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CADERNO AFEGÃO

Por • 1 Nov , 2009 • Categoria: 08. JÁ LEMOS E... Print Print

Habituados que estão os nossos leitores à apresentação de livros sobre temática militar poderão estranhar a obra que hoje aqui trazemos. “Caderno Afegão” pode no entanto ajudar e muito a perceber o ambiente em que um dos conflitos mais badalados da actualidade se desenrola.

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Alexandra Lucas Coelho (ALC) esteve no Afeganistão entre 31 de Maio e 29 de Junho de 2008, ao serviço do jornal “Público” e da “Radio Difusão Portuguesa”. Fez várias reportagens publicadas na altura e lançou agora este seu caderno de viagem, no fundo o seu diário daqueles dias. Podem parecer poucos dias para escrever um livro mas quem ler “Caderno Afegão” nota bem que o assunto foi bem estudado previamente e o tempo bem aproveitado. Impõe-se referir que ALC visitou de facto o país: Cabul, Jalalabad, Bamiyan, Mazar-i-Sharif, Herat, Kandahar, Band-e-Amir e Bagram, aqui acidentalmente. A jornalista não esteve no Afeganistão na comitiva de um ministro nem fez as habituais “patrulhas para jornalista”. Bem sabem os militares em missão que alguns destes profissionais  da comunicação social (sobretudo os de televisão), usam depois destas “difíceis” reportagens o almejado título de “repórter de guerra”. No entanto e em boa verdade este tipo de divulgação das missões também convém – e de que maneira – aos militares. Não dão muito trabalho e corre sempre bem!

ALC pouco lidou com os militares (portugueses e outros) no decurso desta sua estadia no Afeganistão. Sobre os portugueses não refere se assim foi por não ter interesse (além do que veremos a seguir) ou se tentou e não conseguiu apoio. Sobre outras nacionalidades – pelo menos canadianos – não foi autorizada. Há no texto, pontualmente, referências nominais a militares portugueses que ali prestam serviço as quais poderemos considerar neutras. Refere-os, não diz nem bem nem mal. Destaque e até agradecimento pelo apoio dá a jornalista a um militar da Força Aérea que ali se encontra em comissão civil. Além disto e no respeitante aos militares portugueses ALC dedica uma dúzia das 300 páginas do “Caderno Afegão” a uma interessante entrevista, em Camp Warehouse (Cabul), a militares do Exército e da Força Aérea que haviam caído numa emboscada em Kandahar antes do 10 de Junho de 2008. Interessante porque a acção é contada com algum detalhe pelos envolvidos e também pelo facto das declarações destes comandos serem (a expressão com alguma graça é aplicada por ALC) “contextualizadas” periodicamente pelo tenente médico que serviu nesse dia de “escort officer” à jornalista  e também esteve na operação em causa.

Escrevendo ALC como escreve e como observa a realidade à sua volta, fica-se com a sensação que teria sido muito interessante ter havido mais tempo da jornalista com os nossos militares e em situações fora do quartel.

Mas o livro vale sobretudo pelas detalhadas observações que ALC faz sobre diversos sectores da sociedade afegã e não menos pela perspicácia com que avalia a “multidão” de estrangeiros de todas as origens e profissões, das mais nobres às mais discutíveis, que no Afeganistão ganham a vida. Talvez exagere no acento que continuamente coloca na situação das mulheres, mas percebe-se não só pela realidade dramática que ali vivem em quase todas as regiões como pelo facto da própria jornalista sentir parte disso na primeira pessoa em muitas ocasiões.

Os riscos que muitos correm naquelas paragens são pagos – sobretudo os estrangeiros – mas ALC certamente sem receber nada semelhante também correu riscos. Parece-nos até que a sorte a bafejou e que deixou várias vezes esse acaso resolver algumas situações. Sendo uma opção da própria que nos permite hoje ler um interessante relato de viagem, não deixa de ser – do ponto de vista dos militares em operações – uma potencial dor de cabeça. Tem havido como é sabido vários casos destes sem final feliz. Mas também é verdade que sem essa atitude ALC não teria visto, nem conhecido, nem percebido, pessoas e situações que escapam à generalidade dos estrangeiros que passam pelo Afeganistão muito mais tempo.

Para quem tem curiosidade pelo Afeganistão e apenas segue “as noticias”, para quem esteve ou vai estar naquele teatro de operações, seja civil ou militar, Caderno Afegão é um livro a ler. E também a “ver”. Isto porque no site da editora “Tinta da China”, em boa hora foram colocadas fotografias – de acordo com ordem cronológica do diário – em que os “personagens” do livro aparecem. É aliás muito curioso ler as descrições de ALC e depois ir ver as imagens. Foi um risco que a autora correu – podia chegar-se à conclusão que a descrição escrita não correspondia à realidade. Mas corresponde.

O livro é uma edição cuidada da “Tinta da China” de 2009, com o ISBN 978-989-671-007-I e custa entre 16 e 18,00 € nas livrarias.

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