA formam a três e regressam à Jamba (…esperando novas ordens…).

Realmente, as raras vezes que se viam desmobilizados da UNITA, era essa a postura que tinham. Se o destino era a Jamba? Fica por provar.

Mas os desmobilizados eram um constante problema. Um dia, estávamos todos no aeródromo à espera que o nosso avião de reabastecimento chegasse, quando aterrou um Boeing 737 das Linha Aéreas de Angola – TAAG – e rolou para a placa, parqueando na zona destinada aos voos comerciais. Um grande grupo de pessoas dirigiu-se, em fila indiana, para o aparelho, seguindo as instruções de um elemento dos serviços de aeródromo. Grande parte dessa gente era desmobilizada das FAPLA. A fim de controlar o acesso caótico de passageiros ao avião, em vez da tradicional escadaria de acesso ao avião, era utilizada uma escada muito alta, que mais parecia um escadote das obras. O elemento dos serviços de aeródromo permanecia no fundo da escada a verificar e/ou vender bilhetes. Qualquer tentativa de abuso ou violência dos (candidatos a) passageiros implicava que a escada era atirada ao solo, lá de cima, cortando desta forma o acesso. As portas fechavam-se e a aeronave ia-se embora. Rudimentar mas extremamente eficaz. Acontece que aquela aeronave já vinha com muitos passageiros a bordo, oriundos de outro ponto intermédio. Em resultado disso, nem todas as pessoas puderam embarcar. Num ápice, os gritos e choros passaram a pancadaria. A escada voou lá de cima e o 737 meteu motores na placa no meio de toda aquela gente. A multidão iniciou uma fuga desordenada em todas as direções. Ouviu-se o primeiro tiro na placa. Milagrosamente, o avião dirigiu-se à pista sem ferir ninguém, alinhou e descolou. Depois da aeronave sair, entrou a policia antimotim que, de uma forma brutalmente eficaz, justificou o cognome que lhe davam – os ninjas.

Uma imagem que ficou soldada na minha memória, foi a visita que fiz ao campo de refugiados de Luena. O local era gerido pelo (peruano) Carlos da agência ONU – World Food Program (WFP) e ficava na entrada Este da cidade. As instalações originais estavam muito perto da antiga linha férrea, denunciando a possível ligação àquela infra-estrutura herdada dos portugueses. A linha férrea era ladeada de árvores a perder de vista. Disseram-me mais tarde que era um sistema alternativo de energia para locomotivas com caldeira. Caso a locomotiva tivesse problemas, podia parar, cortar uma árvores e usar a lenha na caldeira para continuar o movimento. Antes de se chegar ao campo de refugiados já se sentia um cheiro azedo no ar. Quanto mais perto se estava mais intenso o cheiro ficava. Era como se aquela gente vivesse dentro de um contentor do lixo, em dia de muito calor. Tentei ser simpático, apertando a mão a quem me queria cumprimentar, mas pensando sempre que a seguir teria de tomar um banho descontaminante. Dentro do grande edifício, tal como tinha sentido em certas ruas de Luanda, as solas dos sapatos ficavam coladas no chão conforme se ia caminhando. Havia trapos pendurados a servir de parede para separar famílias. Devido ao mal estado de conservação da infra-estrutura, chovia lá dentro em quase todos os compartimentos. Havia rolos de sacos de plástico da organização da ONU para os Refugiados (UNHCR) com o que se tentava tapar os buracos. As pessoas estavam doentes e com fome. Enfim, uma miséria humana que me marcou e me faz ter muito respeito pela temática dos refugiados. Seres humanos como nós, que não fizeram nada por merecer tais condições. Só tiveram o azar de nascer no sítio errado. Fui assaltado por um sentimento estranho, de ter vontade de pedir desculpa por usufruir de melhores condições de vida do que eles. Passei também a ter admiração por quem se dedica a ajudar os refugiados e pessoas deslocadas internamente devido a conflitos armados.

Mas a população de Luena, na sua generalidade, não tinha uma ocupação produtiva, comportando-se em bloco como uma cidade de refugiados, à espera que viessem os aviões com a ajuda internacional. O Carlos do WFP quis que eu fosse testemunha disso e levou-me fazer uma ronda de distribuição de farinha. Havia uma grelha de distribuição estabelecida pelo WPF e, naquele dia, iríamos entregar um camião de sacos de farinha de milho (Ajuda Norte Americana – US AID – US Agency for International Development). Inacreditavelmente, os homens estavam sentados nas ruas do bairro, a falar ou a jogar as cartas, e não se dignaram sequer a levantar-se para virem buscar a tão necessitada ajuda humanitária. Mandaram as crianças fazer o trabalho e esperaram que eu e o Carlos atirássemos a carga do camião para o chão. Fiquei perfeitamente esclarecido que não estávamos a fazer um bom trabalho nesta área. A ajuda internacional não devia de estar a patrocinar esta abstinência de actividade produtiva (não lhes dês o peixe, ensina-os a pescar). Mas eu era só o convidado para o passeio, não me competia, nem convinha, fazer ondas…

Os dias passaram num carrossel de aterragens e descolagens, que só tinha interrupções durante a noite. A UNAVEM II geriu a questão eleitoral e o PNUD conseguiu levar a bom porto a maior operação aérea jamais organizada de suporte a actos eleitorais supervisionados pela ONU. Algo que, na altura, parecia ser um passo maior que a perna. Os dez oficiais da Força Aérea que ajudaram na organização da campanha aérea, faziam parte de vinte e cinco mil pessoas, angolanas e estrangeiras, que de alguma forma participaram para o sucesso daquele ato eleitoral, dos quais constavam também cerca de 800 observadores internacionais.

Por razões de segurança, durante os dois dias em que decorreram as eleições legislativas Angolanas, 29 e 30 de Setembro de 1992, o Governo interditou o espaço aéreo a voos internacionais e encerrou as fronteiras terrestres, marítimas e fluviais.

Os Angolanos votaram em massa, ultrapassando as previsões mais optimistas, com 92% dos eleitores inscritos (4 milhões e 400 mil pessoas) a exercerem pela primeira vez o dever de voto. O número surpreendeu, já que se admitia uma taxa de abstenção na casa dos 20% a 30%. Os angolanos escolhiam entre 19 partidos, quem os iria governar.

No dia 01 de Outubro, depois do ato eleitoral, era a loucura total em Luena. Todas aquelas urnas de voto tinham de ser rapidamente retiradas dos vários locais e trazidas para a capital do Moxico, de onde seguiriam de imediato para Luanda em C-130. O que havia levado semanas a montar, levava agora horas a desmontar.

Durante os cerca de 15 dias de intensa operação aérea na Província do Moxico, os três helicópteros MI 17 e o Cessna Caravan transportaram para cima de 30 toneladas de material e mais de 800 passageiros relativo às eleições. Um sucesso operacional reconhecido internacionalmente, nem sempre isento de perigos e ameaças

Os resultados eleitorais, segundo os acordos de Bicesse, só deveriam ser formalmente anunciados no dia 08 de Outubro. Contudo, a comunicação social divulgou-os conforme se ia sabendo os resultados parciais. A 3 de Outubro, Jonas Savimbi (então líder da UNITA) dirigiu uma «Mensagem à Nação», na qual expressava que não aceitava os resultados das eleições, por ter havido fraude. A violência escalou consideravelmente e o PNUD de Luena decidiu ativar o plano de evacuação que tinha elaborado. Luanda parecia continuar no controlo das forças governamentais, sendo a melhor saída para uma evacuação internacional. Decidiu-se voar para Luanda no dia 05 de Outubro. Entretanto, na capital do País, a situação de segurança estava a degradar-se de dia para dia. Após tratar de toda a burocracia da ONU, os militares portugueses receberam instruções para sair de Luanda e regressar a Portugal no dia 08 de Outubro. Nesse mesmo final de tarde, após descolagem da capital de Angola num Boeing 747 francês, em direcção a Paris, o aeroporto de Luanda foi encerrado ao tráfego. Quando, na tarde do dia seguinte desembarcámos em Lisboa, veio a notícia:

Os oficiais da UNITA abandonavam as (unificadas) Forças Armadas Angolanas e regressavam às suas anteriores posições. O governo português estava agora preocupado com a segurança dos nossos cidadãos que residiam em Angola (ver: ANGOLA, NOVEMBRO DE 1992: ONDE NECESSÁRIO QUANDO NECESSÁRIO)

Tinha recomeçado a guerra civil em Angola, a qual só viria a finalizar em 2002 com a morte de Jonas Savimbi, numa região próxima de Luena.

Paulo Gonçalves.

Notas:

(1) Organização do Tratado do Atlântico Norte

(2) União Nacional para a Independência Total de Angola

(3) Movimento Popular para a Libertação de Angola

(4) Frente Nacional de Libertação de Angola

(5) Organização das Nações Unidas

(6) United Nations Angola Verification Mission

(7) Forças Armadas Populares de Libertação de Angola

(8) Companhia aérea estatal da Rússia (anteriormente da União Soviética)

(9) Companhia aérea privada especializada em operações em África

Leia no Operacional outros artigos de Paulo Gonçalves:

LITUÂNIA: A CAMPANHA DE RELAÇÕES PÚBLICAS DA FORÇA AÉREA

EXERCÍCIO «REAL THAW 2009»

HOMENAGEM A LELLO PORTELA

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