- - https://www.operacional.pt -

DEMONSTRAÇÃO DE CAPACIDADES DA BRIGADA DE REAÇÃO RÁPIDA – 2019

A Brigada de Reação Rápida (BrigRR) do Exército Português realizou no passado dia 17 de Setembro, no Aeródromo Militar de Tancos, uma demonstração de capacidades a que o Operacional assistiu. Ocasião para mostrar aos nossos leitores as imagens do Alfredo Serrano Rosa e olhar, ainda que em síntese, para alguns aspectos gerais relativos à Defesa Nacional e Forças Armadas que têm interferência directa nas unidades operacionais. Terminamos com os equipamentos e materiais que estão a entrar ao serviço no Exército e certamente irão marcar as próximas gerações de militares portugueses. 

[1]

Salto automático por paraquedistas do 2.º BIPara a partir de C-295M da Esquadra 502 “Elefantes” da Base Aérea n.º 6 da Força Aérea Portuguesa, voando a cerca de 300m sobre o Aeródromo de Tancos, no decurso da Demonstração de Capacidades da BrigRR em 17SET2019.

Antecedentes da Brigada de Reação Rápida

A BrigRR tem o seu dia festivo a 29 de Setembro, dia do Arcanjo São Miguel, Padroeiro Universal dos Paraquedistas Militares, tendo este ano as comemorações sido antecipadas para o dia 17 de Setembro, data em que também se assinalou em Tancos o Dia do Comando das Forças Terrestes – 23 de Abril, dia de São Jorge, Padroeiro do Exército de Portugal na Batalha de Ajubarrota.

Reconhecida publicamente por integrar as tropas especiais do Exército (paraquedistas, operações especiais e comandos), tem também na sua estrutura unidades de infantaria, artilharia, cavalaria e engenharia, com Regimentos em diferentes pontos do país. É uma das três brigadas da Componente Terrestre do Sistema de Forças Nacional, juntamente com a Brigada de Intervenção e a Brigada Mecanizada e está na dependência hierárquica do Comandante das Forças Terrestres.

As razões da escolha, em 2005, do dia 29 de Setembro e do Arcanjo São Miguel, têm que se ir procurar aos anos 90 do século XX. Em 01 de Janeiro de 1994, por decisão política, foi criado no Exército o Comando das Tropas Aerotransportadas (CTAT) e a Brigada Aerotransportada Independente (BAI), com base nos militares do Corpo de Tropas Pára-quedistas da Força Aérea (extinto em 30 de Dezembro de 1993), e transferidos para o ramo terrestre, e em militares do Regimento de Comandos (extinto em 01 de Outubro de 1993), que frequentaram, juntamente com outros militares de diversas Armas e Serviços do Exército, o Curso de Paraquedismo Militar em Setembro de 1993 na então Base Escola de Tropas Pára-quedistas, em Tancos (actual Regimento de Paraquedistas – RParas). O CTAT passou a ser, nos termos da lei que aliás só parcialmente foi cumprida, o fiel depositário das tradições e do património histórico das extintas unidades Paraquedistas e de Comandos. Sendo a maioria esmagadora dos militares do CTAT/BAI oriundos das Tropas Paraquedistas o Exército decidiu que o Dia do CTAT/BAI passaria a ser o 29 de Setembro numa alusão ao Padroeiro Universal dos Paraquedistas Militares.

Em 2002 foi de novo criada uma Unidade de Comandos e em 2005, no decurso da chamada “Transformação do Exército” foi decidido amalgamar numa única Grande Unidade, as unidades Paraquedistas, a de Operações Especiais, a de Comandos e ainda unidades de outras Armas, nascendo a Brigada de Reação Rápida que manteve a simbologia e as datas festivas da Brigada Aerotransportada.

A história e as tradições das unidades extintas em 1993 (Páras e Comandos), voltaram para as “suas unidades”, os actuais Regimento de Paraquedistas e Regimento de Comandos.

Desde a criação da Brigada Aerotransportada Independente, nas “vésperas” do início da participação portuguesa em missões de paz e humanitárias com unidades de combate terrestres, que lhes coube parte muito significativa do esforço de Portugal neste contexto. A partir de 1996, primeiro unidades da Brigada Aerotransportada e depois a Brigada de Reação Rápida, têm assim participado em inúmeras operações expedicionárias. São mais de duas décadas em que forças destas unidades actuaram na Europa, Ásia, Oceânia e África. Sendo as suas forças quase e sempre as primeiras a entrar num novo teatro de operações, é também aos seus militares que têm sido exigidos os maiores esforços e sacrifícios, vários pagaram mesmo com a vida o serviço a Portugal. Dos 17 militares das Forças Armadas mortos nestas missões desde 1992 [2], 10 eram Paraquedistas e 1 Comando. Nos feridos há vários de ambas estas forças sendo os 3 mais graves dos Comandos e 1 dos Paraquedistas.

[3]

O General José Nunes da Fonseca, Chefe do Estado-Maior do Exército, 58 anos de idade e 40 de serviço, tomou posse no cargo em 19 de Outubro de 2018. O Brigadeiro-General Coelho Rebelo comanda a Brigada de Reação Rápida desde 9 de Janeiro de 2018.

[4]

O Oficial de Dia ao Aeródromo Militar de Tancos, apresenta-se! O Comandante das Forças Terrestres, Tenente-General Guerra Pereira (à esquerda) e o Cmdt. da BrigRR recebem o CEME para as Cerimónias comemorativas do Dia do CFT e da BrigRR.

A Brigada de Reação Rápida, hoje

A BrigRR está na dependência directa do Comando das Forças Terrestres, e são do seu comandante, Tenente-General Guerra Pereira, estas palavras que traduzem o que é hoje esta brigada:

«…Sendo um Força Ligeira de primeiro emprego, expedicionária e modular com nichos de conhecimento ímpares no Exército Português, mantém uma elevada capacidade operacional certificada, credível e sustentável…. …congrega o todo coeso, coerente e organizado das forças ligeiras do Exército, e o caráter expedicionário cobrindo todas as funções de combate, é sustentada na mobilidade estratégica e operacional, mas, também, na credibilidade e competência que o seu desempenho e profissionalismo têm granjeado, pelo amplo reconhecimento, nacional e internacional, de que é credora.

A estruturação e as especificidades dos subsistemas de Forças que a constituem conferem características únicas no seio do Exército e permitem-lhe dar uma resposta credível a uma diversidade de situações e ameaças, particularmente aquelas que requeiram a intervenção de Forças Ligeiras, num espetro de Operações bastante heterogéneo.

Tome-se, como exemplo, a forma como a NATO, a EU e a ONU, relevam o excecional espírito de missão e exemplos de coragem moral e física das sucessivas Forças Nacionais Destacadas (FND) e Elementos Nacionais Destacados que a Brigada apronta e destaca para os mais exigentes Teatros de Operações onde Portugal se afirmou e afirma como produtor de segurança, em Teatros como os do Afeganistão, Bósnia-Herzegovina, Iraque, Kosovo, Mali, República Centro-Africana, Somália e Timor-Leste, ou inclusive no âmbito do apoio de Portugal à mitigação dos efeitos do ciclone IDAI, em Moçambique, para onde foram projetadas capacidades residentes e militares integrantes da componente terrestre da Força de Reação Imediata, de que a Brigada é a Unidade primariamente responsável pelo aprontamento.

Também a sua participação em ações de cooperação técnico-militar, junto das Forças Armadas ou de Defesa de países amigos, nomeadamente os pertencentes à Comunidade Portuguesa de Língua Oficial Portuguesa, e as atividades de cooperação, bilateral e multinacional conjunta e combinada, com particular relevo nas áreas aeroterrestres e de Forças Especiais, a tornam como depositária de todo um conhecimento que se constitui como um núcleo de excelência do Exército Português…»

[5]

Para se ter uma ideia do que na actualidade a BrigRR tem capacidade para reunir, e tendo em conta que o 1.º BIPara esta na República Centro Africana,  atente-se no dispositivo das cerimónia  do dia 17SET2019:

FORÇAS DA COMPONENTE OPERACIONAL DA BRIGADA DE REAÇÃO RÁPIDA ORGANIZADA POR FUNÇÕES DE COMBATE E OPERAÇÕES ESPECIAIS DA SEGUINTE FORMA:

COMANDO MISSÃO, ATRAVÉS DA COMPANHIA DE TRANSMISSÕES DA BRIGADA;

INFORMAÇÕES, ATRAVÉS DO AGRUPAMENTO ISTAR, CONSTITUÍDO MILITARES DO ESQUADRÃO DE RECONHECIMENTO E DO PELOTÃO HUMINT, SEDIADOS NO REGIMENTO DE CAVALARIA Nº 3, DA COMPANHIA DE SISTEMAS DE VIGILÂNCIA, SEDIADA NO REGIMENTO DE ARTILHARIA Nº 5, E DA COMPANHIA DE GUERRA ELETRÓNICA, SEDIADA NO REGIMENTO DE TRANSMISSÕES.

MOVIMENTO E MANOBRA, ATRAVÉS DO 2º BATALHÃO DE INFANTARIA PARAQUEDISTA, SEDIADO NO REGIMENTO DE INFANTARIA Nº 10, DO BATALHÃO OPERACIONAL AEROTERRESTRE, SEDIADO NO REGIMENTO DE PARAQUEDISTAS, E DO BATALHÃO DE COMANDOS, SEDIADO NO REGIMENTO DE COMANDOS.

A FUNÇÃO DE COMBATE FOGOS SERÁ REPRESENTADA PELO GRUPO DE ARTLHARIA DE CAMPANHA DA BRIGADA NA DEMONSTRAÇÃO DE CAPACIDADES.

PROTEÇÃO, ATRAVÉS DO PELOTÃO DE SEGURANÇA AO ELEMENTO DE DEFESA NBQ, SEDIADO NO REGIMENTO DE INFANTARIA Nº1. A CAPACIDADE DE DEFESA ANTI-AÉREA ATRIBUÍDA À BRIGADA DE REAÇÃO RÁPIDA, COM MEIOS PERTENCENTES AO GRUPO DE ARTILHARIA ANTI-AÉREA SEDIADO NO REGIMENTO DE ARTILHARIA ANTI-AÉREA Nº 1, ESTARÁ REPRESENTADA NA DEMONSTRAÇÃO DE CAPACIDADES.

FINALMENTE, A FIM DE SEREM INTEGRADAS NA COMPONENTE DE OPERAÇÕES ESPECIAIS, AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS DO EXÉRCITO, SEDIADAS NO CENTRO DE TROPAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS.

A BrigRR em 2019, sob o comando do Brigadeiro-General Coelho Rebelo [6], é composta por:

Comando da BrigRR, localizado no Aeródromo Militar de Tancos, onde também se encontra o seu Estado-Maior, a Unidade de Apoio, o Agrupamento Sanitário, a Companhia de Comando e Serviços e a Companhia de Transmissões;

1.º Batalhão de Infantaria Paraquedista; 2.º Batalhão de Infantaria Paraquedista; Grupo de Artilharia de Campanha; Força de Operações Especiais; Batalhão Operacional Aeroterreste; Batalhão de Comandos; Esquadrão de Reconhecimento; Companhia de Engenharia de Combate Ligeira; Bataria de Artilharia Anti-Aérea.

Estão sob comando directo da BrigRR as seguintes unidades regimentais: Regimento de Infantaria n.º 1 – Beja, com um Destacamento em Tavira; Regimento de Infantaria n.º 10 – São Jacinto, onde está aquartelado o 2.º BIPara; Regimento de Infantaria n.º 15 – Tomar, onde está aquartelado o 1.º BIPara; Regimento de Cavalaria n.º3 – Estremoz, onde está aquartelado o ERec; Regimento de Artilharia n.º 4 – Leiria, onde está aquartelado o GAC; Regimento de Comandos – Serra da Carregueira, onde está aquartelado o BCmds; Regimento de Paraquedistas – Tancos, onde está aquartelado o BOAT; Centro de Tropas de Operações Especiais – Lamego, onde está aquartelada a FOE.

Fornecem unidades operacionais para a BrigRR os: Regimento de artilharia Anti-Aérea – Queluz, onde está aquartelado a BtrAAA; Regimento de Engenharia n.º 1 – Tancos, onde está aquartelada a CEngCombLig.

[7]

A Demonstração de Capacidades iniciou-se com a infiltração do Destacamento de Precursores do Batalhão Operacional Aeroterrestre. Este salto de abertura manual foi efectuado a cerca de 2.500m de altitude a partir de um C-295M. Os Precursores estão equipados com o paraquedas SOV-3 e depois da aterragem foram simular uma “acção de vigilância, aquisição e reconhecimento em profundidade de uma zona de aterragem a fim de apoiar a projecção de um batalhão de infantaria paraquedista”

[8]

Militares do 2.º BIPara realizam um salto de abertura automática a 300m de altitude, equipados e armados para combate. Vão estabelecer uma “cabeça de ponte aérea” na zona do aeródromo e criar as condições para as aeronaves aterrarem com o “escalão de seguimento”

[9]

Os paraquedistas usam o moderno paraquedas “Spekon” que actualmente equipa a BrigRR. É orientável, permite ao paraquedista rodar sobre o próprio eixo e assim criar condições para uma boa aterragem.

[10]

Militares do 2.º BIPara aterraram no C-295M e vão ocupar as instalações aeroportuárias, são acompanhados de meios de apoio de combate da brigada. Engenharia de Combate Ligeira e elementos do pelotão de Artilharia Anti-Aérea

As unidades da BrigRR em combate

Como acima está referido pelo Comandante das Forças Terrestres as unidades da BAI e depois da BrigRR tem sido empregues nos mais diversos teatros de operações e por vezes em situações bem difíceis, como infelizmente o número de mortos e feridos o atestam. Nem sempre a real dimensão destas operações chegam ao conhecimento da opinião pública, parecendo por vezes, anos seguidos, que a actividade operacional é pouca, quando muitas vezes é bem intensa.

Recentemente fruto de várias circunstâncias a actuação das FND oriundas da BrigRR na RCA ganhou enorme visibilidade, quer no contexto nacional e mesmo em certa medida no internacional. Primeiro no arranque da missão que ganhou grande expressão pública ainda em 2016 e depois em 2017 com o seu início, mas sobretudo em 2018 e início de 2019 quando os combates com os grupos rebeldes foram mais intensos. Até pode ser relativamente injusto para os outros militares que estiveram anteriormente e estão hoje no terreno (quer ao serviço da EU quer da ONU), e até para o enorme volume de missões que esta e outras unidades do Exército têm cumprido ao longo dos anos, mas…as coisas são como são. Coube aos paraquedistas da BrigRR – e aos controladores aéreos avançados da FAP – e em 2019 também com o apoio dos militares de cavalaria da BrigInt, cumprir as missões mais violentas que as tropas portuguesas enfrentaram no pós-guerra do Ultramar.

Todos foram duramente postos à prova na RCA desde Janeiro de 2017 quando os militares portugueses começaram a sua missão como Força de Reação Rápida do comando da MINUSCA. Inicialmente duas FND, compostas maioritariamente compostas por militares das 2.ª e 1.ª Companhia de Comandos, incluindo outros militares de diversas armas e serviços do Exército e uma Equipa de Controlo Aéreo-Táctico da Força Aérea Portuguesa. Seguiram-se duas FND compostas maioritariamente por militares do 1.º e 2.º Batalhões de Infantaria Paraquedista, a Equipa da FAP e, a partir de final de 2018, os militares do Módulo PANDUR da Brigada de Intervenção. A 5.ª FND foi novamente constituída maioritariamente por militares dos Comandos e a 6.ª FND que está no teatro de operações neste momento, assenta novamente no 1.º BIPara.

Foi no entanto em meados de 2018 e início de 2019 que esta missão teve especial relevo pelo número de vezes que os militares entraram em combate e pela natureza ofensiva das operações que realizaram. Actuam num ambiente operacional difícil e altamente agressivo até do ponto de vista sanitário, onde a capacidade de comando nos vários níveis da hierarquia foi posta à prova, a coragem individual de muitos foi testada ao limite, o armamento disponível, as viaturas e as comunicações exploradas ao máximo, e o pessoal de apoio com um trabalho imprescindível para os resultados obtidos. O saldo foi altamente positivo e com reais reflexos no terreno. Talvez ainda seja cedo para análises definitivas mas os factos no terreno parecem provar que o reiterado trabalho dos diversos contingentes portugueses, que se mantém hoje, foi um dos aspectos relevantes no apaziguamento da situação militar no país que por enquanto se verifica.

As palavras do Chefe do Estado-Maior do Exército, General José Nunes da Fonseca, quer de viva voz perante os militares empenhados na demonstração quer no seu discurso – de onde foi retirado este excerto, o discurso na íntegra pode ser descarregado no final deste artigo – atestam o que o Comando do Exército pensa e espera desta unidade:

«…importa realçar o papel de eleição desta grande unidade na capacidade operacional do Exército. Distingue-se, de modo visível, pela particularidade prontidão das forças que integra, especificamente preparadas para atuar em cenários complexos, de elevado risco e que exigem elevada prontidão e capacidade de resposta.

O emprego de forças da Brigada de Reação Rápida tem sido um veemente exemplo de uma cultura de bem servir e de criação de valor. Dos vários teatros de operações chegam-nos amiúde relatos de coragem, bravura e de patriotismo dos militares da Brigada. Que originam sinceras e generalizadas manifestações de reconhecimento e apreço, frequentemente emanadas pelas mais altas instâncias e organismos internacionais…»

[11]

Instalação aeroportuária conquistada. A veterana Galil 5,56mm – aqui na versão ARM, com bipé e carregador de 50 munições – introduzida nas Tropas Paraquedistas da Força Aérea em 1980 e também elas transferidas para o Exército em 1994, está prestes a ser substituída.

[12]

O C-130H da Esquadra 501 Bisontes da Base Aérea n.º 6 da Força Aérea Portuguesa, aterra e desembarca duas viaturas Panhard M-11, uma Secção de Exploração do ERec/BrigRR. Deveria seguir-se o Obús “Light Gun” 105mm, mas tendo sido utilizado o C-130H “curto” a sua entrada foi feita via terrestre.

[13]

A Engenharia de Combate “limpa o terreno” de engenhos explosivos e o apontador de míssil Stinger (o 3.º militar da coluna) vai preparar-se para alguma ameaça aérea a muito baixa altitude.

[14]

Obús M119 105mm/30 M/98 (Light Gun) GAC/BrigRR – mais de 20 anos de serviço – em direcção à base de fogos dentro da cabeça de ponte aérea para bater pelo fogo os principais eixos de aproximação inimigos a fim de neutralizar/retardar eventuais reforços.

Efectivos, o calcanhar de Aquiles

Todos sabem qual é a principal limitação do Exército e das Forças Armadas Portuguesas nos tempos que correm: a falta de efectivos. Do Ministro da Defesa Nacional ao Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, passando pelos Chefes dos três ramos das Forças Armadas, todos já o referiram publicamente.

Ainda em 20 de Setembro último o Ministro da Defesa Nacional Gomes Cravinho, em entrevista a Ricardo Alexandre da TSF confirmava que “…estamos com cerca de 26.000 militares…”, ou seja, menos 4.000 a 6.000 do que o próprio governo definiu na Resolução do Conselho de Ministros n.º 157 -A/2017, e que apontava para o intervalo entre 30.000 a 32.000. Estes números foram a primeira vez referidos em Abril de 2013, ainda no governo anterior no âmbito da chamada Reforma Defesa 2020 e desde então reiterados anualmente. Quer isto dizer que nestes últimos 7 anos não se alcançaram as metas definidas, bem antes pelo contrário, os efectivos têm vindo a diminuir de modo sustentado. Segundo o último Anuário Estatístico da Defesa Nacional divulgado publicamente (incompreensivelmente o de 2015), nesse ano as Forças Armadas dispunham de 28.013 militares no activo, 13.938 dos quais no Exército. Assim, em 4 anos perderam sensivelmente 2 mil efectivos mas no Exército a quebra foi de 20%!

Importa antes de continuar referir que os ramos das Forças Armadas de modo autónomo ou em colaboração com o Ministério da Defesa Nacional, aqui muito através do Dia da Defesa Nacional mas também em outras ocasiões, têm feito um esforço de comunicação cada vez maior na divulgação para o Recrutamento tentando contrariar esta tendência da falta de efectivos. Isto é mesmo muito notório no Exército porque mais tarde começou a investir nesta área. A nível do Estado-Maior General das Forças Armadas o esforço de comunicação sobre as actividades das Forças Nacionais Destacadas conseguiram dar-lhes um protagonismo na imprensa generalista que há muitos anos não se via – será preciso recuar a Timor no ano 2000 e à Bósnia em 1996 – sendo agora muito mais difícil do que então captar a atenção dos media, beneficiando assim sobretudo a imagem do Exército, embora sem esquecer a Marinha e Força Aérea nas missões internacionais que também cumprem.

Parece evidente, quer pelo senso comum de quem anda pelas unidades quer até pelos últimos estudos oficiais conhecidos e divulgados [15], que uma verdadeira inversão desta tendência só se resolverá quando pagarem mais aos militares, sobretudo às Praças, quando estas possam ter uma carreira e quando as suas condições de vida nos quartéis melhorarem consideravelmente. Tudo isto está mais do que sabido…mas não se pode nunca resolver a nível militar, só no patamar político-legislativo.

[16]

Depois da equipa sniper eliminar uma sentinela, a “Task Unit” de Operações Especiais usando as viaturas POLARIS MZR SOF TP-2, lança-se sobre o objectivo onde se encontra um “alvo de elevado valor” o líder do principal grupo insurgente da região.

[17]

Capturado o alvo com o apoio de um binómio canino, inicia-se a retirada com o inimigo capturado, já debaixo de fogo porque entretanto os insurgentes lançaram-se ao assalto tentando resgatar o seu líder.

[18]

Além da intervenção da artilharia para retardar os avanços inimigos o comando da brigada decide empregar a reserva, uma Quick Reaction Force dos Comandos para permitir e retirada das operações especiais.

[19]

Os snipers no seu POLARIS MZR SOF TP-1 também retiram com o apoio da artilharia e dos Comandos. Por fim vai retirar a QRF dos Comandos numa acção de fogo e movimento “por enfraquecimento de linhas”

Profissionalismo e competência, marca do factor humano

Este quadro de dificuldades, a que também se devem acrescentar orçamentos nos Ramos reduzidos ao mínimo, e por vezes abaixo disso, sendo certo que não permite a Portugal empenhar os números de outrora nas missões internacionais, não tem afectado o desempenho profissional das nossas forças, quer no estrangeiro quer em Portugal nas missões de apoio à Autoridade Nacional de Proteção Civil ou a qualquer outra entidade. E também é verdade que as forças em preparação para as missões expedicionárias têm regra-geral dotações orçamentais que lhes permitem efectuar o treino em condições aceitáveis. Não sendo tudo perfeito, há uma atenção especial a estas forças, na preparação em Portugal mas sobretudo no decorrer das missões, permitindo aos nossos militares disporem de condições que têm vindo paulatinamente a melhorar. E assim tem que ser, o caminho só pode ser este, evoluir, todos devemos ficar satisfeitos se uma força expedicionária actua com melhores condições do que a anterior!

Não é fácil fazer certas comparações, aqui e ali será até injusto e falível, mas ainda assim atrevemo-nos a dizer que o desempenho nos vários teatros de operações onde as Forças Armadas têm actuado está ao seu melhor nível de sempre. As lacunas em material também são conhecidas – só para dar um exemplo, no Afeganistão a força portuguesa continua a actuar com viaturas blindadas emprestadas pelos EUA, ano após ano – mas na realidade várias coisas vão melhorando no respeitante à componente terrestre, como iremos ver no último capitulo deste artigo.

[20]

Já depois das acções tácticas terminarem, inicia-se a demonstração de paraquedismo com os “Falcões Negros” num salto de abertura manual no qual usam os paraquedas de competição “Stiletto 150”

[21]

[22]

O Sargento-Ajudante Paraquedista Paulo Lima transportou a Bandeira Nacional que encerrou a demonstração de paraquedismo.

Demonstração de capacidades

A demonstração de capacidades assentou em quatro vectores, tratando-se naturalmente de uma operação com aspectos planeados mas não realizados ou concretizados com efectivos reduzidos.

– Evidenciar a capacidade de projecção estratégicas, com a simulação da conquista de uma cabeça de ponte aérea. Operação de grande envergadura que segue a seguinte sequência: infiltração a grande altitude de um Destacamento de Precursores através de salto de abertura manual; assalto aéreo pelo 2.º Batalhão de Infantaria Paraquedista a baixa altitude através de salto de abertura automática e conquista da instalação aeroportuária; aterragem do escalão de seguimento do mesmo batalhão reforçado com meios de apoio de combate (elementos pelotão Stinger para protecção anti-aérea e da engenharia de combate para detecção de explosivos/minas); aterragem de elementos do Esquadrão de Reconhecimento (viaturas Panhard M11) e do Grupo de Artilharia de Campanha (obús Light Gun), para vigiar o flanco norte do aeródromo e bater pelo fogo os principais eixos de aproximação do inimigo, respectivamente. Esta fase termina com a consolidação da cabeça de ponte, com o empenhamento do 1.º Batalhão de Infantaria Paraquedista e o Batalhão de Comandos.

Mostrar a interoperabilidade das subunidades da Brigada com a execução de uma operação de captura de um alvo de elevado valor numa região que se encontraria fora da cabeça de ponte aérea. Operação típica de Acção Directa das Forças de Operações Especiais, aqui realizada por uma Task Unit da FOE/CTOE com uma Quick Reaction Force em apoio. Inicia-se com acção de equipa sniper que empregam viatura POLARIS MZR SOF TP-1, apoio de um “drone” (o MAVIC 2 PRO) para monitorizar o alvo. Neutralizadas as sentinelas, segue-se o assalto pela Task Unit, incluindo um binómio homem-cão, fazendo uso das viaturas POLARIS MZR SOF TP-2. Na retirada é feito uso do GAC para retardar a aproximação de forças inimigas.  ERec detecta mais actividade inimiga e o Comando da BrigRR decide empenhar os Comandos em reserva com as suas viaturas HMMWV, os quais cobrem a retirada dos restantes militares empenhados, sendo os últimos a abandonar a zona de acção, apoiados agora pelos fogos do GAG .

– Evidenciar a capacidade técnica na execução de saltos em paraquedas, característica singular desta brigada, através da equipa de demonstração de paraquedismo do Exército, “Os Falcões Negros”. Efectuaram saltos de abertura manual – queda-livre – dois grupos de paraquedistas, no total 9 “Falcões”, mostrando as performances deste tipo de salto em paraquedas, do marial usado e as aptidões necessárias para os executar.

a apresentação em voo do C-130 e do C-295M das esquadras 501 e 502 da Força aérea portuguesa, respectivamente, realçando a excelente cooperação entre estes dois ramos da Forças Armadas Portuguesas.  Uma “passagem baixa” destas aeronaves é sempre um momento altamente simbólico, sobretudo para os militares que saltam de aeronaves em voo e comungam com as tripulações o espírito aeronáutico alicerçado em décadas de emprego comum, na paz e na guerra. Felizmente a cooperação com a Força Aérea mantém-se de boa saúde e este foi um excelente encerramento da demonstração de capacidades.

[23]

Os Comandos serão certamente das primeiras forças a receber as novas viaturas tácticas ligeiras blindadas 4X4, URO VAMTAC ST5, para substituir os mais do que “batidos” HMMWV! Uma curiosidade nesta foto que também deixará de ser ver no Exército com a introdução do novo uniforme, estes militares usam um camuflado padrão “MultiCam” que em anos recentes o Exército autorizou fosse usado por algumas FND e por elementos de operações especiais e precursores aeroterrestres.

[24]

As aeronaves da Força Aérea empenhadas neste dia em Tancos passam sobre a formatura final da demonstração com os Precursores Aeroterrestres em primeiro plano. Por estranho que possa parecer a quem não é paraquedista este é sempre um momento muito emotivo e simbólico para os boinas verdes!

[25]

General José Nunes da Fonseca depois de receber a apresentação da força empenhada na demonstração fez questão de enaltecer de viva voz a sua conduta no exercício encerrando assim esta actividade.

O futuro próximo já começou

O último grande projecto de reequipamento do Exército foi o Programa PANDUR, o qual teve aliás um fim abrupto em 2014 [26] com o cancelamento da recepção de algumas versões da viatura inicialmente previstas – e, pior na Marinha, com o cancelamento de todas as viaturas que o Corpo de Fuzileiros devia receber.

Recentemente no entanto alguns novos programas tiveram desenvolvimentos e pode-se dizer que em termos de armamento, equipamentos e fardamento o Ramo terrestre já iniciou uma nova era e a BrigRR é uma das grandes beneficiárias destes materiais

Alguns dos aspectos mais significativos são:

– A continuação (e mesmo conclusão de alguns) dos Programas de reequipamento da Força de Operações Especiais [27], com novas armas (HK 416, HK 417, HK G-28 e Sniper),  viaturas tácticas (Polaris), novos equipamentos de comunicações e outros ;

– Os Veículos Aéreos Não Tripulados RAVEN (de fabrico US) que já estão em emprego operacional, depois de um projecto nacional no qual o Exército colaborou activamente durante anos, não ter alcançado aquilo que se desejava;

– Os HK GMG 40mm [28] que já estão a substituir os anteriores lança-granadas automáticos que não satisfaziam as necessidades operacionais actuais;

– A aquisição já realizada de uma nova família de armas ligeiras, que além de ser uma necessidade mais do que comprovada, era até um autêntico trauma! Continuar a usar uma espingarda com mais de 50 anos. Sendo certo que na RCA recebeu alguns acessórios para minimizar as suas limitações, e que o inimigo que enfrentou estava armado a nível semelhante, finalmente iniciou-se a sua substituição. A opção foi pelo fabricante belga FN: espingardas 5,56mm (FN SCAR-L) e 7,62mm (FN SCAR- H); metralhadoras ligeiras FN MINIMI 5,56mm MK3 e FN MINIMI 7,62mm MK3; Lança Granadas FN 40GL-S MK 2; aparelhos de pontaria Trijicon ACOG 3.5X35 e VCOG 1-6X24 e Aimpoint CompM4. De salientar que estas novas armas, quando chegarem, vão substituir não só a HK G-3 ao serviço desde 1961 e 1963, mas também as Galil 5,56mm AR e ARM que as tropas paraquedistas trouxeram da Força Aérea em 1994 e que já estavam em uso desde 1980, e ainda as SIG 543 5,56mm que estavam em uso nas Operações Especiais e nos Comandos.

– Está ainda anunciada a compra de uma pistola 9mm – a Glok 17 – para substituir a Walther P.38 que também foi introduzida em Portugal no início dos anos 60, embora a data de entrega seja desconhecida.

– Muito em breve começarão a ser distribuídos às unidades da BrigRR as novas viatura tácticas ligeiras blindadas do fabricante espanhol UROVESA, os VAMTAC – Vehículo de Alta Movilidad Táctico – ST 5 [29] em várias versões.

– Uma outra área há muito negligenciada e que vivia de pequenas compras pontuais regra-geral para as FND, não raras vezes com carácter de urgência por falta de reservas, e nem sempre com os mesmos padrões e qualidade, o fardamento e equipamento individual, está finalmente decidido. Já foi usado numa FND com pequenos efectivos (Iraque) e agora espera-se que tenha distribuição geral . Ainda esta semana, a 23 de Setembro, já depois portanto da cerimónia de Tancos, foi publicada a Portaria do Ministro da Defesa Nacional relativa à “…despesa inerente à aquisição de tecido e confecção de fardamento para o ano de 2020…” dos Sistemas de Combate do Soldado (SCS) com o objetivo de dotar o militar com todos os equipamentos de combate utilizados de forma integrada, incremental e aberta, com o objetivo de aumentar a capacidade de sobrevivência do soldado, procurando evitar a sua deteção, e equipando-o com fardamento que lhe confira maior proteção e comodidade.

Os tempos que correm no Exército parecem ser assim de preocupação com as questões relativas à falta de efectivos e aos orçamentos mas também de optimismo porque há na realidade uma série de aspectos há muito identificados como lacunas que estão a ser melhorados. E não são coisa pouca.

Tudo isto tem que ser gerido com forças continuamente empenhadas em vários teatros de operações em África e na Ásia, outras de igual volume a serem preparadas para as substituir, e ainda responder às solicitações para emprego no território nacional e a operações com carácter de urgência – como foi o caso do apoio às vítimas do furação Idai em Moçambique [30].

Havendo solicitações internacionais para maior empenhamento, facto que nos dignifica – é a prova do valor dos nossos sodados – só podemos desejar que se consigam reunir as condições legislativas necessárias a um aumento real dos efectivos e logo da nossa capacidade operacional, invertendo finalmente uma cada vez mais preocupante tendência de anos.

[31]

Neste artigo apenas publicamos fotos da Demonstração de Capacidades, mas aqui abrimos uma excepção, o 2.º Batalhão de Infantaria Paraquedista na Cerimónia Militar, sob o comando do Tenente-Coronel Capinha Henriques. E porquê? Porque será certamente a próxima Força Nacional Destacada na RCA/MINUSCA, onde irá render e Março (?) o 1.º BIPara que ali se encontra em operações desde este mês de Setembro.

 

Leia aqui na íntegra o discurso do General José Nunes da Fonseca, Chefe do Estado-Maior do Exército [32].