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A ARTILHARIA DE MONTANHA EXPEDICIONÁRIA A MOÇAMBIQUE EM 1916

GRANDE GUERRA, 1914 A 1918:
A ARTILHARIA DE MONTANHA EXPEDICIONÁRIA A MOÇAMBIQUE EM 1916 *

Os acontecimentos aqui narrados passaram-se durante o período de Abril de 1916 ao mesmo mês do ano seguinte. Pela leitura do que se irá seguir poderemos, pelo menos, confirmar que a Artilharia Expedicionária soube sempre, embora com parcos recursos e muitos sacrifícios, cumprir o seu dever.

Antes de entrarmos na parte descritiva da acção destes Expedicionários, iremos analisar o ponto da situação, primeiramente no que diz respeito ao pessoal:

a) Das unidades de artilharia desde o oficial ao soldado e principalmente os do 2.º Grupo entraram em campanha com uma instrução reduzidíssima, e mesmo o 1.º Grupo a instrução que foi por ele recebida em Vendas Novas, antes do seu embarque, foi muito pouca, utilizando apenas esse estágio com alguma vantagem na construção de tábuas de tiro de peça;

b) Dos oficiais de artilharia de montanha, nomeadamente para esta expedição, só dois tinham já prestado serviço nesta especialidade de artilharia; dos restantes era muito mal conhecida;

c) Que, depois para o mesmo fim nomeadas, as praças deviam ser sujeitas a uma inspecção médica e não serem incluídas, naquele número, praças que ainda no passado mês de Dezembro haviam regressado de expedições ao Ultramar.

No respeitante ao gado:
Como fora adquirido pela remonta, pouco tempo antes do embarque das unidades, é mais que evidente que não devia ser durante a campanha pela primeira vez trabalhado, mas foi…

Sobre o material observou-se o seguinte:

a) As unidades de artilharia não deviam ter seguido para África com algumas faltas importantes como: carro de munições, sitometros, etc. Os primeiros ainda chegaram a ser enviados, mas bastante mais tarde.

b) A dotação de munições de artilharia das unidades não devia ser, como as circunstâncias a isso obrigaram, assim tão exígua (só 15 granadas explosivas por boca de fogo) e tanto mais que havia já conhecimento de que estava reduzida a 50 granadas a dotação da bateria que se encontrava em Moçambique desde 1915. A dotação de granadas com balas das unidades era de 400 por boca de fogo.

Apesar deste estado de coisas, foi assim que tudo quanto constituía esta expedição teve ordem para embarcar para Moçambique com destino a Palma.

Colecção particular [1]

Colecção particular

Palma, como se sabe, é o porto mais a norte de Moçambique, embora representado em qualquer carta geográfica pelo sinal convencional designativo de “cidade ou vila”, esta era constituída apenas por duas ou três habitações rudimentares para europeus e algumas de indígenas. Além disso era um porto de mar desprovido de cais e, nestas condições, faça-se pois ideia do enorme intervalo entre a partida de uma assim tão avultada expedição e o seu completo e seguro desembarque no ponto do destino. Resumindo: os processos ainda ali eram extraordinariamente primitivos e daí as enormes dificuldades que a cada passo lá surgiam para as forças da expedição, e a propósito fosse do que fosse; quanto a preparativos de recepção da expedição, pouco mais havia do que mato capinado, numa certa extensão de Palma, de modo a bivacar-se rapidamente.

Logo à chegada foi o comando da artilharia da expedição encarregado da construção de paióis que ficaram concluídos passado sensivelmente um mês.

Palma já era considerada uma base marítima de operações. Na frente da zona de combate encontrava-se o que restava da dizimada expedição de 1915 que, em artilharia, se compunha da 5.ª Bateria de Montanha naturalmente depauperada por um aturado serviço de vigilância a que se encontrava sujeita; como o seu estado sanitário fosse mau e o efectivo disponível para o serviço reduzidíssimo, propôs o Comando de Artilharia Expedicionária que que no inicio de Agosto, a 2.ª Bateria de Montanha marchasse para Namoto, tacticamente a mais importante localidade da frente da linha estratégica do Rovuma (excluindo Kionga, por ser fora de direcção) com o objectivo principal de render a 5.ª Bateria de Montanha que devia vir para a retaguarda reorganizar-se.

Um askari (Colecção particular) [2]

Um askari (Colecção particular)

A meados de Agosto teve o comando da artilharia conhecimento de uma proposta do comando superior com o intuito de, efectuando as nossas forças no dia 19 do mês imediato a travessia do Rovuma em certos locais, elas iriam de seguida ocupar o território alemão da margem norte desse rio. Nestas operações era dada à artilharia a missão principal de apoio à infantaria que estava dividida em quatro importantes colunas.

O 1.º Grupo de Artilharia seria para tal fim concentrado em Namoto e o 2.º Grupo em Kionga. Uma divisão de artilharia, a 1.ª da 1.ª Bateria do 1.º Grupo, comandada pelo respectivo tenente, ia-se incorporar na 4.ª coluna que era a que atravessaria para a margem norte e a montante do Nhica.

Por esta mesma data, marchou para Namoto a 2.ª Bateria de Montanha. Em fins de Agosto, foi determinado ao comandante da artilharia que mandasse escolher em Namoto o local onde deveria ser montada, sobre plataforma fixa, uma peça de 10,5cm que fora mandada de Lourenço Marques. Esta peça foi guarnecida com pessoal, então instruído, cujo o fogo seria comandado por um alferes da 5.ª Bateria de Montanha.

Peça 10,5cm em posição (Colecção particular) [3]

Peça 10,5cm em posição (Colecção particular)

Na madrugada do dia 19 de Setembro, e já depois de todas as unidades das três primeiras colunas terem avançado a ocupar os locais que lhes tinham sido marcados para a travessia do Rovuma, pôs-se o Quartel General em marcha, e com ele o Comando da Artilharia Expedicionária, em direcção ao local do comando escolhido. Não houve necessidade, durante a passagem das nossas forças para a margem alemã, da infantaria ou artilharia disparar um tiro. A artilharia naval do Adamastor (**) que fundeava próximo à foz do Rovuma, fez-se ouvir durante a passagem das colunas. A divisão da artilharia de reserva, por ordem do comando da artilharia, fez a travessia do rio para proteger o avanço da coluna da direita sob cuja direcção passaria a ficar; o seu material foi passado em jangadas até à margem esquerda e o gado foi mandado atravessar a vau onde já atravessara a coluna da esquerda. Antes disto se efectuar havia sido dado ordem ao comandante do 1.º Grupo Táctico de Artilharia para mandar abrir fogo às baterias sob as suas ordens logo que parecesse objectivo ou houvesse resistência inimiga nos correspondentes sectores. Em território alemão, junto da 1.ª linha em seguida à margem do rio, via-se, já desde a véspera, grandes queimadas, sem dúvida prenúncio de que os alemães o haviam abandonado. Quanto à 4.ª Coluna soubera-se que no dia 18 fizera a travessia do rio e, por sinal, se empenhara com pouco sucesso num reconhecimento ofensivo em frente a Nhica. O comando junto ao quartel general atravessou igualmente o rio a 19 de Setembro, indo estacionar em Migomba. Ali foi igualmente concentrar-se a 4.ª Coluna que em seguida teve que retroceder por lhe ter sido determinado a ocupação de Massassi.

O gado foi mandado passar a vau...(Colecção particular) [4]

O gado foi mandado passar a vau...(Colecção particular)

A 22 de Setembro, depois das felicitações que, na pessoa do seu comandante, as nossas forças receberam telegraficamente dos Ministros da Guerra e Colónias, e por virtude do começo das operações (ocupações de territórios alemães além Rovuma), recebiam igualmente, segundo era notório, um comunicado do comandante-em-chefe das forças britânicas em operações na África Oriental Alemã, lembrando que Mikindani se encontrava já em poder dos ingleses. Entretanto efectuava-se um reconhecimento a esta última localidade.

Em fins do mesmo mês davam entrada num dos nossos depósitos de material, entre outros artigos de material de guerra apreendidos aos alemães, cerca de 30 espingardas, 4 metralhadoras Nordenfeldt e muitas munições.

A 26 de Setembro, depois do pedido que comandante da 5.ª Bateria de Montanha fez nesse sentido, e que justificava, é essa bateria mandada retirar da sua posição de combate.

Colecção particular [5]

Colecção particular

A 29 do mesmo mês eram fornecidas as seguintes instruções:

1.º- A Divisão de Artilharia que fez parte da coluna do Nhica passaria a fazer parte da coluna de Massassi, cujo comandante era o comandante do Batalhão de Infantaria Expedicionária N.º 24, devendo a referida divisão ir completamente dotada e com o pessoal quanto possível reforçado.

2.º – Uma bateria de artilharia deveria marchar para Palma.

3.º – A 5.ª Bateria deveria preparar-se para retirar de Palma

A 14 de Outubro seguiu o Chefe do Estado Maior da Expedição para Mocímboa do Rovuma afim de mais tarde se incorporar na coluna de Massassi. De artilharia compunha-se esta coluna da 1.ª Bateria do 1.º Grupo de Montanha. Havia igualmente uma secção de munições de artilharia da coluna de munições, que até nova ordem seria destinada para defronte de Nangade.

Colecção particular [6]

Colecção particular

A 22 de Novembro começaram os alemães atacar Newala, com duas colunas de efectivo aproximado em 300 europeus e mais de 2000 askaris, os quais possuíam artilharia; e nesse ataque persistiram até ao dia 29, data que foi decidido da retirada das nossas forças, que regressaram a Palma.

Devo recordar que em seguida à tomada de Newala, feita aos alemães pelas nossas forças, todo o pessoal da 1.ª Bateria de Artilharia de Montanha, que então lá se encontrava, tinha sido rendida pela 2.ª Bateria de Artilharia de Montanha.

Em 3 de Dezembro ignorava-se o paradeiro de um tenente de artilharia, um dos adjuntos do comandante do 2.º Grupo de Montanha; foi então enviado a parlamentar com os alemães, e com o fim de saber onde o dito oficial se encontrava, bem como outro pessoal desaparecido, um dos capitães ajudantes do comandante da expedição o qual se fazia acompanhar do interprete de alemão. O automóvel em que regressavam, depois de se terem desempenhado da missão, foi assaltado pelos alemães no dia 7 de Dezembro no nosso posto de Matchemba, por ele terem julgado que estava ocupado pelos portugueses, tendo referido capitão sido aí morto.

Colecção paticular [7]

Colecção particular

Entretanto começara a época das chuvas, impedindo a continuação das operações, e a 21 de Março de 1917, depois de o governador de Moçambique ter vindo ao norte, onde chegou a assumir o comando-em-chefe das forças portuguesas ali em operações, mudou-se a base das operações para Mocímboa da Praia onde as unidades da nova expedição de 1917 desembarcariam.

A 14 de Abril foi transferido o Quartel General para Mocímboa da Praia, onde só existia um pequeno e depauperado núcleo da expedição de 1916.

Se consultarmos as estatísticas oficiais da expedição durante o período de que estamos a tratar, sabemos, sem incluir a artilharia da expedição de 1915, que as perdas totais sofridas pelas unidades de artilharia expedicionária, durante o referido período, foram:

– Em Pessoal (mortos, feridos, prisioneiros e desaparecidos ou incapazes por doença), cerca de 60% dos oficiais e 80% das praças.

– Em gado: quase todo quanto lhes fora destinado foi dizimado pela mosca tsé-tsé ou “horse-sickness”.

– Em material: as perdas não só de uma bateria de artilharia de montanha T.R., mas ainda 30% do armamento e muitas munições.

De um modo geral são estas as impressões colhidas que procuram traduzir imparcialmente e sem críticas, o que os nossos militares de Artilharia de Montanha operaram durante a 1.ª Grande Guerra no norte de Moçambique.


* Este trabalho, feito pelo signatário, foi publicado no “Jornal do Exército” N.º 218 de Março de 1978
**Assunto a tratar oportunamente

Texto e ilustrações de Manuel Ribeiro Rodrigues / Blog Grande Guerra 1914 a 1918 [8]

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GRANDE GUERRA – 1914 A 1918 (II) [15]

GRANDE GUERRA – 1914 A 1918 (I) [16]