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ANGOLA: EXERCÍCIO DE FORÇAS ESPECIAIS, “VALE DO KEVE 2014” (I)

As forças especiais angolanas organizaram recentemente um exercício multinacional de grande importância regional – VALE DO KEVE 2014 – o qual decorreu no âmbito da sua participação da componente “defesa e segurança” da SADC, Southern African Development Community, a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral. Estando iminente a participação de Angola com um grande contingente na missão de paz da ONU na República Centro Africana , muito do que aqui se testou será certamente de grande utilidade para essa operação.

Neste exercício multinacional assistiu-se ao intenso uso de meios aéreos de asa rotativa, quase e sempre em condições muito exigentes para máquinas, tripulações e apoio. [1]

Neste exercício multinacional assistiu-se ao intenso uso de meios aéreos de asa rotativa, quase e sempre em condições muito exigentes para máquinas, tripulações e apoio.

Depois de duas edições na República da África do Sul, uma no Reino do Lesoto e a do ano transacto na República da Namíbia, no ano de 2014 coube à República de Angola receber um exercício de forças especiais que tem vindo a fazer o seu caminho durante estes últimos 5 anos. Sem dúvida que este exercício se vem afirmando como um marco anual para aferir a evolução das unidades de forças especiais envolvidas. Da doutrina e planeamento aos fardamentos e equipamentos individuais ou à logística, passando pela entrada em serviço em condições de campanha muito exigentes de materiais ligados às novas tecnologias de informação e as trocas de experiências na execução de diferentes procedimentos tácticos e técnicas, muito esta série de exercícios tem trazido aos países participantes.

No caso de Angola, país cujas Forças Armadas saíram de uma guerra civil há pouco mais de 10 anos, a participação em operações fora das suas fronteiras num quadro multinacional, que aliás já se encontra anunciada – e confirmada em Novembro de 2014 pelo Ministro da Defesa de Angola, para o primeiro trimestre de 2015 –  torna este tipo de manobras militares autêntica preparação para uma próxima projecção de forças. Ao longo da sua história como país independente os militares angolanos já realizaram várias intervenções fora do seu território, a esmagadora maioria para defesa directa dos seus interesses nacionais ajudando a estabilizar a situação nas fronteiras. Ouve também uma participação directa em operações de paz que ocorreram na República Democrática do Congo, República do Congo em 1997/1998 e na Guiné-Bissau (2010), mas sempre num quadro de grande autonomia de acção. Agora, em 2015, um efectivo a rondar os 1.800 militares participará sob a bandeira da ONU na força desta organização que actua na República Centro Africana (MINUSCA).

Este exercício constituiu sem dúvida um salto qualitativo em muitos aspectos, com utilização de materiais modernos... [2]

Este exercício constituiu sem dúvida um salto qualitativo em muitos aspectos, com utilização de materiais modernos, quer a nível das tecnologias de informação quer da logística.

e tecnologias que ajudam a incrementar a capacidade de comando e  controlo deste tipo de unidades. Um dos componentes sistema de comando e controlo "Chaka" [3]

Um dos componentes sistema de comando e controlo “Chaka”  de fabrico sul-africano que foi usado no exercício em condições reais e não apenas como teste.

"Shelter" de uma das salas do Estado-Maior onde militares de operações especiais dos países participantes trabalhavam diariamente. As barreiras linguísticas são um dos aspectos que vão merecer atenção das autoridades angolanas. Os países da SADC falam sobretudo inglês, mas também francês e português, sendo estas as três línguas oficiais. [4]

“Shelter” de uma das salas do Estado-Maior onde militares de operações especiais dos países participantes trabalhavam diariamente. As barreiras linguísticas são um dos aspectos que vão merecer atenção das autoridades angolanas. Os países da SADC falam sobretudo inglês, mas também francês e português, sendo estas as três línguas oficiais da comunidade.

A região escolhida permitia desenvolver operações em meio aquático o que aconteceu. [5]

A região escolhida permitia desenvolver operações em meio aquático o que aconteceu.

Durante a fase de treino cruzado, snipers dos países participantes (aqui Namíbia e Zâmbia), regulam alças telescópicas. [6]

Durante a fase de treino cruzado, snipers dos países participantes (aqui Namíbia e Zâmbia), regulam alças telescópicas.

Bom tiro para este pára-quedista da Namíbia! [7]

Bom tiro para este pára-quedista da Namíbia!

O poder de fogo - uma metralhadora pesada e duas ligeiras - a mobilidade e a robustez deste tipo de viaturas fazem delas uma arma muito usada em África. Esta pertence à Brigada de Forças Especiais e está a ser operada por angolanos e congoleses. [8]

O poder de fogo – uma metralhadora pesada e duas ligeiras – a mobilidade e a robustez deste tipo de viaturas fazem delas uma arma muito usada em África. Esta pertence à Brigada de Forças Especiais e está a ser operada por angolanos e congoleses.

Aqui já se dá prioridade à protecção quer contra armas ligeiras quer contra engenhos explosivos. 3 viaturas blindadas das Forças de Defesa da Namíbia e uma das Forças Armadas de Angola, no decurso de uma missão de escolta. [9]

Aqui já se dá prioridade à protecção quer contra armas ligeiras quer contra engenhos explosivos. 3 viaturas blindadas das Forças de Defesa da Namíbia (tipo Casspir) e uma das Forças Armadas de Angola no decurso de uma missão de escolta.

“Vale do Keve 2014”

Participaram no exercício 1.700 militares, a maioria de Angola, mais de 1.000, e destacamentos de forças especiais da África do Sul, Botswana, República Democrática do Congo, Namíbia, Tanzânia, Zâmbia, Lesotho e Zimbabwe. Moçambique e Malawi não participaram, Madagáscar, Suazilândia, Ilhas Maurícias e Seychelles também não, por não disporem de Forças Especiais.

O exercício decorreu segundo um cenário geral que nos é bem conhecido nos nosso exercícios nacionais, “…conjuntura de crise num país com a degradação de situação política interna, gerando insegurança e o colapso das instituições do estado, colocando em risco a liberdade de circulação de pessoas e bens, provocando deslocados…

Os objectivos declarados deste exercício foram “…treinar a organização, o planeamento, a conduta e o controlo de operações no quadro da actuação e resposta a uma situação de crise no âmbito das Forças Especiais dos Estados membros da SADC…

Para a intervenção que a direcção política determinou, foi criada por estes países membros, uma “Força Tarefa Conjunta Multinacional” (FTCM) que se constituiu assim no vector operacional que a SADC accionou para estabilizar a região em causa e que levou a cabo uma enorme série de operações tácticas dos mais variados tipos. O estado-maior desta FTCN funcionou com o uso de um moderno sistema de comando e controlo, o “Chaka” de fabrico sul-africano adquirido por Angola, o que representou um enorme avanço neste decisivo domínio das operações, e foi aprofundada a interoperacionalidade de equipamentos e armamentos e a harmonização de tácticas técnicas e procedimentos. Dos muitos exemplos que se poderiam dar, um por ser o mais actual em Angola, foi possível ver pára-quedistas de vários países a saltar do mesmo meio aéreo da Força Aérea Nacional de Angola (FAN) com o mesmo tipo de pára-quedas que faz parte da dotação da Brigada de Forças Especiais (BRIFE) das Forças Armadas Angolanas (FAA) [10].

Em suma, o planeamento, preparação, execução e coordenação das operações das forças especiais envolvidas, foi uma realidade multinacional no “Vale do Keve”, o que muitas vezes não é fácil pelas diferentes línguas faladas nos países da região mas também pelos antecedentes históricos de cada país o que originou no passado diferentes tipos de organização e procedimentos, os quais têm vindo, ano após ano, a ser paulatinamente uniformizados. Esta procura de uma identidade própria na SADC não é fácil, mas é necessária mesmo que não seja perfeita, para permitir operar em conjunto, e está hoje influenciada a dois tempos, o que é curioso, pelas “escolas” russa e americana/NATO.

A geografia do local, a que se junta uma importância histórica que as autoridades angolanas em várias ocasiões lembraram – ali teve lugar uma das mais importantes batalhas da guerra contra a União Sul Africana, a “batalha do Ebo” – foi determinante para a escolha daquela região: municípios da Cela, Quibala e Ebo, no Kuanza Sul. Ali foi possível efectuar operações em tipologias de terrenos muito diferentes: montanha, selva, água e…no ar.

Preparação de uma missão de inserção/extracção de uma destacamento multinacional de operações especiais, sob comando angolano, com apoio de um MI-17 do Regimento Aéreo de Helicópteros da Força Aérea Nacional, cujo piloto está à esquerda na imagem. [11]

Preparação de uma missão de inserção/exfiltracção de um destacamento multinacional de operações especiais, sob comando angolano, com apoio de um MI-17 do Regimento Aéreo de Helicópteros da Força Aérea Nacional, cujo piloto está à esquerda na imagem.

Em algumas ocasiões do exercício foram utilizadas munições reais, o que obrigou a coordenação cuidada dessas acções. [12]

Em algumas ocasiões do exercício foram utilizadas munições reais, o que obrigou a coordenação cuidada dessas acções.

Colocação no local da acção directa do destacamento utilizando "corda rápida". Em segundos todos os operacionais estão em acção no solo. [13]

Colocação no local da acção do destacamento utilizando “corda rápida”. Em segundos todos os operacionais estão em acção no solo.

Após a acção a exfiltração em STABo [14]

Após a acção no terreno, a exfiltração em SPIE (Special Patrol Insertion/Extraction). A coordenação entre forças terrestres e meios aéreos da Força Aérea Nacional de Angola foi uma constante deste exercício.

Elementos de operações especiais da República Democrática do Congo e da Tanzânia, com metralhadoras ligeiras PKM 7,62mm. Aqui prontas para usar munições de exercício. [15]

Elementos de operações especiais da República Democrática do Congo e da Tanzânia, com metralhadoras ligeiras PKM 7,62mm. Aqui prontas para usar munições de exercício.

Últimos detalhes para coordenar uma acção. Destacamento multinacional de operações especiais. Como curiosidade os sul-africanos nestes exercício usaram como espingarda a "Kalash" por uma questão de uniformidade, mas também, como na imagem, o lança-granadas US M-79 40mm, popularizado na guerra do Viet-Nam (terminou em 1975). [16]

Últimos detalhes para coordenar uma acção. Destacamento multinacional de operações especiais. Como curiosidade os sul-africanos nestes exercício usaram como espingarda a “Kalash” por uma questão de uniformidade, mas também, como na imagem, o lança-granadas US M-79 40mm, popularizado na guerra do Viet-Nam (terminou em 1975). Ao seu lado um cabo das forças especiais do Zimbabwe usa outro “clássico”, o RPG-7.

Alouette III (juntamente com os MI 17) foram helicópteros constantemente usados neste exercício, operando sempre a partir do aeroporto de Waku-Kungo, transformado numa pequena base de apoio, tendo para isso recebido alguns equipamentos móveis.. [17]

Alouette III (juntamente com os MI 17) foram helicópteros constantemente usados neste exercício, operando sempre a partir do aeroporto de Waku-Kungo, transformado numa pequena base de apoio, tendo para isso recebido alguns equipamentos móveis.

18  DSC_8323 Vale do Keve 2014 [18]

Os AL III voam quase e sempre com piloto (à direita) e mecânico e têm os equipamentos básicos, aos quais, em alguns casos se adaptou um GPS.

Os comandos e operações especiais da Direcção das Forças Especiais, são grandes utilizadores dos helicópteros Al III e MI 17 do Regimento Aéreo de Helicópteros da Força Aérea Nacional. [19]

Os comandos e operações especiais da Direcção das Forças Especiais, são grandes utilizadores dos helicópteros Al III e MI 17 do Regimento Aéreo de Helicópteros da Força Aérea Nacional.

Força Tarefa Conjunta Multinacional

Esta força foi desenhada para constituir um vector de intervenção imediata ao serviço da SADC. Será a primeira unidade a ser empregue e a sua acção permitirá depois que novas unidades, de outro tipo, possam vir a consolidar ou aprofundar o seu trabalho operacional.

A FTCJ esteve organizada com um comando e estado-maior, apoio de serviços e 6 Grupos de Forças Especiais, cada um vocacionado para uma área de actuação: sniper, reconhecimento, operações anfíbias, operações terrestres, operações aerotransportadas e mobilidade.

Antes de iniciar a operação propriamente dita ouve tempo para efectuar o chamado “treino cruzado” para as diferentes unidades envolvidas se darem a conhecer bem assim como os seus equipamentos e procedimentos. Nesta fase foram ainda treinadas actividades como patrulhas, infiltração e extracção com diferentes técnicas e plataformas, natação de combate, navegação aquática e tiro.

Seguiu-se o exercício, o qual em linhas muito gerais consistiu na manobra desta força – com muitas acções independentes – para travar as acções dos terroristas que haviam tomado a iniciativa na área de operações, apoiar o governo legítimo e estabilizar a situação. Isto foi conseguido com recurso a reconhecimentos, acções sniper, evacuação de não-combatentes, emboscadas, acções de busca e salvamento com e sem oposição.

O ano de 2014 marcou uma nova fase no pára-quedismo militar em Angola. Entre Fevereiro e Julho, formaram quase 400 militares e estão autónomos nesta actividade. Para o exercício montaram uma "sala de dobragem" de campanha que apoiou os lançamentos quase diários. [20]

O ano de 2014 marcou uma nova fase no pára-quedismo militar em Angola. Entre Fevereiro e Julho, formaram quase 400 militares e estão autónomos nesta actividade para emprego de pára-quedas automáticos. No exercício montaram uma “sala de dobragem” de campanha que apoiou os lançamentos quase diários.

Pára-quedista angolano prepara salto automático com pára-quedas fendado direccionável. usa o novo uniforme tipo "multicam" introduzido nas FAA apenas para as unidades dependentes da Direcção de Forças Especiais. [21]

Pára-quedista angolano prepara salto automático com pára-quedas fendado direccionável. Usa o novo uniforme tipo “multicam” introduzido nas FAA apenas para as unidades dependentes da Direcção de Forças Especiais.

Nestas patrulhas de salto estão militares dos países envolvidos no exercício. Usam pára-quedas da Brigada de Forças Especiais (de fabrico espanhol - CIMSA), e seguem os procedimentos em introduzidos nesta brigada pelos formadores portugueses do Grupo Milícia, os quais são semelhantes aos portugueses mas com algumas adaptações locais. [22]

Nestas patrulhas de salto estão militares dos países envolvidos no exercício. Usam pára-quedas da Brigada de Forças Especiais (de fabrico espanhol – CIMSA), e seguem os procedimentos introduzidos nesta brigada pelos formadores portugueses do Grupo Milícia, os quais são semelhantes aos portugueses, com algumas adaptações locais. O instrutor na imagem (à direita), já foi também formado em Angola.

Embarque no MI-17 para mais um salto, neste caso um treino para a demonstração final do "Vale do Keve". No MI 17, o salto automático faz-se pela "porta traseira" da aeronave. [23]

Embarque no MI-17 para mais um salto, neste caso um treino para a demonstração final do “Vale do Keve”. No MI 17, o salto automático faz-se pela “porta traseira”.

A Zona de Lançamento, totalmente operada por militares angolanos também formados em 2014, era boa, mas sujeita a alterações súbitas das condições de vento, o que não interferiu no exercício. [24]

A Zona de Lançamento, totalmente operada por militares angolanos também formados em 2014, era boa mas sujeita a alterações súbitas das condições de vento, o que não interferiu no exercício, tendo os saltos decorrido dentro dos limites de segurança.

Um sniper zambiano abre fogo real durante a demonstração final do "Vale do Keve 2014". [25]

Um sniper abre fogo real durante a demonstração final do “Vale do Keve 2014”.

O capitão de operações especiais da BRIFE que chefiava as equipas de snipers. Teve formação em Portugal e na China. [26]

O capitão de operações especiais da BRIFE que chefiava as equipas multinacionais de snipers. Teve formação em Portugal e na China.

Apesar de haver sempre algumas pequenas rivalidades entre unidades de élite, o ambiente e a cooperação interna e a boa disposição reina entre militares comandos, operações especiais e agora aqueles destes que fizeram o curso de pára-quedismo. [27]

Apesar de haver sempre algumas pequenas rivalidades entre militares de élite, o ambiente e a cooperação interna e a boa disposição reina entre militares comandos, operações especiais e aqueles destes que agora fizeram o curso de pára-quedismo.

Os fuzileiros da Marinha de Guerra não integram a BRIFE mas podem ser colocados às ordens da Direcção de Forças Especiais para operações (e exercícios). Nessa medida também estão dotados com os novos uniformes de campanha "multicam". [28]

Os fuzileiros da Marinha de Guerra Angolana não integram a BRIFE mas são colocados às ordens da Direcção de Forças Especiais para operações (e exercícios). Nessa medida também estão dotados com os novos uniformes de campanha “multicam”.

Este exercício teve grande cobertura mediática não só por parte dos órgãos de comunicação social angolana como por praticamente todos os contingentes estrangeiros que se fizeram acompanhar de equipas de reportagem. [29]

Este exercício teve grande cobertura mediática não só por parte dos órgãos de comunicação social angolana como por praticamente todos os contingentes estrangeiros que se fizeram acompanhar de equipas de reportagem.

O General Geraldo Sachipengo Nunda, Chefe do Estado-Maior General das FAA, acompanhado pelo Tenente-General Cruz Fonseca, Chefe da Direcção das Forças Especiais, cumprimenta oficiais estrangeiros e angolanos envolvidos no exercício. Além das forças especiais, militares do Exército, Força Aérea, Marinha (Fuzileiros) e mesmo Casa Militar da Presidência da República, participaram no “Vale do Keve” [30]

O General Geraldo Sachipengo Nunda, Chefe do Estado-Maior General das FAA, acompanhado pelo Tenente-General Cruz Fonseca, Chefe da Direcção das Forças Especiais, cumprimenta oficiais estrangeiros e angolanos envolvidos no exercício. Além das forças especiais, participaram no exercício militares do Exército, Força Aérea, Marinha (Fuzileiros) e mesmo Casa Militar da Presidência da República.

 

No próximo artigo falamos da Logística, factor determinante, e apresentamos a nossa Conclusão.

 

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